quinta-feira, 31 de março de 2016

329 - A DIARRÉIA QUE ME ATRAPALHOU .............

    

Eu andava com os nervos à flor da pele, ou em franja como comummente soa dizer-se, lembro-me perfeitamente desses dias. Nem as pastilhas nem os pensos me atenuavam os tremores nem os temores, e a verdade é que na dezena e meia de vezes em que fui tentado e motivado a abandonar os cigarros não atingi nem os mínimos satisfatórios quanto mais os necessários.

O que melhor recordo foi um desses dias em que tanta droga antitabágica me descontrolou os intestinos e tive que pedir-lhe, não sem alguma vergonha ou constrangimento, que me deixasse utilizar a casa de banho, até por necessitar também de mudar o penso da nicotina.

Assim foi e assim fiz, contudo o penso velho oferecia alguma resistência a descolar-se, repuxava-me a pele e os cabelos do peito aleijando-me a valer, lembrei-me então de com um algodão ou um bocadinho de papel higiénico embebido em acetona retirá-lo com facilidade e sem dor, não há mulher que não use acetona, por isso passei os olhos pelo conjunto espelho/aparador/armário da casa de banho tentando encontrá-la, à acetona não à Margarida.

Não me recordo depois de todos estes anos o que me levara a casa dela, recordo sim que por pouco me ia cagando, das dores provocadas pelo adesivo nem tanto, o que lembro bem é de mim, um estranho naquela casa de banho, devassando-lhe a privacidade com o olhar, que tudo mirava licenciosamente.

Encontrei pensos rápidos, mercurocromo, cera depilatória, verniz vermelho escuro, uma caixa de OB, portanto apesar dos quase cinquenta a minha amiga ainda era menstruada, o que em parte explicaria o seu bom humor, e atrás dessa caixa uma caixinha de gel, uma marca desconhecida para mim, Pharmatex, o que me aguçou a curiosidade e num impulso irreflectido me levou a estender o braço e a pegar no dito gel, que mirei atenciosamente. Gel contraceptivo… portanto a minha amiga não usava a pilula, o que em parte explicaria a sua pele limpa e lustrosa, isenta das manchas comuns que o uso prolongado da pilula provoca, sobretudo nas peles mais sensíveis e que como sabeis também seca, ou greta.    

Só não encontrava a acetona e senti-me um intruso na casa dela quando ao colocar o gel no lugar derrubei um frasquinho de Oliprox, um verniz medicinal para as unhas e usado por quem sofra de onicomicose, logo pensei que sendo ela pessoa com quem eu fosse para a cama o melhor seria desviar bem os pés dos dela, não fosse aquilo pegar-se, todavia não era o caso, nada de excêntrico, anormal ou abstruso se passava entre nós, quem sabe se o ex-marido ou alguma paixão de ocasião lhe pegara o fungo a ela…

Satisfeito com o que a minha curiosidade me desvendava, e confesso que com alguma maldade ou sadismo, não me contentei com o que à vista me era oferecido. Aliás o que via era normal numa mulher, cremes para a pele, para a cara, cremes para tirar outros cremes, quero dizer para retirar a maquilhagem ou simplesmente limpar a pele, o Nívea universal, o rouge, o pó de arroz, o conjunto de rímel, um alicate de pestanas e uma pinça de arrancar as sobrancelhas, digo depilar, lacas várias, shampoos e corantes para o cabelo, um deles anticaspa, num cestinho todo amaricado e coisa mesmo de mulheres uma colecção de escovas de cabelo e rolos, umas molas que nem imaginei para que seriam, uma Gillette com a espuma mais que seca e onde ainda se viam os pelos rapados, um alicate de unhas, de unhacas a julgar pelo tamanho do alicate, mais acima boiões com tudo e mais alguma coisa, até flores verdadeiras, mais precisamente cactos, no parapeito da pequena janelinha, mais em baixo e numa gaveta um saco de bolas de algodão, dois rolos de adesivo, várias limas coloridas super-fraquinhas que mais pareciam de cartão, um limatão para algum unhão, uma embalagem de Betadine, noutra gaveta uma colecção de batons desde um para o cieiro até à cor mais estrambólica, e outros cujas embalagens transparentes deixavam ver misturas exóticas de confettis ou purpurinas nos batons mais líquidos que duros, dando ideia de serem aplicados a pincel embora não tivesse visto os pincéis, e, arrumadinhos como soldadinhos de chumbo em fileiras umas duas dezenas de frascos de verniz, gostei de encontrar um frasco fúxia a minha cor preferida, porém acetona népia, ora se não estava ali naquela gavetinha dos vernizes onde raio teria ela a porcaria da acetona ?

Esgaravatei a ultima gaveta mas não encontrei mais que ligaduras, gaze, duas tesouras uma delas de unhas, uma maquineta para desgastar ou desbastar ou calos ou calosidades dos pés, meias de desporto elásticas vivamente coloridas e em varias cores, daquelas que costumamos ver nos ginásios e que as mulheres usam até meio da barriga da perna, portanto a minha amiga frequentará algum ginásio, folgo que se preocupe com a saúde e a linha, corpo são em mente sã, o que em parte explica aquele corpinho roliço de formas esculturais, talvez se veja obrigada a suar um bocado mas afinal e ao contrário do que eu pensava Deus não a bafejou em tudo, pelo menos as medidas que apresenta exigiram-lhe muito trabalhinho, e dieta ? Fará ? Sofrerá também com isso ? Passará fome por gosto ?

Estava eu meditando nisto quando os intestinos me deram uma volta e ronronaram, só tive tempo para atirar uma joelhada à gaveta fechando-a, de baixar as calças novamente e sentar-me na sanita, respirando fundo sustive o ar e quando o expeli fi-lo com alguma satisfação e, embora o espelho estivesse alto, aposto que tinha um sorriso estampado na cara.  Talvez por me ter levantado mais aliviado e com outro humor mal me pus em pé os olhos deram de caras com a acetona entre o relógio e uma caixa de pensos para os joanetes, nem podia estar mais à vista a merda do frasco que já olhara uma dúzia de vezes e confundira com os que o rodeavam, digo com o do álcool, da água oxigenada, de soro fisiológico, e quando finalmente retirei o penso velho sem que os cabelos do peito viessem agarrados a ele fiquei tao aliviado, tão duplamente aliviado diga-se que me apeteceu fumar um cigarrinho, felizmente não os tinha já comigo, nem o faria numa casa que nem era a minha.

Arrumei e limpei tudo o melhor que pude, não sem me baixar para abrir a gaveta de baixo, afinal só faltava aquela e a minha pérfida curiosidade não me permitia deixá-la por abrir. Novinhas e ainda em caixinhas uma colecção de calcinhas que por pudor não toquei, tão cândida e inocente imagem emocionou-me, comoveu-me, enternecendo-me, e logo me pareceu que tocar-lhes seria conspurcá-las. Retirei com brusquidão a mão do puxador e bati com o cotovelo no convector dando de imediato um salto, parecia que tinha levado um choque eléctrico, sem querer derribei de cima dele umas calcinhas que talvez ou decerto estariam a enxugar e nessas fui obrigado a pegar, para as recolocar no lugar, não sem que as tenha esticado entre os polegares, pequeninas, bonitinhas, bonitinha a minha amiga, uma medida engraçada, uma coisa a que eu nunca prestara grande atenção, inadvertidamente veio-me à ideia uma velha canção*, “Viola, Violina, Violão”, e de imediato recordei os anúncios dos corpinhos Danone e Fitness. 

A vida tem cada coisa, nem me lembrei de tudo isto por acaso, é que estou sentado na sanita pela terceira vez esta manhã. Ou os cogumelos eram venenosos ou a carne de porco tinha pimentão a mais, o que é certo é que quem se lixou fui eu.  Para a próxima só comerei peixe, pxito, bacalhau, adoro o cheiro a bacalhau… 
   

* http://mentcapto.blogspot.pt/2014/10/205-viola-violinha-violao.html