sexta-feira, 2 de julho de 2021

ESSA HISTÓRIA DO IMI NO CENTRO HISTÓRICO

 


      718 - ESSA HISTÓRIA DO IMI NO CENTRO HISTÓRICO

              # TEXTOS POLÍTICOS 24 #


Afivelei um sorriso rasgado quando atirei os bons dias p’ra cima da mesa do café, mesa à volta da qual todos conspiramos e cascamos tanto nos assuntos do dia quanto uns nos outros e em especial em quem não está, ou mais precisamente em quem nem está.

 

O motivo da conversa do dia surpreendeu-me, pela algazarra, mas também e sobretudo por todos quebrarem em uníssono o hábito dos últimos tempos, calarem-se a tudo que metesse ou cheirasse a politica, porém o IMI, e as repercussões da aplicação do coeficiente de localização, isto é a avaliação do valor dos imóveis para efeitos de tributação, aqueceu os ânimos, ali todos eram proprietários de habitação própria sendo alguns senhorios, daí a celeuma levantada e as expectativas em redor da questão do IMI.

 

Agastado com o tema sentei-me e nem abri boca, quedei-me para ali a ouvi-los; que o IMI iria baixar alardeavam uns, que o IMI subiria alvitravam outros, puro eleitoralismo chutou um terceiro, quando mexem nalguma coisa nunca é para descer ó parvalhões, ajuizou um quarto. Alguns municípios nem o poderão descer mesmo que queiram, por estarem submetidos a programas de recuperação financeira como o PAEL lembrou a Anicas, enquanto me olhava como que pedindo a minha concordância ou confirmação, colando a coxa à minha numa atitude tão displicente quão desinteressada ou distraída, sabendo eu não dar ela ponto sem nó, desde que há meia dúzia de anos o Albertino a deixara viúva e ela paulatinamente recuperava os modos, o viço e a fogosidade de quando era muito mais nova (mau grado a prótese que lhe sabíamos na anca), com resultados muito positivos diga-se com toda a franqueza e em abono da verdade.

 

Fingindo não perceber a coisa e evitando cruzar o olhar com ela, eu ia ouvindo uns e outros enquanto cofiava a barba, quer dizer o queixo bem escanhoado, gosto da barba feita à lâmina com a velha Gillette e de me perfumar depois p’ra ficar bem-disposto, disposição que nem só o tema do dia logrou retirar-me, há gente que nem sabe o que perde por não ficar calada, enfim, parvoíces.

 

- E tu Baião ? Que achas desta dança do IMI. P’rá i tão calado, diz lá à gente o que

 

- Acho bem, nem poderia achar de outro modo, os que podem aos que precisam, isto já nem é IMI, é mais uma taxa de solidariedade, pelo que vou comer e calar, até porque é como tudo o resto, a tendência será sempre para subir e não descer, solidariedade meu, sabes o que é ? Faz a tua parte e cala-te.

 

- Eu fazer faço, faz tu a tua, e isenção de IMI no centro histórico o que dizes ? Também é coesão ? Solidariedade ?


- Olha, em princípio digo que todos os impostos são uma violência, porém necessária nas sociedades que se querem civilizadas contudo, a partir de determinado montante passam a ser não somente autênticas obscenidades como acabam por desmotivar quem trabalha e quem investe, prejudicando a economia. Essa isenção no centro histórico é mais um erro disfarçado de solidariedade para com os desgraçadinhos. Qualquer casa localizada no centro histórico vale mais que outra em idênticas condições fora dele. Já vale mais, já é uma mais-valia para o seu proprietário, quer a venda quer a arrende, rende sempre mais. Por quê isentá-la ? Porque não se isenta o outro desgraçado fora do CH ?  Isentar os prédios localizados no CH não será meter os outros desgraçados a pagar por quem já é mais beneficiado.

 

- És um insensível, por acaso sabes que há velhotes que nem dinheiro têm para recuperar as habitações que têm no CH ?  E para quem essas habitações, a pagaram IMI ou mais IMI se tornariam um encargo insuportável ? Nem conseguem arrendá-las nem ao menos repará-las…

 

- Olha filho, quem não pode arreia, não tenho que ser eu nem tu nem os demais contribuintes a patrocinar quem tem mais bens ou bens mais valiosos que nós outros, venda a quem possa recuperar o prédio, meta o dinheirito no bolso e não se encavalite nas nossas costas. Esse tem sido o mal deste país. Quem beneficia é que deve pagar, e pagar mais e não menos. Desde que o que haja a pagar seja justo claro e não o roubo habitual. Até por que há que estar atento a campanhas de fundos europeus destinados à reconstrução e recuperação de cidades ou zonas citadinas e candidatarmo-nos a eles, de outra forma não vejo como possamos fazê-lo, pobre como é o país e a maioria das autarquias. Autarquias que para guiar os idosos nesses meandros deveriam abrir gabinetes próprios que abrangessem projectos de arquitectura, financiamento, orçamentação e adjudicação a empresas que quisessem entrar no “negócio”. 


Boas vontades contam muito. Salvo erro foi assim que a câmara do Porto há uns anos recuperou toda a zona ribeirinha, e se não me engano também Vila Nova de Gaia. 

 

- Olhem a conversa deste cabrão hoje, acordaste com o cu destapado foi ? Tas sempre mandando postas de pescada contra tudo e todos e hoje deu-te para a sobriedade e solidariedade foi ? Se fosses…

 

       Não acabou a frase nem teria sido necessário, percebi-o claramente e volto a dizer de mim p’ra mim não se poder dar confiança a esta gente, a Anicas adivinhando-me o pensamento fez-me saber estar do meu lado e, encostando mais a perna, com qual por três vezes consecutivas fez mais pressão sobre a minha, deu-me um sinal que eu entendi perfeitamente. Para ser sincero a vontade que me deu foi dar-lhe um leve toque de cotovelo para que saíssemos dali deixando a canzoada a ladrar sozinha, quer dizer falando sozinha. Vontade não me faltou, e tenho a certeza que nem à Anicas faltaria, mas um homem tem que manter a sua honestidade e integridade, um homem tem que saber estar e saber comportar-se, que diriam todos da nossa dignidade ao ver-nos abalar os dois ao mesmo tempo ? Só quem não os conheça errará a resposta, e quem os não conhecer que os compre…

 

Refreei-me evitando polémicas e nem respondi ao alarve.

 

- Vejam ali na Tv. a nota de rodapé que está passando alertou com urgência o Faustino, «o desemprego mantêm-se em 9,4%…», e enquanto se mantiver alto, e mesmo baixo que seja, se não produzirmos mais os impostos jamais descerão, IMI incluído, o país, os ministérios e os municípios, estão pejados de funcionários públicos aos quais é preciso pagar, e depois de se lhes pagar não sobra um tostão nem para mandar cantar um cego, isto meus amigos, pagar impostos, é solidariedade como disse e bem o Baião, contando que ela dará também para o que é sumido nos bancos falidos, na divida cega, na fuga aos impostos, na corrupção generalizada de que ninguém tem provas, nos milhões que a incompetência queima e a irresponsabilidade some…

 

- Ora, mas ao menos consomem, mantêm a economia funcionando, não é o que se diz agora ? Que é necessário aumentar o consumo interno ? Estes consomem, ao menos consomem, se estivessem desempregados seria duas vezes pior, repenicou a Teresa do alto do seu poleiro e que o facto de ter sido sindicalista lhe consentia e a obrigava.

 

- Ó minha menina, naturalmente tens razão, condescendeu o Faustino já agastado, desempregados seria duas vezes pior, então do mal o menos, e sempre seriam mais dramas quando eles nem são culpados da trampa em que os nossos políticos nos atolaram a todos, mas se fossem funcionários do sector privado estariam a produzir e igualmente a consumir, estás vendo a diferença ? É que o óbice da coisa ou das coisas é precisamente a não produção !

 

- Ora essa, então não produzem ? Voltou a Teresa à carga.

 

- Claro que produzem sosseguei-a eu, pouco e mal embora a culpa não seja deles, eu diria que o funcionalismo público funciona “abaixo da capacidade instalada”, mas sim, produzem, ou induzem, algures a montante e a jusante sempre ajudarão a algum consumo, e a alguma produção, mas com o investimento público e o privado quase inexistentes que têm para fazer ? Os homens ainda se podem dar ao luxo de coçar os ditos cujos, e elas ?

 

Foi demais, fui longe demais e talvez a tenha ofendido, virou-me as costas sem retrucar e desandou…

 

Mas é a verdade, não por sua culpa mas alimentamos um funcionalismo público pesado, quantas vezes burocrata, ineficaz, que por vezes complica em vez de aclarar, e cujo consumo, tal como o privado, não poucas vezes é canalizado para fábricas alemãs, francesas, italianas e japonesas de automóveis e motas, material para fotografia e reprografia, consumíveis e uma plêiade de importações que nos afogam, é a nossa sina, a nossa solidariedade funcionando.

 

Contradição ? Mas se o país vive delas, está cheio delas ! Que dizer quando na Tv. nos apresentam a recuperação do imobiliário como se de sucesso ou de construção civil se tratasse ? São compras e vendas, na sua maioria especulações, comprar por cinco e vender por dez, aplicar o dinheiro que foge aos juros e que no banco não rende, ou a ser sumido nos bancos falidos e nos que irão falir, o imobiliário é o novo colchão do aforro luso, são aplicações ou investimentos financeiros destinados a dar segurança ao capital.

 

          Essas aplicações de capital não passam de subtis ou declaradas fugas à irresponsabilidade e incompetência dos nossos políticos e gestores e, qualquer dia, nem um porquinho capitalista meterá um tostão furado neste mealheiro à beira-mar plantado... Alguém acredita por exemplo que o incremento na venda de automóveis, especialmente verificado nas marcas premium seja um sinal de pujança da economia ? Contudo é assim que nos vendem estes factos…

 

Anda daí Anicas, tá na hora de almoçar e estou fartote de aturar estes palermas.

 

Temos que falar…



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