sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

558 - ENTRAI PASTORES ENTRAI by Luísa Baião *


          Se há alguém que conheço muitissímo bem é o meu marido. E ao contrário do que é normal, chegar a casa sem grande alarido, tornou uma destas sextas-feiras excitadíssimo, mostrando um espanto pouco habitual.

Logo ali quis saber o motivo de tanta euforia, tirar-me de cuidados, para isso me bastara o dia, por certo para tal alguma razão forte haveria;

- Não acreditas ! Me disse;
- Acabei de ver num militar a rebeldia !

E lá me contou, como foi capaz, ofegante que estava, estupefacto;

- Assisti agora mesmo a uma linda batalha pela paz !

O que vira ele então, que o deixara em tamanha excitação? O testemunho de um guerreiro, de uma vida dedicada a tácticas e estratégias militares, de um duro, que trilhara outro carreiro. Nada mais nada menos que a história de uma vida coroada de estrelas mas trilhada a pulso, a que o destino, talvez por capricho ou impulso, “tocara” como em suave milagre.

Essa vida, essa carreira militar, tornara-se repentinamente álacre, a julgar pelo facto, constatado, e pelo adiante visado comprovado, de que não há regra sem excepção. “Dar de Si antes de pensar em Si“, palavra de ordem ou divisa do julgado, foi um lema pelo próprio completamente adulterado, alterado, foi norma por ele magistralmente subvertida.

Acredito que, quando em algum momento da sua vida aquela maravilhosa colecção foi concebida, o terá sido pensando em si mesmo, de forma egoísta e atrevida, mas nem por isso menos querida, como tantas de nós, que nuns ou noutros aspectos não somos menos egotistas e circunspectas. Pois o bom homem terá por certo descoberto que não valeria a pena amealhar o que não pudesse partilhar. Vai daí, e sem qualquer pudor, “tocado” que foi talvez pelo Divino, abriu-nos os braços deixando escoar por eles essa torrente de amor que lhe tolhera o caminho.

Não é caso único, conta a história que, já em remotos tempos, Constantino,** homem certamente menos pudico, reunira todos num abraço, tão temerário que o tornou Magno, também conhecido por Valério, e cujo gesto, não imaginário, traçou de novo nos mapas um antigo império.


“Entrai Pastores Entrai”, é uma excelsa colecção de presépios a decorrer nas igrejas de S. Vicente e do Convento da Graça, sobre o que é considerado o símbolo apaziguador do Natal e mostra-nos presépios artesanais de todo o mundo. Expressão da “alma dada às pequenas coisas... Que podem ter a dimensão de uma noz ou de uma estrela, e que nós simples mortais... ”Partilhamos com enlevo”.

Desde presépios em madeira de choupo ou salgueiro, de tal modo rendilhados que mais parecem filigrana, a outros construídos dentro de lâmpadas ou frasquinhos não maiores que o meu polegar e que por certo exigiram paciência de marinheiro, de tudo há nesta exposição, que mais parece viveiro de um milhar de fulgores p’ra nos encantar.

Um catálogo de excepcional qualidade, que só peca por não ter mil páginas, tantas quantos me pareceram os presépios, ilustra a capa com uma representação orbitando em torno do amor dos pais pelo Menino que veneramos, concepção de artistas eborenses realizada na “Oficina da Terra”, a mesma terra de onde provém o barro de que é feita a obra.

Parabéns a todos os intervenientes no evento. Para o senhor Major General F. Canha da Silva, um beijinho solidário pelo carinho mercenário com que conquistou para a nossa terra o seu mundial mostruário.


* Publicado por Maria Luísa Baião‎ em 06-01-2003 no Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER


** Constantino I, Constantino Magno, César Flávio Valério Constantino Augusto. Deu liberdade aos Cristãos, o nome a Constantinopla e reunificou o Império Romano cerca de 300 d.C.