segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

109 - VARANDIL ... JANELA DE MONSARAZ ...


Subi um dia há muito tempo já ao varandil, agora com acesso vedado mor dos perigos de abatimento do piso e que me pareceu não comportar mais que meia centena de pessoas, contudo há cinquenta anos eu furava pelo meio de umas boas centenas delas, todas dançando e foliando nesse dito varandil, como ainda hoje é chamado o espaço que cobre a agigantada cisterna de Monsaraz e que agora me parece tão pequena, a cisterna e esse espaço, não essa terra, terra onde nasci e vivi estórias de encantar. 

Meditando, me acudiram à memória os meus tempos de adolescência, em que, nesse terraço, mas num outro mundo diria, tive a minha iniciação. Ali passei então muitas das minhas férias estivais quando rapaz, ali deixei agarradas ao xisto rude das pedras, paixões e recordações vividas em dias de festa, ou não, a que se juntam as memórias de umas gasosas e outros tantos pirolitos.

Nas noites limpas e frescas todo mundo buscava o varandil, dele se avistavam, e avistam, terras de Espanha e Portugal. Badajoz e Elvas contam-se entre as mais importantes de todas as que a nossa vista dali consegue alcançar, agora com a moldura enriquecida pelo espelho das águas reflectidas do grande lago de Alqueva.

Pensando nisto senti o tempo recuar, até aos meus doze, treze ou catorze anos. Entre outras, grata me é a recordação de uma boneca loura, de tranças até à cintura, e por mor de quem eu aprenderia toda a catequese. Por mor dela ganhei também, a paciência e o coração que tenho hoje, grande, enorme, capaz de albergar toda a gente. Tudo porque me abriu os olhos para a amizade, o amor, a dádiva, a entrega, a solidariedade, a comunhão, coisas em que me iniciou, ela, que a menarca tornara mulher de um dia para o outro, a mim, adolescente imberbe e tímido, devedor eterno da sua sabedoria. 

Com ela tudo aprendi, a suavidade no trato e nos gestos, o comedimento nas palavras, a diplomacia dos contactos, o cavalheirismo, a etiqueta para com o sexo oposto, pois que, como me dizia, os géneros eram três, a saber; masculino, feminino, e as mulheres, pelo que havia que ter sempre em conta que essa coisa que ainda hoje dá pelo nome de gramática, era manifestamente insuficiente para regular as relações entre estas espécies.

Hoje tudo isto parece inconcebível, hoje, que tantos advogam o contrário daquilo em que formei carácter e personalidade, feministas fazem por ser tão rudes quanto os homens, e estes, maioritariamente se entretêm cultivando um marialvismo mais ibérico que latino, e um machismo que os poderá levar a Hollywood mas dificilmente ajudará a conquistar um coração tão especial e sensível como o que qualquer mulher guarda que nem tesouro, isto quando os modernos machos não se arrogam de um feminismo libertário e libertino que tenho muitissíma dificuldade em aceitar.

Certa gente não entende pois que, passados tantos anos, muitos, eu mantenha tão arreigados hábitos, ainda que aparentemente fora de moda, e, num tempo em que para mim já nada contam esses pormenores, rodeado que me encontro de problemas mais prementes, questões mais candentes e assuntos mais importantes a que dedicar atenção e energias, correndo embora o risco de um epíteto desqualificativo por antiquado, cá vá rodando as rodas da minha nora e fazendo com que os alcatruzes não assomem vazios, mas, pelo contrário, sempre cheios de amizade, alegria, jovialidade, esperança, graça, deleite, gáudio, e um espírito sempre em festa, que eu procuro continuar disseminando por onde passo.

Contudo e mau grado de quando em vez esqueço estes ensinamentos sábios e erro, como qualquer mortal, pelo que desculpa peço já a quem tenha melindrado. Não sou pretensioso, mas a segurança em excesso e o facto de ser extrovertido, em muitas ocasiões contribuem para que me julguem mal. Entre um pirolito e outro, coisa que muita gente nunca viu nem saberá o que é, ou foi, lembro ainda essa amiga que nem meia dúzia de anos namorisquei, a quem tanto devo e nunca mais vi.

O Processo Revolucionário Em Curso, o celebérrimo PREC, fez com que nos tivessem esquecido mas também nos separou e, advogados poderosos, já depois de toda a sua família resguardada no Brasil, recuperaram as herdades perdidas que rapidamente venderam aos espanhóis, tendo sido a primeira transacção do género, hoje tão contestado, de que tive conhecimento. 

Mas enquanto nos esqueciam, preocupados com greves, manifestações e ocupações de terras, nós crescíamos a olhos vistos, curiosidade e vontade sempre espicaçando a nossa sede de descoberta, de tal forma que nas suas mãos me fiz homem e dela fiz mulher a sério, coisa que muito nos honrou e a ela devo, numa dívida de gratidão inesquecível e imperecível.

Quantas vezes, com quanta saudade a recordo só eu sei, já nem lembro bem a sua fácies, quarenta e tal anos se passaram, mas a beleza que irradiava, a doçura que exalava, tocaram-me de forma tão profunda que, em cada mulher a revejo, em cada mulher a considero, em cada mulher a venero e lhe agradeço o tanto que lhe fiquei devendo. Com ou sem razão, a ela devo tanta da felicidade de que hoje desfruto, mau grado a avalanche de problemas com que, como qualquer de vós me deparo, uma coisa não faço, pré ocupar-me ou seja acumular, arranjar ou tornar problema qualquer coisa que racional e rapidamente possa ser resolvida.

Razão tinha uma ciganita que há muitos anos me leu a sina;

- Deixa lá, o que interessa está para vir, não te aconteceu ainda, não te preocupes pois com o que foi, não tem qualquer importância, repara nesta linha da tua mão, vida e amor a perder de vista ! Sortudo ! Passa para cá não uma mas duas moedas !

               E vai contente ! O futuro é contigo !

- Será que ela tinha razão, será que já esqueci essa cigana  e ando por vezes perdendo tempo com problemas que o não são ?