quarta-feira, 2 de setembro de 2020

656 - PÁSSAROS, PASSARINHAS, PASSAROLAS ...



PÁSSAROS, PASSARINHAS, PASSAROLAS ...


Dia ou noite, noite ou dia,
nebulosa e constante essa imagem espectral,
estava presente como um  murmúrio,
avançando insidiosa
na escuridão do tugúrio onde me encerro,
aquecendo o óleo numa frigideira ferrugenta,
sombra, caverna, refúgio,
eu fechado sobre mim,
bicho de contas enrolado,
agachado, dormente, doído,
perdido e não achado,
fugido,
como bandido ameaçado procurado e não encontrado,
por não querer, por me esconder,
entre ninguém, entre escombros,
depenando passarinhos e magicando,
que fazer agora, enlouquecido,
o mundo não eu.


Crepita óleo na frigideira,
e eu recordo cada passarinho
ou passarinha depenada,
respeitemos os géneros,
mais a mais como saber,
como saber o que tenho entre mãos,
galo e galinha ainda distingo,
mas passarinhos e passarinhas,
é exigir demasiado de mim que,
apenas lembro tê -las entre mãos,
ou tê-los.


Não, tê-los não,
porque alguém mais afoito dirá que confundo os géneros,
que confundirei  géneros, alhos e bugalhos,
e não, nunca confundi,
não tive dúvidas,
lembro-me bem onde mexi,
no que mexi.


E não,
não são iguais,
não há duas iguais,
parecidas sim,
algumas irreais,
pela beleza,
ou pelos aventais,
ou capotes.


Bem lembro os Potes,
ou antes as Potes,
as filhas, as primas,
que guardavam em gaiolas passarinhos,
ou passarinhas,
voltamos ao mesmo,
como sabê-lo,
lembro-as bem, verão, praia, Cabedelo,
as passarinhas aos saltos,
fugidias,
esvoaçando p'la cozinha e pela galeria,
e não, dessas ou desses nunca acabaram na frigideira,
não havia ferrugem ainda,
era tudo novo nessa época,
nós, o trem de cozinha,
as passarinhas
e os passarinhos.


Bem lembro os primos, os Potes, Potezinhos,
a Maria chamava-lhes chávenas,
chávenas, não potes,
nem passarinhas,
era engraçada a Mariazinha,
uma querida, uma paixão de amiga,
sempre divertida,
sempre aos saltinhos de contente,
não de fingida,
sempre de taça na mão,
ou seria uma chávena ?


Era chávena transbordando de alegria,
e de satisfação,
até que um dia,
esvoaçou, fugiu a passarinha,
só tinha uma coitadinha,
numa gaiola doirada, uma cotovia,
Deus queira Não Matem a Cotovia,
devolvam-na à Maria,
se a acharem claro,
a passarinha, a cotovia.


E fico-me por aqui,
pelas perdizes, pelas codornizes,
passarinhas maiores,
passarinhas a sério,
fritas em óleo e crepitantes,
em frigideira ferrugenta,
antiga,
preta e delirante se aquecida,
preta ou branca que diferença faz,
agora faz,
agora revestidas de Teflon,
essa película antiaderente, mágica,
e eu magicando,
magicando e desesperando,
passarinhos ou passarinhas,
o mundo endoidando,
mascarado,
eu próprio de máscara,
o que me valeu dos salpicos do óleo,
ela me protegeu, a máscara,
um milagre,
mas tive que a tirar na hora de comer,
que outra coisa poderia fazer,
como haveria eu de comer as passarinhas,

os passarinhos.


Faltavam-me cá estes,
os passarões,
há sempre uns cabrões a estragar a festa,
ou a fresta,
espreitando pela fresta,
não comem  nem deixam comer,

Não esquecer de apagar o fogão,
não esquecer.


by Humberto Baião em 02 de Setembro de 2020