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Calados ! Cheira a putas ! Cheira ou não cheira ?
Na
verdade cheirava intensamente, ou seja notava-se deveras, talvez devido a
exagero na água-de-colónia com que aprecio refrescar a pele após barbear-me,
mas daí ao despautério do Hortênsio vai uma grande distância. “Cheirar a putas”
foi olor de ofensa que chegou até mim, de modo que, conhecendo-o como conheço,
nem lhe dei resposta e fingi ignorá-lo quando atirei os bons dias p’ra cima da
mesa do café, à volta da qual todos conspiramos e cascamos tanto nos assuntos
do dia quanto uns nos outros e em especial em quem não está, ou mais
precisamente em quem nem está.
O
motivo da conversa do dia surpreendeu-me, pela algazarra, mas também e sobretudo
por todos quebrarem em uníssono o hábito dos últimos tempos, calarem-se a tudo
que metesse ou cheirasse a politica, porém o IMI, e as repercussões da
aplicação do novo coeficiente de localização, a avaliação do valor dos imóveis
para efeitos de tributação, aqueceu os ânimos, ali todos eram proprietários de
habitação própria sendo alguns senhorios, daí a celeuma levantada e as
expectativas em redor da questão do IMI.
Agastado
com a piada de mau gosto do Hortênsio sentei-me e nem abri boca, quedei-me para
ali a ouvi-los; que o IMI iria baixar alardeavam uns, que o IMI subiria
alvitravam outros, puro eleitoralismo chutou um terceiro, quando mexem nalguma
coisa nunca é para descer ó parvalhões, ajuizou um quarto. Alguns municípios
nem o poderão descer mesmo que queiram, por estarem submetidos a programas de
recuperação financeira como o PAEL lembrou a Anicas, enquanto me olhava como
que pedindo a minha concordância ou confirmação, colando a coxa à minha numa
atitude tão displicente quão desinteressada ou distraída, sabendo eu não dar
ela ponto sem nó, desde que há meia dúzia de anos o Albertino a deixara viúva e
ela paulatinamente recuperava os modos, o viço e a fogosidade de quando era
muito mais nova (mau grado a prótese que lhe sabíamos na anca), com resultados
muito positivos diga-se com toda a franqueza e em abono da verdade.
Fingindo
não perceber a coisa e evitando cruzar o olhar com o Hortênsio, eu ia ouvindo
uns e outros enquanto cofiava a barba, quer dizer o queixo bem escanhoado,
gosto da barba feita à lâmina e ao abandonar a casa de banho terminara como
invariavelmente com umas palmadinhas nas faces para espalhar o Dystron no
rosto, o que me refresca a pele crestada pela Gillette e me perfuma e deixa bem
disposto, disposição que nem a despropositada piada do cheiro a putas logrou retirar-me,
há gente que nem sabe o que perde por não ficar calada, enfim, parvoíces.
- E
tu Baião ? Que achas desta dança do IMI. P’rá i tão calado, diz lá à gente o
que
-
Acho bem, nem poderia achar de outro modo, os que podem aos que precisam, isto
já nem é IMI, é mais uma taxa de solidariedade, pelo que vou comer e calar, até
porque é como tudo o resto, a tendência será sempre para subir e não descer,
solidariedade meu, sabes o que é ? Faz a tua parte e cala-te.
-
Olhem a conversa deste cabrão hoje, acordaste com o cu destapado foi ? Tas
sempre mandando postas de pescada contra tudo e todos e hoje deu-te para a
solidariedade foi ? Se fosses…
Refreei-me
evitando polémicas e nem respondi ao alarve.
-
Vejam ali na Tv. a nota de rodapé que está passando alertou com urgência o
Faustino, «o desemprego mantêm-se em 12,4%…», e enquanto se mantiver alto, e
mesmo baixo que seja, se não produzirmos mais os impostos jamais descerão, IMI
incluído, o país, os ministérios e os municípios, estão pejados de funcionários
públicos aos quais é preciso pagar, e depois de se lhes pagar não sobra um
tostão nem para mandar cantar um cego, isto meus amigos, pagar impostos, é
solidariedade como disse e bem o Baião, contando que ela dará também para o que
é sumido nos bancos falidos, na divida cega, na fuga aos impostos, na corrupção
generalizada de que ninguém tem provas, nos milhões que a incompetência queima
e a irresponsabilidade some…
-
Ora, mas ao menos consomem, mantêm a economia funcionando, não é o que se diz
agora ? Que é necessário aumentar o consumo interno ? Estes consomem, ao menos
consomem, se estivessem desempregados seria duas vezes pior, repenicou a Teresa
do alto do seu poleiro e que o facto de ter sido sindicalista lhe consentia e a
obrigava.
- Ó
minha menina, naturalmente tens razão, condescendeu o Faustino já agastado,
desempregados seria duas vezes pior, então do mal o menos, e sempre seriam mais
dramas quando eles nem são culpados da trampa em que os nossos políticos nos
atolaram a todos, mas se fossem funcionários do sector privado estariam a
produzir e igualmente a consumir, estás vendo a diferença ? É que o óbice da
coisa ou das coisas é precisamente a não produção !
-
Ora essa, então não produzem ? Voltou a Teresa à carga.
-
Claro que produzem sosseguei-a eu, pouco e mal embora a culpa não seja deles,
eu diria que o funcionalismo público funciona “abaixo da capacidade instalada”,
mas sim, produzem, ou induzem, algures a montante e a jusante sempre ajudarão a
algum consumo, e a alguma produção, mas com o investimento público e o
privado quase inexistentes que têm para fazer ? Os homens ainda se podem dar ao
luxo de coçar os ditos cujos, e elas ?
Foi
demais, fui longe demais e talvez a tenha ofendido, virou-me as costas sem
retrucar e desandou…
Mas
é a verdade, não por sua culpa mas alimentamos um funcionalismo público pesado,
quantas vezes burocrata, ineficaz, que por vezes complica em vez de aclarar, e
cujo consumo, tal como o privado, não poucas vezes é canalizado para fábricas
alemãs, francesas, italianas e japonesas de automóveis e motas, material para
fotografia e reprografia, consumíveis e uma plêiade de importações que nos
afogam, é a nossa sina, a nossa solidariedade funcionando. Contradição ? Mas se
o país vive delas, está cheio delas ! Que dizer quando na Tv. nos apresentam a
recuperação do imobiliário como se de sucesso ou de construção civil se
tratasse ? São compras e vendas, na sua maioria especulações, comprar por cinco
e vender por dez, aplicar o dinheiro que foge aos juros e que no banco não rende,
ou a ser sumido nos bancos falidos e nos que irão falir, o imobiliário é o novo colchão do
aforro luso, são aplicações ou investimentos financeiros destinados a dar
segurança ao capital.
Essas aplicações de capital não passam de subtis ou declaradas fugas à irresponsabilidade e incompetência dos nossos politicos e gestores e, qualquer dia, nem um porquinho capitalista meterá um tostão furado neste mealheiro à beira-mar plantado... Alguém acredita por exemplo que o incremento na venda de automóveis, especialmente verificado nas marcas premium seja um sinal de pujança da economia ? Contudo é assim que nos vendem estes factos…
Essas aplicações de capital não passam de subtis ou declaradas fugas à irresponsabilidade e incompetência dos nossos politicos e gestores e, qualquer dia, nem um porquinho capitalista meterá um tostão furado neste mealheiro à beira-mar plantado... Alguém acredita por exemplo que o incremento na venda de automóveis, especialmente verificado nas marcas premium seja um sinal de pujança da economia ? Contudo é assim que nos vendem estes factos…
Anda
daí Anicas, tá na hora de almoçar e estou fartote de aturar estes palermas.
Temos
que falar…