quinta-feira, 13 de julho de 2023

791 - PASSADOS PASSADIÇOS PASSADEIRAS ...

 

 

 Quarta-feira 12 de Julho, quando nos sentámos à mesa d’O CHANA na Aldeia da Serra, estávamos mais desidratados que estourados. Não, não tinham sido os 1732 degraus dos passadiços da Serra d’Ossa que tinham atirado connosco para o estaleiro, foi antes a esturrina maldita que caiu sobre nós quer na subida quer na descida do abençoado calvário.

  

A paisagem é sublime, o ar que respiramos idem, carregado duma inaudita sensação de frescura e d’um vero cheiro a pinho. Ao almoço concluímos ser um trilho lindo para uma caminhada feita na Primavera ou no início do Outono, mas eu fora operado há menos de 2 semanas e forçosamente queria colocar as minhas forças e energias à prova, e provaram.

 

 Provaram elas e provámos nós a boa cozinha serrana d’O CHANA, 18 em 20, perdeu pontos para a melancia que estava meio choca e nã tinha doce, e para a conta, mais apropriada para a baía de Cascais. De resto as uvas, da zona, eram belíssimas, e emparceiraram com a simpatia extrema com que fomos atendidos fazendo jus ao restaurante, bem decorado, super asseado, e fresco !! Imaginem só com que prazer ali assentámos arraiais e a pena com que dali saímos...

  

Mas chega de lamechices e de publicidade à borliú ao CHANA, aquele dia fora dedicado aos passadiços e às nossas forças e foi nisso que nos concentrámos. O site está bem elaborado e é não somente explicito como culturalmente informativo, deu gosto apercebermo-nos da história daqueles cabeços, dos monges, eremitas, anacoretas e outros homens das cavernas que por ali andaram e construíram hortas, noras, açudes, moinhos, levadas e uns banquinhos que para lá estavam e que deram um jeitão na hora de puxar das garrafas d’água e dar um pouco de descanso e paz ao corpo e ao espírito.

  Em plena serra, no meio de nenhures, noutros tempos eu teria ouvido

  - Berto, atenção à esquerda que eu fico de olho na direita

 enquanto embevecida ante o ambiente sagrado do lugar ajoelharia em penitência e com devoção, eu renovaria aquele tipo de fé que move montanhas, juraria pela enésima vez quanto a amava e desenharia no seus cabelos o sinal da cruz que sagraria a minha bênção no justo momento em que abraçados nos elevássemos aos céus e nenhuma objecção permitisse duvidar encontrarmo-nos no paraíso.  

  

Exercício, ar puro, a vingança p’lo esforço e calor levada à prática à mesa do CHANA, não posso negar ser preferível às meias horas diárias passadas em cima da bucólica e nada emocionante passadeira onde em casa faço a maior parte das minhas caminhadas. A vida não pode resumir-se ao fazer a tempo e horas os trabalhos de casa, como quando na escola andávamos, ou os chatos mas inadiáveis afazeres domésticos que tanto e tão precioso tempo nos consomem.

  

A vida é sonhar, amar, as obrigações não são devoções, uma obrigação é uma penitência, a devoção é uma entrega, uma dádiva, que nunca as confundamos por que um dia, um dia mais tarde, um dia que nunca saberemos quando chegará, não haverá ninguém para apurar o saldo, caber-nos-á a nós colher o sabor amargo ou adocicado dessas contas, independentemente de, ao longo da vida, termos ou não desfrutado do sabor dela, vida, termos ou não experimentado o bel-prazer do gosto que só o pecado encerra, ou de, como dizem nuestros hermanos, podermos olhar para trás e dar gracias a la vida

  

Por uma razão ou por outra voltarei lá, aos passadiços da Serra D’Ossa, aos banquinhos onde nos dessedentámos e nos dessedentaremos, voltarei a subir e descer os 1732 degraus do passadiço com o mesmo empenho, voltarei a provar a mim mesmo que estou capaz, voltarei a sonhar, voltarei a sentar-me à mesa do CHANA, porque a mim, todas as desculpas e todas as razões me sobrarão para lá voltar, e voltar a sentar-me naqueles banquinhos mágicos que me darão novamente descanso às pernas e asas à imaginação...

  

Carpe diem.

  

https://www.youtube.com/watch?v=DFZxBvUMlG0


 











terça-feira, 4 de julho de 2023

790 - PUDESSE EU PENDURAR UM NO PEITILHO

 



PUDESSE EU PENDURAR UM NO PEITILHO ...


Apetecia-me um queijinho,

de leite e iogurte ouvi-a dizer.

 

E a mim um brochezinho,

havia-os na feira,

lindos,

em arame fino fininho,

cavalinhos, golfinhos,

elefantes, macaquinhos.

 

Pudesse pendurar um no peitilho,

alfinetá-lo no quico ou no boné,

fazer dele um porta-chaves,

era de delirar só de neles pensar.

 

Eram giros os broches lá isso eram,

feitos c’um alicate pequenino,

e mão destra, manápula,

torcendo e retorcendo o fio,

filigrana de arame e sedução.

 

Também podia tratar-se duma imitação,

de esmeralda, feita à mão,

ou ostra, de preferência com pérola,

perlada, trincada entre os dentes.

 

Ela numa cama baixa, de avental,

no ar brochezinhos lindos,

esvoaçando,

em arame fino fininho,

cavalinhos, golfinhos,

elefantes, macaquinhos,

gatinhos e unicórnios.

 

Tudo pulando e saltando no seu colo,

entre rolos de araminho e

um alicate pequeno, pequenino,

as ideias esvoaçando,

a inspiração brotando,

e nas mãos delas cada broche arte,

handcraft, fait à la main, handgefertigt,

maravilha.

 

Eu olhando-a e sonhando,

perdido nos meus pensamentos,

handcraft, fait à la main, handgefertigt,

ela molhando os lábios,

torcendo a boca, babando-se,

mordendo a língua,

comprimindo o alicate,

manipulando-o, manuseando-o,

e repentinamente um clik !

 

Ponto final,

o araminho cortado,

o broche acabado,

ela desdobrando as pernas,

exausta,

esticando-se na cama baixa,

estirando-se,

admirando a sua obra,

a sua criação,

desta vez um lindo pavão.

 

Por isso eu vira cores,

sentimentos,

sensações,

nuvens,

trovões,

o arco-íris,

e no final um relâmpago.

 

Íris, Osíris,

a terra e o céu um só,

a vida irrompendo

sob a forma d’um pavão,

das suas mãos, da sua arte,

destarte, dessarte,

não é para todas…