quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

572 A MULHER NO SÉCULO XXI por Luísa Baião *

              



Alguém, muito recentemente me colocou perante a melindrosa questão de saber o que é ou deve ser a mulher no início deste nosso século.

Melindrosa, disse eu, não porque a questão seja politica ou socialmente incorrecta, muito pelo contrário, talvez nunca tenha sido tão pertinente, melindrosa simplesmente porque sendo a presença da mulher insubstituível no palco social, o seu protagonismo é em simultâneo visto como uma necessidade e uma ameaça. Ameaça porque a sua participação vem colidir com interesses masculinos há muito instalados, necessidade já que sendo a mulher maioritária na nossa sociedade, a sua representatividade está muito longe da proporcionalidade que lhe é devida.

Contudo não é aqui que reside a verdadeira questão, se por um lado há cerca de dois ou três anos a polémica girou em redor das “quotas” que se pretendiam atribuir por lei à representação feminina na área politica, hoje, a questão da paridade em nada difere a não ser na designação que lhe é atribuída. A velha polémica reacende-se de novo, por um lado a medida é vista por uns como uma imposição, nada consonante com a liberdade que uma democracia deve espelhar e redutora da capacidade da mulher, por outro a sua presença na área politica é julgada necessária e a imposição de quotas ou da paridade, simplesmente um meio, temporário, de acelerar o processo de “ingresso” das mulheres na vida politica, onde a sua presença é vista como essencial, quiçá necessária, para melhorar a imagem dos políticos, tão gasta ela anda.




Mas deixemos estas minudências e centremo-nos no que é importante, o papel da mulher neste novo século, passados que são cem anos sobre a luta que desenvolveram as sufragistas pela sua dignidade, e quando alguns milhares de anos nos separam da era matriarcal em que as coisas terão sido bem diferentes sobre a terra.

Não adiantará que chova sobre o molhado, todas (os) conhecemos as razões histórico sociais que ditaram a primazia e supremacia que o macho alcançou nos nossos dias, supremacia que contudo não lhe proporcionou o desvelo e a sensibilidade que a política exige, sensibilidade que talvez por razões inatas pertença à mulher.

Não se trata aqui de cair no extremo oposto, a tomada do poder pelo feminino, mas tão-somente de aceitar os aspectos positivos da partilha desse poder, o qual, a julgar pelas capacidades já demonstradas pela mulher, hoje ocupando com inquestionáveis mestria e saber lugares de responsabilidade na sociedade, trará certamente a todos inequívocos benefícios.

Todavia eu diria que não somente outra sensibilidade, capacidade e responsabilidade o novo século exige à mulher, exige-lhe também a assumpção desses valores e o reconhecimento de que os mesmos deverão ser colocados ao serviço da comunidade.

 Não será só em casa que o seu desvelo de “fada do lar” é imperioso, a sua participação cívica é imprescindível para que, como um toque de varinha mágica, as políticas adoptadas espelhem uma sensibilidade que é tão nossa, feminina, e a sociedade possa sentir-se como um todo, docemente acolhida num regaço materno cuja memória nos é tão cara, tão querida.

Em vão se afirma estar sempre na retaguarda de um grande homem uma grande mulher, não creio em tal nem no seu oposto, eu conheço quanto de incentivo encerra o gesto maternal com que uma mulher estreita um homem contra o peito, eu sei quanta força esse simbólico acto transmite, de quanto perdão e protecção ele se pode revestir, eu sei porque sinto essa ânsia, essa força que me vem do peito para os braços.

A mulher conquistou os mais altos e responsáveis lugares a nível profissional e cultural, soube através do trabalho e do exemplo impor-se e fazer-se respeitar, tem sido um trabalho árduo, penoso, ao qual devemos somar a superação de barreiras preconceituosas, estas bem mais difíceis que quaisquer outras dificuldades.

 O caminho está desbravado, resta-lhe a tomada de consciência de que a sua participação cívica é não só necessária como imprescindível, a consciência de que é a sua vez de desempenhar os papéis sociais que lhe competem neste tempo que, como nunca, a encontra preparada, excepcionalmente bem preparada, e que acima de tudo lho exigem para bem de todos.

É este o retrato que eu traço da mulher no Séc. XXI, papel que eu espero venha a desempenhar voluntariamente porque, estando ela já presente em todos os aspectos da nossa sociedade, maioritariamente, não o esqueçamos, não vejo porque não deva ou não possa guindar-se a posições onde o toque da sua varinha mágica difunda sobre todos nós um feliz sortilégio.




* Publicado no Diário do Sul por Maria Luísa Baião‎ em 16-03-2001, rubrica "KOTA DE MULHER". Extracto de discurso proferido nas Jornadas Mulher e Democracia no Séc. XXI promovidas sob a égide de um partido político e que tiveram lugar no Hotel da Cartuxa no final do milénio passado.


WOMAN IN THE 21ST CENTURY by Luísa Baião *

Someone very recently put me before the sensitive question of knowing what a woman is or should be at the beginning of this century.

 

Touchy, I said, not because the issue is politically or socially incorrect, quite the contrary, perhaps it has never been so pertinent, touchy simply because, as women's presence is irreplaceable on the social stage, their protagonism is simultaneously seen as a necessity and a threat. It threatens because her participation comes into conflict with long-established male interests, a necessity since being the majority woman in our society, her representation is far from the proportionality that is due to her.

 

However, this is not where the real issue lies, if on the one hand about two or three years ago the controversy revolved around the “quotas” that were intended to be attributed by law to female representation in the political area, today, the issue of parity in nothing differs except in the designation given to it. The old controversy is reigniting again, on the one hand the measure is seen by some as an imposition, not in line with the freedom that a democracy should reflect and reducing the capacity of women, on the other hand their presence in the political area is considered necessary and the imposition of quotas or parity, simply a temporary means of accelerating the process of “entry” of women into political life, where their presence is seen as essential, perhaps necessary, to improve the image of politicians, which is so worn out. she walks.

 

But let's leave these details behind and focus on what is important, the role of women in this new century, after a hundred years of the suffragettes' struggle for their dignity, and when a few thousand years separate us from the matriarchal era in which things will have been very different on earth.

 

There will be no point in raining on the wet, we all know the social historical reasons that dictated the primacy and supremacy that the male has achieved in our days, a supremacy that however did not provide him with the care and sensitivity that politics demands, a sensitivity that perhaps for innate reasons belongs to women.

 

This is not about falling to the opposite extreme, the taking of power by the feminine, but simply about accepting the positive aspects of sharing this power, which, judging by the capabilities already demonstrated by women, today occupying with unquestionable mastery and knowledge places of responsibility in society, will certainly bring unequivocal benefits to everyone.

 

However, I would say that not only does the new century require another sensitivity, capacity and responsibility from women, it also demands that they assume these values and recognize that they must be placed at the service of the community.

 

It will not only be at home that your care as a “home fairy” is imperative, your civic participation is essential so that, like a wave of a magic wand, the policies adopted reflect a sensitivity that is so ours, feminine, and society May you feel as a whole, sweetly welcomed into a mother's lap whose memory is so dear to us, so dear.

 

In vain is it said that a great woman is always at the back of a great man, I don't believe in this or its opposite, I know how much encouragement the maternal gesture with which a woman holds a man against her chest contains, I know how much strength this symbolic act conveys, how much forgiveness and protection he can have, I know because I feel that desire, that strength that comes from my chest to my arms.

 

Women have achieved the highest and most responsible positions at a professional and cultural level, they have known through work and example to impose themselves and be respected, it has been hard, painful work, to which we must add the overcoming of prejudiced barriers, these much more difficult than any other difficulties.

 

The path has been paved, you are left with the awareness that your civic participation is not only necessary but essential, the awareness that it is your turn to play the social roles that belong to you in this time that, like never before, finds it prepared, exceptionally well prepared, and above all they demand it for the good of all.

 

This is the portrait that I draw of women in the 21st Century, a role that I hope to play voluntarily because, since they are already present in all aspects of our society, for the most part, let us not forget it, I don't see why it shouldn't or can't climb into positions where the touch of your magic wand spreads a happy spell over us all.

 

* Published in Diário do Sul by Maria Luísa Baião‎ on 16-03-2001, under the heading “KOTA DE MULHER”. Extract from a speech given at the Women and Democracy Days in the 21st Century, promoted under the auspices of a political party and which took place at the Hotel da Cartuxa at the end of the last millennium.




571 - IR AO FUNDO E VOLTAR ... By Luísa Baião*


Quanto vale a vida, me interrogo às vezes, se tantas só cuida de nos ocupar com sofrimento, por isso me vedes raros dias coberta de tristeza. Não temo da fortuna a roda, logro os anos, o duro fado que não desejo ao mais desesperado ser.

Tudo nesta cidade me enfada, contrariedades, confusão, mágoas, o tempo adiado. Para aqui fico esmorecida, por vezes em segredo, de tal modo muda e queda que nem de mim dou sentido. Quem me atenua mágoas destas, quem me lima as arestas do meu ser que eu já não posso mais, cheia que estou de tanta coisa que calo agora.

Quando confronto a idade avançando, penso no horror do tempo incerto a que a vida me convida. O bem se acaba, o mal piora, ou raízes lança e eu anseio pela mudança que retardo, enquanto aguardo, a ver se a esta sorte mudo o norte. Deus está comigo, Ele tem dons soberanos, arrasta-me, lançando sobre mim sua virtude de modo que eu a viver venha, afortunada.

Se um divino raio o peito me rompesse e dentro dele visse o meu tormento, decerto de mim se condoeria, decerto contentamento me daria. Tem-me crescido no peito tal angústia que pouca coisa no mundo me alivia, excelsos momentos de harmonia não chegam para esquecer o sofrimento. Resta-me a esperança e é tal a minha sorte, que encontro a vida e engano a morte.

Estimo a natureza, a vida, embora receie perdê-la, mas não pertenço aqueles que só crêem feliz um descontente quando se parte deste mundo. Não aceito quanto infeliz sou e me parece às vezes, que até o Céu me escuta sem agrado.

No meu semblante a gentileza, nos modos e no falar a destreza, no espírito a infalível (?) medicina que as vidas dilata e contra a qual tantas nos revoltamos em atitude ingrata.

Suja, velha, negra, arvorando a foice, faiscando, tu que tudo destruis, tudo arruínas, vai-te ! Não chegou ainda a minha hora ! Vai-te, não és tu quem está inscrita em minha sina ! Do alto do monte Santo contemplo com piedade um esplendor de fé cobrindo a cidade. Tudo aquilo me inquieta e uma vez mais parte, que não volte, que não tente, ao sofrimento tornar-me indiferente. Tudo que neste mundo me inquiete, adeus. A vossa melodia não me interessa, passou já o tempo de sofrer, agora é tempo de ventura, de alento, de aliviar esta carga, a vós me mostrar ingrata pois não sereis vós na certa quem me mata.

Verão, se é que o não viram já com espanto, que do meu e só meu tormento e sentimento não dou já qualquer testemunho público. Nem íntimo pranto. Que cante, me sussurra o espírito em surdina, que dance, cicia a meus ouvidos, que toque me dizem os braços sonhando cingir um violão. Sinto comigo o génio como companhia. Um raio de sol poisa a meus pés, me assedia, terno, qual mensageiro celeste, parecendo perguntar-me;

- Como pudeste ?

Sim, como pude perder a esperança ? A fé ? Como pude olvidar a consciência ? Como pude fazer-lhe frente, resistência ? À vida que brota efervescente ?

Quando contemplo o pulsar da vida no bulício desta aldeia global a céu aberto, afortunada e gentil me fico em paz. Navegasse eu o mar e a tudo sem temor resistiria, assim, se se acabasse o meu tormento, de todos os outros males zombaria.

E então agora, sinto-me por cima das estrelas, olho a Terra em baixo e logo penso que muito daquilo a que atendemos não passa de triste minudência. Respiro fundo, dou força a esta chama acesa no meu peito. Cedo à Divina Glória, ao amor, à vida !

Vou dançar, ao café, ao teatro, ao musical, vou, vou, vou... Fazer da vida um jogo de paciência.


* Publicado no Diário do Sul por Maria Luísa Baião‎ em 18-05-2001, rubrica "KOTA DE MULHER".