UMA BICA CURTA, O CAFÉ FORTE *
nunca a tristeza à porta
mas hoje estou triste 
hoje preciso de ti 
não suporto este silêncio 
ameaçador 
nunca pressentira tal 
sinto falta da calma habitual
calma que me habita a alma
sempre
hoje preciso de ti 
de uma bica curta 
o café forte
que renove o movimento 
deste relógio parado no tempo 
p’ra que o tempo se repita 
e reencontre o rio manso do destino 
hoje preciso de ti 
entre mim e a chuva esta janela 
medito
na memória a espuma d’ondas 
dias plenos de festa
todos dias de festa
em mim frémitos,
ainda preciso de ti
rebusco recordações coloridas 
um jantar, uma vela, o brilho da lua 
a tua voz quente 
sempre
eu sei meu amor, eu sei
conheço as horas felizes passadas contigo 
afastando sombras do meu coração 
saudade de palavras que nunca faltaram
hábitos de ternura
hoje carência
hoje preciso de ti
da tua presença 
a tua companhia basta 
afasta tristezas 
como foi 
sempre 
ano após ano 
não esqueço 
por ti entendi o mundo 
conheci o amor verdadeiro 
uma vida feliz 
dias suaves 
as carícias da noite
 
hoje preciso de ti 
que me passeies terna 
lentamente 
e recordes as promessas cumpridas
uma bica curta
um café forte
o brilho das estrelas 
a tua voz quente
sempre 
meu amor eu sei 
mostraste-me o céu 
deste-me a lua 
chamaste mulher 
aprendi o voo das aves
hoje preciso de ti 
aprendi a vida amor 
tornaste-te luz 
ergueste-te como um sol 
como raio solarengo e luminoso 
descansaste no meu colo e 
na memória 
ficou-me o teu rosto 
o teu gesto 
o prazer de te tocar
fazes-me sorrir 
não recordo dias negros 
sim e sempre o desejo
uma bica curta 
o café forte 
trazendo o sabor do passado
coisas bonitas 
recordações de ti 
mistérios que o fogo encerra
os corpos como marés 
fazendo tinir lantejoulas e conchas 
um café forte 
a bica curta 
ensinaste-me a quebrar regras 
inculcaste-me de racionalismo ébrio 
uma bica curta 
o café quente 
e para ti estas palavras
para que sorrias também
 
tu, eu, nós
sempre 
transgredindo e rindo 
rindo e transgredindo 
assim, sempre, sim 
e sempre o desejo
ardentemente
sempre 
chamaste-me um dia mulher 
e eu acordei
uma bica curta
o café quente 
o 
coração batendo como outrora 
oh meu deus 
que encantamento 
tornares-me a vida assim !
vem meu amor 
aquieta-me, 
aquieta-te, junto de mim !  
· Poema escrito por Maria Luísa Baião a partir de um texto em prosa,
Évora em 28/11/2011. Publicado no diário do sul, coluna Kota de Mulher, 2003

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