sábado, 24 de agosto de 2013

158 - PURA MÁ LÍNGUA ............................................


Muitos anos depois apareceram os canitos de louça deitados nas chapeleiras dos carros, quase todos com a língua de fora abanando a cabeça com as oscilações dos percursos, como se tivessem acabado uma correria

Posteriormente as almofadas feitas com as tampas plásticas das garrafas, revestidas e por sua vez forradas a croché em divertidas e variegadas cores, mas quando essas modas pegaram já o meu tio Francisco tinha baqueado, pelo que nada teve que ver com elas, com a das bonecas dançarinas sim, mas essa foi uma moda ainda muito mais antiga que muita gente nem lembra já

A Gerónima, que topa tudo à légua, deu uma cotovelada ao Ribeiro lançando o queixo de velha na direcção do Dr. Hernâni, estacionando o jipe onde é hábito e que, ao contrário do costume ficou dentro dele, ao telefone, ou então foi para não dar de caras com a loira vamp e ex do Branquinho, a qual, como já vai sendo normal, ainda o jipe não tem parado e já ela lhe forja a espera, diária e matematicamente ainda que não seja catedrática, simplesmente tem um lar para velhos aqui próximo, ao lado da clínica “Personel”, o queixo de velha mandou-me um tal olhar que nem sei como não entrei em combustão espontânea

Faz clínica em consultórios de outros médicos amigos, como o cuco com os ovos, atalhou o Braz, como se se parasitassem, tem que ser porque dantes ele com eles na rua das Naus e agora eles com ele aqui nas Hortas Novas, alguém parasita alguém está-se vendo, e chupado já eu fui uma carrada de vezes nas consultas, custam os olhos da cara, metade daquele jipe é meu

O facultativo não desligou nem interrompeu a chamada, meteu marcha-atrás e enfiou o jipe na transversal, que dá menos nas vistas, e a ex do Branquinho rodou sobre os calcanhares. O que chamou a atenção da Tomásia foram os sapatos vermelhos Prada de salto alto uns 30cm, pois a vamp desatou num equilíbrio difícil em direcção à transversal

Do meu lugar não vejo a Avenida dos Plátanos, mas sopra-me o Venâncio que olhe de esguelha o fulano da caixa aberta, lá está, só pode ser para carregar a ruiva da rua de trás, não, não anda a pintar bem a manta de certeza quero dizer anda decerto senão por que viria ele carregá-la e descarregá-la nas traseiras da rua dela com este calor ? ao Venâncio e à Gerónima pouco ou nada escapa

Gosto deste café, da mesa e da montra com o vidro grande, e da esplanada, o sol só bate aqui à tarde que é hora a que eu não venho e toda a manhã tem sombra ou ar condicionado, é contudo a panorâmica sobre o cruzamento das avenidas que a malta aprecia, não tenho lugar penhorado, mas ninguém me ocupa a cadeira preferida ou há logo discussão, já sabem como elas lhes mordem quando ocupam o meu lugar, mas isto agora está impossível, só desempregados e pensionistas, passam aqui os dias, as vidas, agarrados a uma bica que fazem durar a manhã inteira

O Teles abana a cabeça e vira o jornal para nós, o rácio reformados / activos passou de 5,6 em 1974 para 1,9 em 2010, e se considerarmos a Caixa Geral de Aposentações, o número desce para 1,57, é um estudo actual ! frisa

Logo o alarve do Maurício contrapõe ter tomado conhecimento esta manhã, ao investigar uma idêntica notícia, dum outro peculiar estudo, a média de dormidas em Évora baixou embora o número de visitantes tivesse aumentado, cifrava-se em 2010 em 0,8 noites por visitante, o que quer dizer que Évora se pode ter tornado a cidade da queca, afirmou peremptório com um brilhozinho nos olhos, o maralhal vem, janta, dá uma volta digestiva para criar ambiente vendo as luzes dos monumentos, vai pá cama, tic toc, cai para o lado e abala cedo.... 

nem uma noite inteira aqui passam ... é o que faz termos auto-estrada e proximidade à capital... nem Vendas Novas nos ganha, a cidade das bifanas, a carne aqui é do lombo, e recolheu-se entre risos e fungadelas, como é usual nele…

Esta tipa é professora de certezinha atira a Rosália de punho fechado e indicador estendido como quem firma uma aposta, todos os dias  a bica aqui,  sempre à mesma hora, afianço, estacionar como ela estaciona invariavelmente o Toyota, assim atravessado, e a apanhar dois lugares, aposto que é prof, a minha certeza vem da segurança e das temáticas que emborca ao balcão ainda com maior rapidez que deglute o café, querem teimar comigo ? já quando eu era professora na secundária da Sé os primeiros dez a chegar ocupavam os vinte lugares do estacionamento reservados à escola e quem viesse a seguir que se fodesse

          Mesmo assim, mas a súcia já lhe conhece o desregramento e finge nem a ouvir…

Aparento não o ver, mas o marau do Constantino é mesmo bisnau, fechou o supermercado por não estar para aturar gaspares nem gasparelas, nem as calculadoras nem as registadoras que o obrigavam a mudar e a trocar de seis em seis meses, e de seis em seis meses só muda de carro, e quem manda nele é ele, e nem está para trabalhar para os outros, deixou os fornecedores fazerem bicha à porta, alegou falência, e quem quiser indemnizações agarre-se á pele dos tomates que isto agora é uma democracia, e medo tinha o pai dele no tempo do Salazar que agora nem fiscais do trabalho, mas dizia eu, o bisnau é habitué por aqui e aposto como anda com o nariz no cheiro das enfermeiras do lar ou das recepcionistas da “Personel” que aquilo são meninas que com esta, ou apesar desta crise,  conseguem que a maralha faça fila lá na rua e nem por isso vejo os galfarros de unhas envernizadas

Mas até esquecia o meu tio Francisco com quem, dizem, sou extremamente parecido, o único varão de treze rebentos que minha avó Teodora deu ao mundo, nem cheguei a conhecê-lo morreu “môde”  aquelas bonecas plásticas que se punham em cima dos televisores quando a televisão apareceu, mas aí acho que  já o meu tio Francisco não... vocês percebem… a moda ficara, eram quebradas ou articuladas na cintura, onde tinham as mãos, como as varinas, e ao mais pequeno requebro ficavam balançando, dançando da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita que é o mesmo lembram-se ?

Não cheguei a conhece-lo, carregado de contrabando, e de bonecas, lançou-se à Guadiana e a corrente, ou o peso... diz-se também que a guarda lhe andava nos calcanhares, ou as duas coisas juntas, ou as três, a verdade é que só deram com ele três léguas abaixo, os olhos comidos pelos cágados, deixara noiva na terra e consternação na freguesia e arredores, onde era muito apreciado, e desde aí que espanholas dançarinas nunca ninguém mais, e a minha avó Rosalina tomou luto dos trinta e cinco até morrer por ter digerido mal um luar que o boticário nem lhe recomendara

O Guedes do banco e a mulher na mesa do canto, reformados os dois, ela de dedo nos dentes limpando a caruma, ele olhando o Skoda novo pela montra, nunca lhe conheceram um carro com mais de dois anos nem menos de seis meses, e não sendo o banco dele, parecia, e nem sendo dele o stand Rodas Felizes, parecia sê-lo, porque ele e o gerente do stand e os créditos e as recomendações coiso e tal que até parece que o gerente do stand mandava no banco mais que o gerente e tal e coiso percebem… a vidinha ta “deficil” e muito antes da crise o Guedes foi previdente e quem boa cama fizer nela se deitará né ?

Que a vida é uma injustiça é, e por falar em justiça entrou o senhor doutor juiz da primeira instância, Dr. Apolinário, veio à bica que o café desstressa, e metade dos clientes levantou-se em vénia de chapéu na mão mesmo sem ter chapéu, chamam-lhe “ o Algarvio “ por ser mais escuro que um marroquino e se julgar Deus, julga, não tem a certeza, porque a certeza certezinha só os de segunda instância a têm… 

            Garanto-vos …