terça-feira, 26 de novembro de 2013

172 - AINDA UMA MULHER BONITA

 

 É ainda uma mulher bonita. Diria apesar dos anos que parecem nem ter passado por ela, mesmo muito, para ser justo na minha apreciação pois gosto de ser bem entendido se me percebem.

Quando rapaz via-a passar ao princípio das manhãs e no fim das tardes, certamente moraria perto do escritório de uma empresa nacional onde eu, noviço, contava notas juntando-as em atados que prendia com elásticos coloridos, verde para as de vinte, amarelo para as de cinquenta, azul para cem, vermelho para quinhentos e a púrpura reservada às de mil e raramente utilizada.

Eram tempos em que não havia maquinetas conta notas, cobiça sim, aos molhos, e na verdade tentava-me a cada hora e de tal modo que ainda hoje, passados tantos anos me arrependo cada vez mais de não me ter abotoado com um saco cheio deles numa sexta feira, único dia em que me pediam contas do labor de toda a semana.

Era vizinha e pensei até ser dela um pequeno BMW  700 verde limão ali parado dias a fio, se não acima abaixo da entrada ou uns metros mais à frente sem que alguma vez tivesse lobrigado proprietário ou condutora para ser mais preciso. Na cidade, medieval e pequena, nada distava mais de uma salutar marcha de dez ou quinze minutos a pé, já lugar para estacionar era um enigma idêntico ao de hoje.

Seria portanto normal que, enquanto contava as notas, divagasse com ela no pequeno BMW pelos Alpes e cordilheiras da Europa, talvez daí a minha propensão para o romantismo e a pancada de sonhador. Nunca lhe soube sequer o nome, era querida umas vezes, amor outras, minha princesinha ou queridinha, e nesse entretanto o BMW, por artes mágicas ficava descapotável permitindo que os meus sonhos rolassem connosco de cabelos ao vento pela Riviera francesa.

Àquele pequeno BMW 700 seguiu-se um 1502, depois um 1602, e quando o laranja forte de um 2002 alegrou o largo já as Tv's anunciavam o novel e moderníssimo série 3, dia em que eu dei de frosques e fui fazer de crescido para as forças especiais como me exigira a minha condição de mancebo e de vaidoso.

Vi-a amadurecer, de agradável jovem passou a mulher madura firme e segura, no mesmo intervalo de tempo em que, na Alemanha, o velhinho BMW modelo 700, o tal de de cor verde limão, evoluia e se guindava a um dos melhores automóveis do mundo, dos mais cobiçados e preferidos pela técnica evoluída, qualidade de construção, beleza e fiabilidade.

Eu, que já amava as mulheres e as motas, assistia e sofria com a morte, impávido, da fábrica dos “Sado”, uns pequeninos mata-velhos que com o passar dos séculos poderiam via a fazer a nossa glória, e da “Famel” e de mais umas quantas fabriquetas, como a “Casal”, que detinha o record do mundo de velocidade na cilindrada da sua classe, metalúrgica que encerrou as suas fábricas para se dedicar à importação, distribuição e venda de motociclos chineses ou japoneses …

Os continentes rodopiavam sobre as convenções do comércio mundial, a minha vizinha ia-se transfigurando, estava cada dia mais linda que nunca e no mundo a “Triumph” era destronada pela “Wonderbra”, que irrompera causando furor entre as mulheres de todas as idades. Enquanto crescia e me fazia homem olhava a transmutação dessa vizinha com a mesma placidez atenção e cuidado que Kafka terá colocado na mente enquanto escrevia a historieta da barata em que supostamente se metamorfoseou.

À minha volta o país saltava de crise em crise e as atenções com as jogatanas, quezílias e golpadas políticas ocupavam os nossos decisores, de tal modo que por via disso vamos ter que fazer em cima do joelho reformas que já deviam estar feitas há vinte ou trinta anos. Eu apercebia-me vagamente que os problemas das mulheres, da beleza e do mundo eram outros, mas nunca me foi dado motivo para não pensar que essa percepção fosse só minha devendo portanto estar enganado e a laborar em erro havia anos.

Que a minha vizinha, com a carteira cada vez mais recheada de cartões “gold” e ainda bela ou quase tão bela como antanho surgisse a meus olhos com um busto soberbo daqueles que só a Wonderbra publicitava, mau grado o passar dos anos a concorrência dos “Super Push Up” da “Intimissimi” ou dos modelos da “Tezeni” e da BMW, competindo em todo o mundo pela supremacia nos lugares cimeiros que só o trabalho a conjugação de esforços a inovação a cooperação e o empreendedorismo permitem alcançar, espantou-me.

Anos mais tarde deixei de a ver, após a nossa triunfal entrada na Europa a empresa não aguentou o embate e quinhentos de nós foram para o olho da rua sem qualquer contemplação, um lustre volvido e quando o produto que restava dessa empresa falida mudou o nome para um lindo e sonoro “Star Start” era tarde e a rede de vendas e distribuição tinham implodido.

Em meu redor tudo ou quase parecia evoluir, só em Portugal, pelo que me era dado a ver na Tv dirrimimos questões pertinentíssimas, e variando entre um segundo resgate e um programa cautelar abjurámos a Irlanda esquecida que está a fome na Marinha Grande e o fecho das fábricas de plásticos de Leiria, deslumbrados com a CEE que mais parece uma loja “gourmet” onde tudo se compra feito, nós grunhos, que nada de jeito produzimos e nem baldes ou alguidares de plástico lá conseguimos introduzir, babados e entretidos que andamos de volta dos queijos e dos vinhos de França como se nem disso tivéssemos a preceito.

 Somos lestos a sacrificar os nossos belmiros e soares dos santos, e na generalidade uns aos outros, ou porque não são do nosso clube ou do nosso partido, esquecemo-nos ser todos portugueses e navegar no mesmo barco, o que nos sobra em prepotência falta-nos em coerência, de punho fechado e erguido renegamos os nossos para engordar os de fora, de chineses a angolanos. 

 Contudo estou convencido de que não devo ter sido o único matarruano que andou a dormir sonhando com dinheiro fácil boas mulheres e melhores passeios em carros do último modelo adquiridos com juros de agiota e crédito farto.

Afinal vociferamos contra o capital e o investimento mas damos o cu e oito tostões por mais como a AutoEuropa, manifestamo-nos contra o imperialismo mas corremos de mão dada com toda a família para o McDonald’s a empanturrarmo-nos de hambúrgueres pepsis e coca-colas, abjuramos a Merkel mas aceitamos pagar anos de vencimentos e em 72 meses ou prestações o mais moderno Mercedes Audy ou BMW fabricado numas meras 120 horas… não passamos de grunhos e matarruanos. O resto é combersa…

 Todavia ainda somos um país bonito, pena que nem essa beleza o clima ou o sol excepcionais logremos alienar com cabeça tronco e membros. Tanto é verdade o que digo que já ninguém vai achando graça a isto e a fila para a debandada é cada vez maior. Talvez desta nos convençamos que nada fazemos e de que o pouco que produzimos a poucos mais que o menino Jesus vai interessando. Cera, devíamos ter apostado em grande no negócio da cera, mas pensar em grande é cena que também não nos assiste.

Porém, depois das especiarias da Índia dos negros da África do açúcar e do ouro do Brasil alguma coisa virá, haja calma e fé, isto é uma crise passageira e daqui a trinta ou quarenta anos estará ultrapassada esquecida e alguma coisa aparecerá de novo vão ver.

Será assim ou não será ? Vai uma apostinha ?

Ah ! Já me esquecia desculpem ! 
Ainda hoje guardo elásticos por tudo que é gaveta ...