sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

174 - O HOMEM DO PINGALIM ..........


Farda e galões faziam dele um homem, fácies de durão, erecto, calado, pingalim sempre na mão batendo contra a perna (e quem sabe se não terá sido esse o motivo primevo da queda da Magui por ele ?), olhava todos de cima arrastando atrás de si os olhares da mulheraça. Ora foi por essa altura que ela o terá conhecido.

Não sejas otário Honório, certamente não será por os negócios se terem feito e te correram bem independentemente das forças politicas que ocuparam a urbe que avaliamos o sucesso ou insucesso da cidade. Ademais, se assim fosse, como explicas os desastres que tens sofrido nos últimos anos ?

Depois calou-se, estranhamente calou-se, embatucou, de olhos fixos nalguma coisa e eu, que me sentava de costas para a entrada, ia rodar ligeiramente a cabeça afim de enxergar o que tão repentinamente o calara quando ele, socando-me violentamente o braço

- Não olhes porra ! Não olhes agora pá, depois perceberás.

Hesitaram na entrada mas lá se sentaram, passaram por nós e escolheram uma mesa recatada ao fundo do café. Era a Magui, há que anos a não via. Desde o colapso da sua saúde para ser mais preciso.

Agora entendi o Honório, fora nessa época que andara com ela, a perder tempo dizia ele, feito oportunista havia confessado ela, que estas coisas de alcova sempre se vêem a saber.

Na verdade a Magui há uns vinte anos sofrera uma depressão acentuada que a impedira de trabalhar por bem mais de uma década.

Jovem, espampanante, e ingénua, apressadamente trocara o bate chapas com quem casara num rebate apaixonado e cego para mais repentinamente ainda se ver requestada por doutores e engenheiros no laboratório onde, como técnica, sonhava as horas passando.

O ex-marido refugiara-se do vergonhoso revés escudando-se na bebida e entregando-se ao sindicalismo operário militante e solidário, a Magui por seu lado, a quem o términos da relação guindara a uma liberdade nunca imaginada, nela mergulhara de cabeça e alardeando a recente disponibilidade, que amiúde confundia com valorização pessoal.

               Apressadamente deitara para a sucata o bate chapas, transformado em chapa batida chapa lambida e mais depressa ainda saltou ela de proveta em proveta e de cadinho em cadinho, para depois de experimentada e sacudida por todos os engenheiros e doutores do laboratório, saltar de régua em régua, esquadro e compasso por toda a cidade, cidade a quem em boa verdade os antigos colegas fizeram saber o seu peso especifico e estar-se perante carne de primeira, atirando-a para uma depressão extrema uma vez intuída por ela a vera relatividade das coisas.

Fora durante grande parte dessa década perdida em que a baixa médica a afastara do amoroso convívio dos colegas de laboratório público onde trabalhava que o Honório, que nada tem de otário, amesendou no regaço da Magui de tal modo que só as meias esta se recusara a lavar-lhe, construindo entre os dois o único pomo de discórdia que a malta lhes conheceu, a ponto de, por natais ou aniversários, nos voluntariarmos e colectarmos para

- Honório, aceita esta caixinha surpresa, é o brinde da malta que jamais vos esquecerá pá, e festa da boa…

E, no meio da galhofa geral ficávamos aguardando ele abrisse a caixa e admirasse a prenda, reiteradamente uma dúzia de peúgas de homem e dois ou três pares de calcinhas de senhora do mais fino corte e bastas vezes com rendinhas e pompons.

Era risada geral pois sabíamos como o otário, que de Honório não tinha nada, era doido por cuequinhas vistosas e minimais.  

Mau grado os nossos esforços a coisa não acabou bem e quando a Magui exigiu dele mais estabilidade na relação, o Honório, otário de alcunha, raposa velha e trilhada, meteu-se a milhas deixando-lhe a depressão escorrendo entre dedos.

Ora todos sabemos como desde 2011 a coisa pública se deteriorou e, no laboratório recusaram aceitar a baixa médica da Magui exigindo-lhe uma junta médica.

Mau mau terá pensado ela, mau Maria terá dito para com os seus botões, primeiro foram os doutores e engenheiros a trama-la e a recusa-la, mas agora todo um povo se levantava em clamor contra ela e a sua desdita.

Havia que pensar e repensar outras tácticas e estratégias e essas, acabaram de entrar pelo café adentro pela mão do tenente coronel Albino, garboso e ególatra oficial de cavalaria, agora reformado, que eu já vira preso pelo beicinho da Magui duas ou três vezes nos últimos três ou dois anos, noutros cafés, mais centrais e mais bem frequentados.

Farda e galões faziam dele um homem, fácies de durão, erecto, calado, pingalim sempre na mão batendo contra a perna, olhava todos de cima arrastando atrás de si os olhares da mulheraça, mas… que a malta soubesse o nosso tenente coronel nunca tinha sido casado nem se lhe conhecia trato concerto ou experiencia com mulheres, sorte a nossa o país jamais ter precisado dos seus brios militares porque teria sido um desastre, comentava-se no nosso friends inner circle acerca do pavão de pingalim cuja vida passou a ser escrutinada desde que pela 1ª vez foi visto com a mulheraça que a Magui ainda era, e que não lhe cobiçaria os dotes de mancebo que ele já nem tinha, e provavelmente nunca tivera, mas a quem a choruda reforma com que a nação o prendara soava aos ouvidos dela como “segurança Magui segurança” e, para essa estratégia trazê-lo a este café era uma boa táctica, das melhores…

Sem galões e sem dourados, desprovido do pingalim, reformado, o garboso guerreiro, pança proeminente, os dentes enegrecidos do tabaco quando não em falta ou cariados, a barba por escanhoar, nem branca nem preta, o cabelo ralo acusando entradas, os olhos avermelhados, a postura curva, nem parecia o mesmo marcial soldado que nos habituáramos a ver conduzido por uma ordenança que a todo o lado o transportava.

Perdia fulgor, decerto não seria já intento digno de ser mostrado, em especial às amigas...

Ao senhor Dr. Juiz Leal De Mascarenhas, o tal que por tudo e por nada perorava que desde que as partes o quisessem até em cima de uma agenda… toda a gente sabia não ser capaz de dar a volta, mas ao bravo batalhador que se reformara como tenente coronel nada nem ninguém a impediria de conquistar, mais a mais nem lhe eram conhecidos os tiques sadomasoquistas com que toda a gente verberava o senhor juiz, a quem, segundo opiniões correntes, só os colegas salvavam reiteradamente de uma condenação vergonhosa.

Foi pois em passinho tremido e hesitante que aquele já nada combativo ser se aproximou da cadeira e, a medo, nela se sentou. Ela, ternamente, ajeitou-lhe a gola do blusão (não lhe limpou a baba como Hermes maldosamente afirmou) sentou-se em frente dele, pegou-lhe meigamente na mão, que tremia, e sorriu-lhe.

Estava no papo.

Nós, por uma vez na vida resolvemos ser corteses, levantámo-nos calmamente e, um a um, abandonámos o café sem nada dizer. 


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