quarta-feira, 23 de novembro de 2016

399 - BRAVO, JERÓNIMO ! * por Maria Luisa Baião

          
           Atravessava um destes dias o nosso burgo, quando ao descer precisamente a Rua de Burgos me lembrei que não deveria deixar passar em claro a tão comentada exposição de Marcelino Bravo, ali à Delegação Regional de Cultura do Alentejo. Em boa hora o fiz, porque não me arrependi, antes pelo contrário.

            A primeira impressão que colhi foi precisamente aquela que as páginas deste diário tinham já anunciado, cores fortes, quentes e emotivas. A segunda impressão foi-me transmitida pelo dinamismo das curvas do seu traço, lembrando o estilo “arte nova” do início do século XX, em que o real era, e contínua a ser pelo que vi, traduzido num estilo livre mas fortemente evocativo, um traço indelével de automatismo nas formas que caracterizou a pintura dessa época.

           Como então, a arte de Marcelino Bravo exige uma particular atitude para ser olhada, pois deixa transparecer uma mestria, uma dextria própria, não incompatível com a grande disciplina das formas e imagens.

            Nelas encontramos originalidade conceptual e um forte sentido de estrutura. É também perceptível uma suave distorção da realidade, o que só acentua a força de expressão das suas emoções interiores e de onde resulta certamente o jogo quente das cores que o individualizam e libertam da realidade natural.

            A policromia, as cores vivas, fazem lembrar as paletas dos impressionistas e neo-impressionistas, e revelam um mundo muito particular de relações cromáticas, (expressionismo?), decididamente liberto de inibições quanto ao uso da cor e de convenções quanto às formas.

     Alguns traços geométricos revelam vagamente o “realismo cubista, ou preciosismo”, no entanto Marcelino Bravo não abandona as formas, às quais dá como assinalei, notável relevo pictórico, de realçar o vermelho puro, incendiado, na tela com Monsaraz ao fundo.

            São sobretudo as suaves distorções das formas e as cores que acusam na sua obra um traço expressionista, linhas e cores dissonantes, apontando para a natureza certamente hipersensível do artista, expressionismo bem patente na forma como é expressa (perdoem-me a redundância) a sua ligação e amor a Évora e ao Alentejo. As formas geométricas de composições como “Évora Património” apontam na direcção do expressionismo abstracto que Marcelino Bravo não concretiza, quanto a mim felizmente, para que se não perca a fácil identificação da sua forte raiz alentejana e eborense. Gostei, muito.
            E mal saí do nº 5, não me contive, e entrei no nº 6 da mesma rua, na “Galeria Jerónimo”, uma entre tantas lojas de artesanato, que contudo esconde mistérios insondáveis.

            É o refúgio conhecido de Jerónimo Amaral ** artista ignorado que todavia leva no rol vasto número de exposições de esculturas em ferro. Diferentes composições, mas todas elas figurativamente características e possuidoras de uma intensidade selvagem.

            Apresentando um grande contraste entre as diferentes obras, a sua criatividade tem um sentido de mistério que tanto nos inspira harmonia e paz como revolta, protesto, ou algo de grotesco. Jerónimo Amaral espanta-nos com a sua criatividade e técnica, virtuosa e radical ao mesmo tempo, e parece não conseguir esgotar as virtuosidades e possibilidades de cada tema a que deita mãos. Estranhas, desconjuntadas e distorcidas nas suas formas anatómicas, os seus temas emergem como criações “surrealistas”, em que o compromisso com a violência serve por vezes de mensagem e suporte à defesa do ambiente, mas que não quebram totalmente com o racional, ainda que procurem uma beleza chocante que porém fica tenuemente presa à racionalidade e á lógica. Mais que acusando traços das “Construções em relevo” do movimento “construtivista”, Jerónimo Amaral faz a sua própria escultura de materiais que vai reciclando, desperdícios metálicos, lixo, e criando figuras e formas de impacto impressionante, muito engenhosas e não raras vezes animalistas. Simplicidade e simbolismo são características de todas as suas esculturas em ferro, misto de uma visão de “outsider” e de “técnicas de colagem” na escultura.

            Se algumas das suas obras parecem revelar “histeria nascida em estúdio”, o artista, o homem, o outsider, é contudo uma paz de alma e fonte de simpatia. Jerónimo Amaral gostaria talvez de ser anti-social, não o consegue, trai-se a cada sorriso e involuntariamente deixa transparecer um calor humano que gera de imediato forte empatia. Essa sua faceta trai a concepção “dadaísta” que desejariam atribuir à sua obra, obra em que não existe uma recusa da procura do belo pelo insólito.  

             Muitos anos de vida para o Jerónimo Amaral. **

             Vão ver com os vossos olhos. 
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Nota minha: Não faltem à "PRESENÇAS" de Marcelino Bravo na Biblioteca Pública de Évora !!
O "home" só expõe de quinze em quinze anos !! Aproveitem !! 


* Publicado in DIÁRIO DO SUL –  “Kota de Mulher” - 01-02-2001 by Maria Luísa Baião

** O saudoso  amigo Jerónimo Amaral já não se encontra infelizmente entre nós.

Perfil de Marcelino Bravo no Facebook:  https://www.facebook.com/marcelino.bravo.56/photos?lst=100000792991962%3A100004495483657%3A1481581098&source_ref=pb_friends_tl