sábado, 24 de abril de 2021

O ABRIL DE MISÉRIA QUE A ESQUERDA CRIOU

                  



690 “ O ABRIL DE MISÉRIA QUE A ESQUERDA CRIOU “

# TEXTOS POLITICOS  6 #

 

 É hoje mais que sabido não ter sido o 25 de Abril uma revolução, foi antes um arrastão que levou tudo e todos na frente. Em relação a essa época o que mais se apregoa é o facto de termos ganho liberdade, sobretudo liberdade de expressão e não estarmos sujeitos à anterior opressão, são factos objectivos na sua totalidade os quais porém se revestem para cada um de nós de uma subjectividade própria, pessoal, avaliada segundo o nosso prisma, a nossa experiência. Pessoalmente acho que continuamos vivendo numa ditadura encoberta e bem disfarçada sob a capa duma falsa sensação de liberdade. Tão falsa é essa sensação que facilmente a podemos comparar, não existe mais liberdade de expressão agora que havia dantes, hoje podemos gritar à vontade, dizer tudo que nos vier à cabeça, é verdade, mas ninguém nos ouvirá, ou calar-nos-ão não nos dando os meios p’ra nos fazermos ouvir, as leis de imprensa e da rádio não por acaso têm trela curta.

  

Naturalmente a opressão actual é diferente, mais subtil, este tipo de opressão, actuante mas subjectiva, socorrendo-se e escondendo-se nos conhecimentos da psicologia, não tem culpados, só sofredores. Atenção, eu não digo que dantes é que era bom, eu sou dos que também viveu nesse antes, para além disso estudei-o e continuo a estudá-lo, não era contudo tão mau como o pintam, o escondem e se escusam a discuti-lo. Se Salazar é acusado de jogar com a nossa ignorância, a democracia actual continua a alimentá-la e a cultivá-la. O que eu digo é que, quando o ensino podia e devia ser bom, não existem razões de força maior para ser mau, é péssimo, não produz saber, o ensino de massas resultou num fiasco onde os contribuintes despejam demasiado dinheiro para os parcos resultados obtidos, dinheiro que nunca terá retorno.

 

 Questões de desorientação ou desorganização que nunca superámos, depois do ano 2000 e após recebidos biliões estamos cada vez mais longe da Europa, divergimos em vez de convergirmos, um paradoxo, um lugar onde os jovens não ganham o suficiente para arrendarem uma casa, nem ganham para casar nem para ter filhos, condenando-nos a um inverno demográfico fugindo daqui a sete pés, atitude incompreensível para um primeiro-ministro bem-intencionado e incapaz de compreender e aceitar quem não veja este país como um paraíso...

  

Existe desde 1974 uma “união sagrada” em torno da memória do golpe. A esquerda, nostálgica mas ignorante vive esta data como um momento poético do passado, e a direita, caceteira, seja ela astuta ou manhosa nunca percebeu que Abril poderia ter significado mais do que um novo começo da nossa história. A nossa direita, carregada de reumatismo, vivia acomodada e de braço dado com privilégios e valores anquilosados que uma justa, moderna e actual hierarquia recusaria, hierarquia que ainda não tem.  O devir foi obrigado a seguir um caminho que como sabemos passou pela revolta, sucede que embora não duvidemos da generosidade dos revoltosos também não acautelámos o seu cinismo nem a sua incompetência e irresponsabilidade para tomarem conta do país.

  

Não houve revolução, houve um arrastão, um movimento “sociológico” de massas, porém político, sem projecto e sem direcção. A nossa Abrilada do dia 25 não foi mais que um movimento de contestação, inventaram-se umas palavras de ordem, palavras enganadoras, sabemo-lo hoje, e não se pensou em mais nada, de concreto havia que repor as regalias que a tropa ia perdendo com o recurso aos oficiais milicianos, sabemos agora como a guerra era um negócio e os instalados nela estavam a ficar mal... As coisas ultrapassaram o esperado, houve barricadas, manifs, e os militares viram-se com uma revolução nas mãos que nem tinham desejado, imaginem que até os pides tiveram que prender, quem teria imaginado tal desiderato ?

 

 Daí para a frente conhecemos a história, ganharam os oportunistas, os videirinhos, os arrivistas, ganhou a ignorância, a irresponsabilidade, a incompetência, isto só pode acabar mal, mas como o meu temor é que fique tudo na mesma, pois que acabe quanto mais depressa melhor.  Por isso hoje temos o partidarismo, a corrupção, os direitos adquiridos sem contrapartidas, faltando-nos assistir ao fim, à decadência, sem jamais assistirmos a uma mudança de sensibilidade ou a quaisquer mudanças estruturais.

 

Sobra-nos sim até demais essa nova sensibilidade, essa nova transversal e consensual tendência, o sectarismo. Passámos do antifascismo para o bairrismo e para o partidarismo de onde nasceu o sectarismo, numa deriva semântica e ideológica doentia de que todos ou quase todos acabamos por sofrer, que nos fecha em nós e na nossa panelinha, que como uma lapa agarra os instalados aos lugares, que trava o crescimento a modernidade e o desenvolvimento. O problema é que Abril não mudou o Estado, não mudou nada, continuamos com as mesmas estruturas herdadas do Estado Novo, agora mais débeis, mais enfraquecidas, a ausência de reformas mata-nos.  

  

Hoje os estrangeiros e as multinacionais são donas disto tudo, nada temos de nosso além da divida e dum futuro negro, ficámos escravos na nossa própria terra, claro que podemos sempre votar com os pés, abalar, mas terá sido para isso que o 25 de Abril foi festejado ? Salazar teria enfiado sem contemplações toda esta gentinha corrupta em Peniche ou no Tarrafal, e não seriam bem metidos ? Bem engavetados ? Ele não era santo, são os de hoje quem faz dele santo ao serem bem piores, sim os de hoje, os mesmos que nunca foram capazes de o apear, foi uma cadeira velha quem acabou com ele, não foi a contestação burguesa ou operária, uma vergonha que nos acompanhará história fora.


 Não, não me peçam para festejar Abril, há que ter coragem e hombridade para recusar este Abril, convidem-me para um novo Abril, isso sim, vai ter que acontecer, mais tarde ou mais cedo, com menor ou maior violência. Andam a gozar-nos e a cagar-nos em cima, coisa que nem Salazar se atreveu a fazer.