quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

108 - QUE ESPERAR DE TUDO ISTO ? NADA ! ....




Tenho uma dívida de gratidão para com os meus amigos mais chegados. Não imagino por que carga de água levam-me a sério e assolam-me pontualmente com questões que só me honram. Por me serem colocadas mor das vezes num ambiente de conspiração, de secretismo, como se eu fosse o detentor da verdade.

 

Envaidecem-me e enobrecem-me. Como não gostar deles sabendo vós quanto gosto de ser considerado, que sou um homem de paz e que desavenças não são comigo, salvo um diferendo que se arrasta há anos no Registo Civil, já que teimam não autorizar-me a mudança de nome por motivos nada justificados, sabido ser que nessa cena toda a razão me assiste.

 

A questão é simples e explica-se em poucas palavras, eu quero desistir do nome de Humberto e passar a chamar-me Narciso, nome mais bonito, sonante e conforme o meu modo de ser, mas aqueles burocratas não aceitam a mudança. Mais fácil é, segundo me parece, mudar de sexo. Quisesse eu ser Miquelina e tudo me seria facilitado por aquela gentalha.

 

Desta vez a questão que  os rapazolas e amigos me colocaram foi crucial: 


- “Que nos espera enquanto portugueses” ?

 

Nem tive que pensar, resposta fácil:

 

- Nada.

 

- NADA? Exclamaram incrédulos em uníssono.

 

- Nada, repeti e confirmei.

 

- Mais uma bejeca César, copo gelado, tenho os neurónios por excitar, os gaiatos hoje nem dão para começar.

 

- Não nos lixes Baião, tu tens sempre uma teoria qualquer sobre tudo que seja, e agora vens-nos com essa ?

 

- Mas os meninos pensam que sou bruxo ou quê ? Que as invento ? Que sou o oráculo de Delfos ? Nem sequer tenho idade p’ra vosso pai mas saibam que se fosse haviam de passar mais vinte anos na escola ! No mínimo ! E nem sei se vinte anos chegariam, do modo que as coisas estão, calhando nem valeria a pena.

 

- E tu Brites? Que é daquela tua mulatinha ? Vamos começar por ela ?

 

- Vai-te lixar devasso do camandro, pensas ke tou pa te aturar ? Porque não deixas a moça em paz ? - Nem aqui está !

 

- Calma rapaz ! Só falei nela porque tudo começou mais ou menos aí, em África, há bué de anos. Sabes qual é o mal menino ? É que vocês levantam o pelo com facilidade mas só têm olhos para a FHM, a Play Boy, a Carla Matadinho, as mamas da Elsa Raposo e merdas dessas, e nem lêem nem quem, nem o que deviam, e depois a mim é que colocam de serviço para duas ou três explicações breves né ? Pagam-me ?

 

- César, aponta todas as que beber na conta destes moleques e eu falo a noite toda, de contrário nada feito.

 

- E tu mete a mulatinha no cu porque nem estava sequer pensando nela, nem preciso ouviste ? Mete isso na cabecinha e não me dês lições que dispenso e nem preciso, e se tiveres que me dar alguma coisa, pois que seja essa mulatinha linda ! kkkkkkkkkkkkkkkk !!!!!!!!!!!!!!!!!

 

- Fogo que ainda se arranja aqui uma guerra !

 

- Merda ! Porra ! Então não é ela que vem entrando pá ?

 

Fogo ! E quem ia adivinhar ?

 

- Acabou a tourada caraças, caluda ! Respeitem a senhora tá ?

 

- Voltemos ao assunto, que aliás é fácil de rematar, vocês do secundário não recordam Orlando Ribeiro, Fernando Pessoa, António Sérgio, Agostinho da Silva, ou tipos mais recentes, Eduardo Lourenço e o seu “Labirinto da Saudade”, o excelso jornalista escritor Fernando Dacosta, que entre muitos outros publicou “O Viúvo”, ou o nosso mais recente e ilustre filósofo, José Gil, um moço um nico mais velho que nós ?

 

- É que eu sou um curioso do catano e não só pela mulatinha do Brites…

 

- psssshiu ! Falem baixo porra ! A gaja inda ouve e vem-me aqui lixar o juízo, sabem bem como ela é, um qualquer complexo, ou o caraças, qualquer merda pensa logo que a estão a desvirtuar.

 

- Se fosse a desvirginar ainda admitiria a gritaria … mas onde é que isso já vai…. Caluda.

 

- Olhem que o Brites ouve porra ! Ou ela, o que é pior !

 

- Bem, agora só lembro os gajos que vos referi, haverá mais, outros, mas todos eles são unânimes, duma forma ou de outra, a explicarem as razões da nossa razão como povo, ou melhor, das nossas características, o que quer dizer que explicam o porquê da nossa falta de razão, de racionalidade, da nossa incapacidade.

 

Todos sabemos ter Portugal dado mundos ao mundo, a gesta das descobertas e das especiarias, os entrepostos de Malabar, Mina, Ormuz, Benin, Arzila, Goa, Damão e Diu foram apenas momentos e pontos da nossa grandeza e riqueza. Um tempinho pa emborcar esta né César ?

 

Como o foram mais tarde, Ambriz, Cabinda, Molembo, Angola, Moçambique, Cabo Verde e toda a costa ocidental de África no tempo do comércio triangular com o Brasil e mais tarde com a América do Norte, continente que povoámos de escravos cuja venda nos enriqueceu.

 

Não estou a inventar, está nos livros, mas saberão vocês que o reino que Portugal era então, não contava mais que três milhões de almas ?

 

E como foi que tão poucos fizeram tanto ?

 

Simples. Na generalidade foram embarcados nas naus os pedintes, alcoólicos, vagabundos, ladrões, presos, condenados e toda a escória possível de imaginar que, livres e com possibilidade de enriquecimento rápido, se tornaram tão ferozes que tomaram praças sem um único tiro, já que nem perdiam tempo a tirar os anéis e pulseiras ou fios preciosos aos vencidos, a quem de imediato cortavam um ou mais dedos, um ou os dois pulsos, o pescoço, levando tão longe nessa época o horror aos portugueses como hoje o manifestamos quanto à responsabilidade, à solidariedade, à produtividade, à seriedade.

 

Aventureiros por natureza, com o reino cheio de escravos, que chegaram a constituir grande parte da população, em algumas zonas um terço, noutras por vezes mais, o país caiu no laxismo, os costumes no abastardamento, na licenciosidade, na falta de disciplina e de valores morais, na ociosidade, enfim, aí começaram os nossos males, os quais se estenderam como devem aperceber-se, até aos nossos dias.

 

Isto é ciência certa meus moleques, pois a escravatura só foi abolida em finais do séc. XIX, pelo que o que nos espera é nem mais nem menos o que a história já nos revelou sobre civilizações clássicas assentes no esclavagismo, os egípcios, gregos, os romanos e a queda desse império a que pertencemos, e se julgava imortal.

 

Creiam-me, os homens de valor, como os Castros, os Almeidas e os Albuquerques por lá ficaram, pela estranja, por cá o reino ficou povoado de ociosos, dos quais descendemos e cujo nome honramos, pelo que, caros amigos, não querendo ser escravos mas esperando fazer dos outros tal ou que como tal se comportem, resta-nos orgulhosamente fenecer-mos ás nossas próprias mãos.

 

Sendo uma opinião muito minha, baseia-se contudo em factos verídicos do nosso passado próximo.

 

Somos oportunistas por natureza, corruptos por vocação, malandros por opção, tachistas devido a um forte instinto de compadrio e sobrevivência, (noutros povos é a coesão social a garantir este aspecto das suas vidas), insensíveis por ambição, calculistas devido a ausência de escrúpulos, más-línguas por puro prazer e maldade, velhacos, biltres, calaceiros, daí a minha resposta quando colocada a questão;

 

- Que nos espera ?

 

– Nada - Pois nem eu acredito que Deus seja tão distraído que nos assegure o futuro sem que tenhamos que, como todos os outros povos, pagar as favas pelo pecado que O levou a expulsar-nos do Paraíso.

 

Vá, agora contestem-me se tiverem razões.

 

César, mais uma e bem fresquinha que a garganta me secou amigo…