domingo, 16 de fevereiro de 2014

... PAI


Nunca tive pai a quem chorar
Ainda assim, lembro-te quedo e mudo
E revejo-te, surdo a tudo e todos
Sonhando com o Kruger, e a Gorongosa
E como sempre, por opção tua, alheio ao mundo

Sonhaste mundos para alem do Bojador
Cafezais, horizontes, carabinas, elefantes
Espaços sem fim, liberdades, zagalotes
E depois, quebrou-se-te a hesitação, naquele dia *
Naquele dia em que tu, um clandestino, deste pinotes

Nunca falaste comigo, que me lembre
E inda assim recordo-te a postura recta 
O caminho que me traçavas numa uma estrada dura
E as balizas que, indiferente a todas e quaisquer urdiduras
Me forçavas a percorrer e respeitar à força como se fosse gente

Mas jamais coube no espaço convocado
Pois mais que vigiado eu esperava ser amado
Cerceado, logo algo em mim a compita  despertava 
Até que um dia, irado, desvairado, abri a porta do redil
E frustrado por acidente tornei, pródiga chama embargada

Retomei a mesma espiralada vida
Sempre urgente, acelerada, vívida
Em bonançoso turbilhão crestada
Sempre em busca do amor, ou de nada
Sempre sem uma estrela, sempre sem ti
  
C’os anos vi-te aceitar a ilusão e a descrença
Abraçaste, ciente de ti, relha e senil misantropia
Isolado, de tudo e de todos, descrente, perdido,
E encontrado, mas será justo dizer apaziguado ?
Intuíste em ti que nada havia a cumprir neste reino mal fadado

No fundo tolerámo-nos, conhecemo-nos
Conhecemos ? Nem sei se será lícito tal firmar
Passaste invisível p’la minha vida como eu p’la tua
Que pena, como quando procuramos incerto amor na rua
Porque foi, foi pena, negámo-nos o que nosso era por direito

Afirmámo-nos, assumimo-nos, p’la negativa
Um contra o outro nos assumimos e fortalecemos
Solidamente, c’os anos e pela negação fundámos o carácter
Chamámos-lhe personalidade, princípios, justeza, rectidão
Todavia, cruel verdade, é jamais auditar-se o que perdemos …



* 25 A