A crescente
proximidade da Páscoa alegrava-o, as perspectivas meteorológicas prometiam bom
tempo e o sorriso de Heidi, de quem pedira a mão, tornava-lhe ansiosa a
passagem dos dias até essas férias.
Como sempre
fizera desde rapaz, com tanto empenho quanto orgulho, escalaria o Maciço dos 3 Bispos, desta vez Heidi acompanhá-lo-ia, o que tornava essa escalada ainda mais
desafiadora que todas as outras.
Assoberbava-o
a ideia feliz dessa conquista, tinha sido dificílimo mas conseguira impor-se a
si mesmo e dominá-la mau grado todos os escolhos da escalada, de si para si
diria que se superara. Frequentava as montanhas desde a infância e do tempo dos
escuteiros, a aposta em Heidi era mais recente, remontava apenas ao tempo dos
estudos secundários.
Escalar
aquele monte pela primeira vez custara-lhe menos que conquistar Heidi, além
disso contara com a experiencia do pai, velho alpinista de moral prussiana que
colocava empenho e cumprimento de objectivos acima da honra.
Várias
vezes esse pai austero o repudiara pendendo de cordas, ganchos e mosquetões
a cem metros de altura numa qualquer escarpa com vozes de incentivo e
encorajamento:
- Agora
desenrasca-te meu maricas e aprende que só contigo podes contar, “dos fracos
não reza a história”.
Fizera-se
homem, conquistara todas as escarpas que se lhe atravessaram no caminho,
conquistara o respeito e a admiração do pai, conquistara Heidi, sentia-se
extrema e invulgarmente confiante e realizado.
Ultimamente
(não andava bem) recordava a mãezinha com uma frequência regular. Não eram saudades
mas a sua perda estava difícil de aceitar. Era linda a mãezinha. Há muito esquecera os castigos em que o metera encerrado na cave tardes inteiras, às
vezes dias inteiros, sem almoço sem lanche sem brinquedos, por vezes devido a
coisas tão simples como não saber a tabuada dos noves, ou hesitar na identificação
de Hanna Reitsch ou Amelia Earhart, ou não saber na ponta da língua quanto
devemos ao chanceler Otto Von Bismarck.
Muito lhe
custara mas tudo perdoara à mãezinha, era impossível não lhe ter perdoado, era a sua
mãezinha linda, até os castigos com orelhas de burro, que ela trazia da escola com o argumento de ele não ser mais (ou menos?) que as outras crianças lhe
desculpara. Sorte a daqueles meninos terem a mãezinha como professora. Jurara-lhe
mesmo ambicionar ser de aço como o chanceler e voar como Amelia e Hanna quando
fosse grande.
Jurara mesmo
nunca aceitar que quem quer que fosse se lhe atravessasse na frente ou o dobrasse,
a mãezinha teria tanto orgulho nele como o paizinho, prezava ser ariano e
honraria a sua ascendência, só por cima do seu cadáver o contrariariam e,
conhecendo-o, a mãezinha decorou-lhe o quartinho com aviões e modelos primeiro
e anos mais tarde inscreveu-o num clube de voo planado.
Foi o céu
na terra, nada contrariava o seu destino, pais e padrinhos conjugavam esforços
para que ao menino Andreas nada atrapalhasse o devir até ao êxito, até ao
sucesso absoluto, o céu era o limite, e como que caindo do céu tudo lhe ia
parar às mãos.
Adorava planar,
sobretudo se com nuvens. Ultimamente refugiava-se nelas tanto tempo quanto
quaisquer térmicas favoráveis lhe permitissem, para o que aproveitava a
oportunidade do mais pequeno voo de colina e até que atingisse uma onda
estacionária. Ali se refugiava da intransigência independentista de Heidi, uma independência
que cada vez mais lhe parecia insolência, coisa inaudita numa mulher, jamais vira
ou sequer pressentira ou notara tal traço de rebeldia na mãezinha, aquilo contrariava-o,
e atormentava-o, o exigente treino de voo dinâmico poupava-o a estes
pensamentos.
A ser
verdade o que dizem, e ela ter ido embora para Espanha, abandonando-o sem
sequer lhe ter dado uma satisfação é causa para explicar muita coisa. Andreas é
o tipo de pessoa que lida muito mal com a rejeição.
Olhe lá
tem isso ligado ? Importa-se de colocar em OF ?
Em record
nada mais tenho dizer. OK está bem, adianto-lhe que Andreas foi meu aluno até
aos dezassete dezoito anos, um dos melhores, não falhava uma, e quando falhava
temia a reprimenda do pai ou o afastamento da mãe e penalizava-se a ele mesmo,
quantas pessoas assim opiniosas ante um falhanço, por mínimo que seja você
encontra ? Uma em mil ! Ou em cem mil ! São alunos que vão parar inpreterívelmente a medicina, casualmente a engenharias, a gestão, a economia, e irrevogavelmente à politica,
são casos anormais, são almas anormais, quer que lhe diga mais ?
Não me admira nada
disto.
Como ouvi
a alguém «a procura de seres perfeitos para qualquer lugar só pode levar a
eleger os mais treinados na representação dessa perfeição» …