domingo, 14 de maio de 2017

430 - OS ALGORITMOS E AS POSSIBILIDADES...*

Não que tenha alguma influência, que não tem, nada do que possamos dizer teve, tem ou alguma vez terá a mínima influência, contudo quem numa mesa de café segura o fio aleatório que as conversas tomam qual fio de Ariadne, caindo matemática e regularmente no centro do círculo quadrado que a mesa representa, tal qual nela caem as bicas, as minis e os tremoços ou as ervilhanas ?

Dizer que a coisa este ano ou desta vez vai ser aguerrida como alvitrou o Maiorgas, não fosse ele de Alvito, é coisa que já nem pega, tanto que ninguém na mesa o levou a sério mantendo continuidade a candente questão do tetra ou a do Sobral, não esse em que estão pensando mas o genro do Guilhermino que é natural de Sobral da Adiça e foi contratado pelo Marrazes para a próxima época, tendo-se deslocado este fim-de-semana a Leiria para cheirar o ambiente e arranjar quarto.

Mas a conversa pegou e continuou, apesar de todos os candidatos apresentarem uma promissora e confusa imagem na bola de cristal em que a endiabrada da Ada, que nem é próspera nem endinheirada, antes natural da aldeia de Endiabrada no concelho de Aljezur vê ou imagina ver quando a olha, quando olha a bola à luz singela de uma candeia de azeite como havia na sua terreola. E sendo verdade o que ela afirma nem valeria a pena o trabalho e o gasto com estas eleições, esclareço que me refiro a este nosso concelho, onde quem está está, ou ficará, e quem vai vai, ou seguirá.

Mais pela Ada que pela conversa a coisa pegou, pegou mas não chegou a arder, quero dizer a aquecer, a primeira a pronunciar-se foi naturalmente ela, Ada, defendendo o seu ponto de vista, isto é defendendo o que a vista lhe alcança quando se põe, tal como há muitos anos víamos os fotógrafos à la minute na entrada do jardim público, espreitando secretos e misteriosos segredos debaixo duma mantilha preta, a fim de travarem a mínima iluminação externa capaz de lhes estragar ou alterar o resultado do banho de sulfeto de prata, assim faz a Ada debruçada sobre a bola de cristal, chegando a trazê-la para o café corroborando o que há muitos dias vem afirmando à boca cheia.

Por duas ou três vezes me calhou ser convidado a meter a cabeça debaixo do improvisado xaile da Ada e a espreitar o secreto futuro que ela apregoa, mas em boa verdade vos confesso, a única coisa que lembro é o inesquecível e frescatível perfume dela e as cores dos sutiãs que em cada um desses dias levava, quanto ao resto a bola de cristal foi sempre para mim um misterioso segredo e um mistério secretissímo. No que respeita às cores o fúxia teve sempre a minha preferência, o que há muito é do conhecimento geral.

E quanto a preferências as da Ada recaem sobre o candidato do PSD, segundo a ela o único que satisfaria os pontos de vista por si incansavelmente sublinhados, é um homem jovem, culto, bem-parecido, com postura e experiente, mas com o burburinho que se levantou mal ela falou, fiquei sem saber se a mesa estava contra ela, contra a suposta e por ela não suficientemente explicada ou justificada experiência, ou contra ele, visto ter havido quem alvitrasse, sim esse mesmo, o tipo de Alvito, o Maiorgas, ao alegar que pela primeira vez em mais de vinte anos esse partido apresentava um candidato a sério e não um qualquer para inglês ver, como era habitual e ao que a cidade já se tinha habituado, isto é ao que a cidade se terá habituado tanto que nunca levou esses candidatos a sério, facto que iria custar muitos votos a este, mesmo que os merecesse, contudo estava capaz de apostar em como este novel candidato obteria o melhor score das últimas décadas. Porém será mais um daqueles casos em que pagará o justo pelo pecador adiantou.

Ele não queria e bem o escondia mas toda a gente sabia, o Maiorgas era xuxa e envergonhava-se disso, daí que escondesse as suas preferências mas a malta é manhosa e conhecendo-o há bué de anos, nunca esqueceu nem lhe perdoou os dias e os fins-de-semana em que se manteve hirto e firme ao portão do Estabelecimento Prisional de Évora, facto com que de vez em quando alguns o confrontam e pelo qual ainda é gozado. Não era o caso agora em que ele perdeu a vergonha e veio em defesa da sua dama, mas a dama dele não passa de ilustre desconhecida para o resto do pessoal em volta desta mesa e decidido a afiar as facas, preferindo centrar as atenções no passado recente do partido de que a ilustre dama é candidata.

Não faltou quem de imediato deitasse achas para a fogueira, mas de modo generalizado e concordante a opinião maioritária era a de que o Zé do Cano só tinha feito trampa e esta desgraçada agora é que iria pagar as favas. Só fez caquinha e não foi pouca avançou a Ermengarda, doze anos imaginem, o que esse partido ganhou com isso é que agora durante os próximos vinte e quatro não vai ter lugar no poleiro, pelo menos enquanto as pessoas se lembrarem da muita conversa fiada e do muito mais que ficou por fazer ou foi mal feito, os compadrios e a promiscuidade entre amigos e cargos, ou as urbanizações que ninguém entende. Ela está desempenhando o papel de idiota útil aventou o Sobral sem gaguejar, calhando já os partidos decidiram p’ra quem ficará Évora e ela não passa dum verbo de encher p’ra apaludir as iludências ou iludir as aparências, seja como for ela agora é que vai pagar as favas da merda que o outro fez, lixou as espectativas de alternativa a toda a gente e agora não se admire se o Zé Povinho lhe fechar as possibilidades de alternância...

Alto aí e pára o baile, ponto de ordem à mesa disse eu impondo-me, nem a senhora é uma idiota útil nem é parvinha como parecem estar a fazê-la, ainda há dias confrontei o meu amigo Romão precisamente com essa questão e a resposta dele foi pronta, ela não é parvinha nenhuma nem está fazendo um frete a ninguém nem sacrifício nenhum, ela é esperta e sabe ao que vai, agora aguenta, e depois espera a vez dela, a presidência da CCDRA, ou da D.R. Educação do Alentejo, ou da Direcção Regional da Cultura, ou do IEFP, aposto que aceitará quaisquer nomeações, não há almoços grátis, ela é esperta não é tolinha nenhuma rematou ele, e tendo dito isto calou-se, como se já tivesse falado demais.

Enquanto emborcámos mais um uísque e lhe disse para não contar comigo nesse tal almoço da efeméride de fim de curso cujo convite me trouxera dado o meu estado de saúde. Deixei cair na conversa isto é Portugal, ninguém leva a mal, não havemos nós de estar como estamos, ter chegado onde chegámos… De qualquer modo essa candidata vai ser lançada às feras, é um sacrifício que irá custar à bondosa senhora o score mais baixo do seu partido nos últimos anos, vai uma apostinha ?   

- E tu Januário, em quem apostarias rapaz ?
- Eu ? No vencedor pá !! Só aposto quando vejo dinheiro em caixa !!
- E já agora quanto a ti quem vai ganhar dizes-me ?

– Claro que digo, o Pinto de Sá, afinal é o único que está limpinho, puro, livre de todas as culpas, o único que podia fazer alguma coisa e não pode porque o preto e o Zé do Cano só lhe deixaram uma montanha de dívidas, não é de cá, nunca cá esteve, não tem culpas no cartório, se for inteligente e não abrir a boca, não disser nada e não fizer nada ganhará com maioria absoluta e averbará a maior vitória da sua vida e que ficará para a história.

Falas a sério ? Deixa-te de brincadeiras pá.

Nunca falei tão a sério, é dos livros que em caso de dúvidas ou incertezas o que a sociologia política nos ensina é o jogo eleitoral beneficiar quem detém o poder pois leva vantagem, é mais fácil conservar o poder que conquistá-lo, Pinto de Sá não precisa convencer quem já está convencido, basta-lhe não hostilizar ninguém para que não perca votos, com uma postura dessas antes ganhará mais alguns.

- E Évora ?

- Évora ? 
- Que tem Évora a ver com tudo isto ? Évora nem é para aqui chamada pá... 

              - Que interessa Évora ?


* Nota importante, todos os nomes deste texto são inventados não correspondendo a nenhuma realidade, circuntância ou pessoa. 

Pintura de Sónia Barreto (pormenor) Évora 2017