quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

9 - BAIXINHA ...




Ainda lembro esse dia de júbilo em que estalaram foguetes festivos, petardos, embora tenha sido a queda ocasional mas simultânea de estrelas cadentes que me fizeram pressentir, através do instinto, no momento em que a conheci, a iminência do destino impondo ao meu fado outros rumos, imprevisíveis, pois foi como se alguém tivesse acendido lustres no caminho que para casa piso, ou como se festejando estivesse toda a vila em que vivia.

 Tão intrigado fiquei quando ela se me revelou, que duvidei de uma linha nunca vista na palma da minha mão e, tantas vezes mesmo em sonhos ou através de uma simples imagem a contemplei, sem coragem para algo lhe pedir que, se me acabaram nesse instante os dias de apodrecida felicidade mas, foi particularmente ao ver as borboletas que acusam de provocar com um bater de asas furacões no outro lado do mundo que me senti como que invadido no meu ser, no meu intimo, tendo sido como entrar numa outra dimensão e ter ficado outro, fiquei outro.

Repetidamente e com prazer revivo esse momento único, contemplo de quando em vez o céu e acodem-me essas lembranças dela, em tantas das quais fui levado a pensar se não estaria perante uma visão de espanto, em que não mais o meu coração até aí aturdido e adormecido teve um instante de sossego, porque passei a cumprir um destino exclusivamente ditado pelo capricho da rosa-dos-ventos, diariamente dedicado à exaltação da sua glória e em que o silêncio passou a incomodar-me mais que o alvoroço em que dantes vivia.

Quantas vezes tropeço agora nas minhas palavras dantes tão ordeiras que me enleiam ou fizeram que a realidade se enredasse em mim, de tal modo que ouço gaitas trinando como celebrando esta minha alegria incessante e, não há dia sem que tempestades de flores me ensopem da cabeça aos pés, a mim que passei a ouvir as rosas abrindo silenciosamente pela manhã e a ver meninas virgens fazendo renda nas soleiras das portas quando marcho pelas mesmas ruas às quais dantes nem um minuto de atenção me prendia e agora até te lembro, formosa como sempre, num hábito de noviça do mais puro linho, tu oferecendo-te numa inimaginável cama cuidadosamente decorada para os desaforos do amor e, num gesto em que curiosamente jamais deixas de te persignar antes de para ela subir, razão pela qual deixei de suportar a nostalgia dos tempos passados, visto durante eles ter morrido em mim a razão última da minha ansiedade e hoje estar pronto a jurar e garantir que te quero tanto que morreria por ti.

Será caso para dizer andar-me o pensamento flutuando na luz cristalina da esperança e me perguntar se não será pequeno o mundo ?

É não é ? 

Ignoro se sempre assim foi, mas sei que é assim agora, assim o vejo neste instante e no meu constante fluir, tão manso quanto o pode ser um rio.

Compreenderão o facto de sentir em mim que o tempo foi todo ele transmutado se até o ar sinto menos pesado em virtude dessa mulher, baixinha sim, mas que eu decreto a mais bela do mundo e fez com que arrastasse comigo, e desde aí, um rasto de orações que de um momento para o outro me transtornaram, ao invés de me aclararem o discernimento, coisa que de todo pareço não dispensar nem precisar, tal a lucidez que me voga na alma, alma a que algo aguçou o instinto premonitório e faz com que nem deitado, abanando-me e abandonando-me debaixo das acácias durma, eu que das sestas era defensor e rei, e pasmo, pois já nem pensando entre os roseirais e os loureiros me deixa de seduzir a lembrança dessa mulher, a mais doce, carinhosa e meiga da terra que é como a vejo sempre, como uma imagem, um sonho, uma visão deslumbrante da mais bela do universo e, em simultâneo, Cupidos soltando balões coloridos como se com ela cada dia, todos os dias, fossem dias de festa. 

Então, eu que nunca fora crente nem agnóstico, penduro ao peito fiadas de escapulários e sortilégios, temendo que de um momento para o outro se vá este encantamento no qual vivo e me dá vida, e me pergunto a toda a hora se será que vivemos em mundos separados ou dimensões diferentes somente ligadas por estreito e baixíssimo portal, mas sobretudo por que razão e por que raios só agora te encontrei e por que andaste tantos anos perdida de mim ?