segunda-feira, 31 de julho de 2017

448 - SERVIÇO DE MESA OU A MALEÁVEL E DÚCTIL TEMPERA NACIONAL ................................


Fechou para férias o meu café, meu é como quem diz, costumo lá ir mas não tenho lá parte, parece a mesma coisa mas não é, é até muito diferente mas bamos ao que interessa. Fechou sem aviso, embora se tivesse avisado todos ficássemos na mesma, isto é, com o aviso nas mãos e forçados a mudar de café, a diferença é ou teria sido unicamente o facto de, ao encontrarmo-nos noutros cafés não termos dito do nosso cobras e lagartos como dissemos, mas bamos ao que interessa, e o que interessa é que depois de uma semana azarada, sobressaltada ou agitada, chegou finalmente domingo, ontem foi domingo, dia de vagar e paciência, pelo que fui ver até onde as coisas davam, até onde esticava a corda.

Já na terça ou quarta-feira virara as costas ao meu amigo Ferreira, amigo é modo de dizer, conheço-o há cerca de quarenta anos, até esta quarta nada tivera de bom a abonar em seu favor, mas a partir desse dia tenho muito em desfavor desse meu amigo, sempre o julgara mais esperto. Ele tomara de trespasse há dias o Café da Lena, relativamente próximo da minha zona habitual pelo que, depois do pão comprado na padaria do Carlos, o proprietário o Mira fora meu aluno e sempre gostara dele e do seu pão alentejano e muito mais agora, a Ana é toda simpática, solícita, e corta-me o pão fatiado como eu gosto por isso Deus lhe dê saúde muitos anos. Depois do pão pensei de mim para mim dar um pulinho ao Café da Lena que como devem lembrar-se agora é do Ferreira, meu amigo, para o ajudar a arrancar, a pagar a renda, a governar-se, a pagar os ordenados a toda aquela gente.


Lá fui, tem uma esplanada sossegada debaixo dos baixos do edifício fazendo uma espécie de arcada, com um dos lados tipo varanda, sossegada demais para uns mas a meu gosto, pelo que me sentei e esperei, eram dez da manhã, uma boa hora de um dia fresco com um sol agradável, puxei do livro e do bloco de apontamentos que trago sempre na paneleirinha, li, escrevi umas notas, mas não tomei o desejado café e já o dia ia na onze horas. Belisquei-me não fosse dar-se o caso de ter ficado invisível, quando vejo o meu amigo Ferreira levantando louça suja duma mesa próxima, chamei-o, olá Ferreira eu só queria, está bem mas ele népia, orelhas de mercador, ouvidos de mouco, tendo sido então que reparei nas calças novas, bem vincadas, polo grená de marca, impecável, bem, já era dono, proprietário não liga a pelintras, vi logo que não me iria servir pois há agora uma nova moda que grassa por aí como fogo em pasto seco, pelo que não disse nada, levantei-me e rumei a um sitio que eu cá sei, ali bem perto, com esplanada, um café velho de anos ou décadas, num gaveto de passeios largos, onde sei ao certo não terem igualmente serviço de mesa na esplanada o que me levou a entrar direitinho ao balcão e, sff uma bica cheia, uma água e uma fatia desse semifrio que está aí a fazer-me crescer água na boca podendo ser, obrigado, estarei naquela mesa ali ao fundo junto à montra.  

Deviam ser dez e tal ou onze e picos e junto à montra fiquei vendo os navios passando, e lendo o jornal até ao meio dia e meia, tal e qual. Nesse dia tomei de novo a bica em casa ao chegar, tenho uma Delta Q que é um mimo e cápsulas até que venha a mulher do Fava-Rica. No sábado comprei o Expresso e fui sentar-me novamente na esplanada do meu amigo Ferreira, passada meia hora aproveitando a passagem de uma lambisgóia levantando a loiça e limpando as mesas pedi uma bica e não pedi mais nada pois nem tive tempo de acabar, que não, que não servem às mesas, se quisesse fosse ao balcão buscá-la, à bica claro. Calei-me, não vale a pena o diálogo com gente inferior, é descer ao seu nível e nada resolver pois nem poder têm para isso, cumprem ordens, com mais ou menos simpatia limitam-se a cumprir ordens, zelam pelo seu bem-estar e que não abusemos dos seus direitos.

Respect. No problema.

Ergui-me e volvi novamente ao tal certo sitio do qual já vos falara, entrei, cumprimentei, dirigi-me à mesma mesa e sentei-me, dez e picos onze e tal, li o jornal, passei incógnito, fui à casa de banho dar uma mijinha e confesso-vos, de irritado que estava tive vontade de lhes mijar aquilo tudo para me vingar mas, era uma pena, tudo tão limpinho, tudo tão asseado, e eu de calças branquinhas, descarreguei-lhes o autoclismo três vezes e fui-me à vida tendo voltado a estalar a língua contra o palato depois de emborcado o cafezinho e passada a mão pela Delta Q, ainda quente, como quem passa a mão pelo pelo de um rafeirinho, do Benji ou da Mimi, da Cuca, da Heidi, do Francisco ou da Mia para não discriminar nenhum. Aproveitei e esvaziei a maquineta das capsulas usadas que chegavam até acima e ameaçavam emperrar o mecanismo, fui fazer xixi de novo, lavar as mãos, pôr a mesa e almoçar uns lombinhos de pescada que a Luisinha marinara primeiro e de seguida maravilhara polvilhando-os com orégãos, mas só depois de retirados do forno naturalmente.


Hoje, digo ontem domingo, corri quatro cafés nas redondezas antes de acertar no Café da Tapada, com serviço de mesa e vos recomendo. Devo confessar-vos, a minha segunda opção fora o café do senhor Paulo, uma jóia de pessoa, tanto ele como a D. Antónia, mas para meu azar tinham aproveitado o fecho do meu café habitual para fecharem e entrarem em obras, o que nos atirou para uma outra órbita, nas redondezas mas mais alargada, assim como quem muda do Circulo Polar para o Trópico de Capricórnio, ou de Câncer, numa manobra certamente concertada e que deixou a urbanização sem café, a não ser o da Padaria Maravilhas cujas padeiras são super simpatiquíssimas mas o café duma qualidade inferior, reles, tão reles que me provoca azia sempre que o bebo.

Pois neste burgo onde o turismo parece ser a única coisa que mexe os cafés esperam que os sirvamos, não abrem nem existem para nos servir mas nós a eles, e nisso não diferem do país, todo ele virado ao contrário, todo ele um erro colossal qualquer que seja o prisma pelo qual o observemos. E o tuga entra feliz, faz de criado e sai contente sem se aperceber estar contribuindo para o elevado desemprego que reina entre nós, ou para a subida de impostos que sustentem, contentem e aguentem o exército de inactivos que com carinho inusitado o país cria e mantém há anos comendo à mão. Se não ganham para um empregado que sirva às mesas aumentem os preços ou a boa vontade. Mexam-se, trabalhem.


Há anos que deixámos de ver nas bombas de gasolina aqueles homenzinhos indiferenciados que nos atestavam o carro, viam a pressão dos pneus, a água, o óleo etc., desapareceram, as bombas já nos puseram a trabalhar para elas, para elas e para pagar os subsídios de desemprego e os de RSI a esses homens, a esses e aos das portagens, agora é uma máquina que me exige a portagem, e nos híperes onde somos nós quem agora faz de marçanos, portanto podem imaginar a quantidade de gatos pingados que ficaram sem emprego e andam por aí rebentando caixas multibanco para ver se comem qualquer coisita, havendo jovens desempregados há vinte anos ou mais, e que o vão estar outros vinte, vivendo à custa do RSI ou fazendo pequenos biscates e furtos que não matam mas moem, sonhando talvez ser bombeiros, e heróis, e não o podendo ser deitando-se a deitar fogo às matas que é para que tu e eu saibamos como é e o que dói.

E depois vem o PPC aos jornais dizer que não, que o senhor deputado e os outros dois autarcas não quebraram a ética pois foram em passeio pessoalíssimo e não em serviço, sendo contudo bom que se verifique se terão sido ou não quebradas outras incompatibilidades, desconhecendo na sua larvar e épica ignorância ter sido a ética precisamente a primeira coisa que eles quebraram ao ir à China ou lá ao caralho do lugar onde foram.

 A imprensa demorou mais de um século a ganhar a credibilidade que em tempos lhe foi reconhecida mas agora, com a ajuda de governos e spin doctors todos os dias nos mentem e aldrabam com quantos dentes têm na boca, mais valendo a gente virar-se para o “Diabo” se quer saber alguma verdade verdadeira. Imaginem, o “Diabo” o tal da Vera Lagoa, quem diria ou adivinharia a cambalhota que os outros deram para estarem fazendo dele um jornal de referência.

Somos um povo de uma ignorância tosca e costumes rudes, grosseiro, inculto, rústico, muitos diplomados, outros doutores, muito bonitas estatísticas todavia no geral sabe-se menos hoje que no tempo de Salazar. Não pensamos, não meditamos, não questionamos, não nos interrogamos, não agimos nem reagimos, umas anémonas perfeitas, mas queremos ir longe, talvez até ali à esquina, deve ser isso, ver se há um café onde possamos tomar qualquer coisa, pois que tomemos ao menos uma atitude.