domingo, 19 de julho de 2015

255 - FRAGRÂNCIAS DE ONTEM E DE HOJE ...…..

              
             Parei a mota no lugar a elas destinado e, ao levantar a cabeça p’ra retirar o capacete quedei-me pasmado, olhando a loja em frente, a fachada e o fundo, um sorriso empático dançando numa boca tinta de vermelho e, assim como que pisando alfombra ou levitando numa nuvem, senti a ilusória frescura do jardim de Hespérides enquanto na minha mente um filme antigo era rebobinado e o passado lembrado como caindo a conta-gotas.

... «Kermesse de France, Phragrancias de Europa para a mulher ideal, assim mesmo, com ph, montra em vidro negro biselado a dourado, decerto da mesma idade,  Paris, loucura, anos vinte, Casa phundada em 1927, ... ta explicada a coisa, a coisa e o estilizado novecentista de uns lábios e de umas pernas no vidro da montra e cujo significado demorei  séculos a entender, ... os lábios retintos de vermelho da velhinha, teria sido bailarina ? aprumada, arranjada, linda, já não há velhinhas assim, um dia plof e a loja para trespasse, mais uma…» * ...

Rejubilei, e quando acordei mirei tudo com redobrada atenção, já que assistia in vivo à ressurreição de um passado, agora sem os limos nem as cores esverdeadas que os náufragos e os mortos invariavelmente arrastam ou trazem agarrados a si.

Depeniquei-me propositadamente p’ra me confirmar acordado, pois se tratava de caso único nos anais do esoterismo, cujo karma decerto atrevidamente me convocara para lhe testemunhar a aura e lhe espalhar a palavra, o conhecimento e a luz delas emanadas. Saibam portanto os eborenses e outros habitantes deste mundo que a “Kermesse de France” * não morreu, está viva, vivinha da Silva, ou da Costa, mais linda que nunca e recomenda-se, passai palavra ou copiai e partilhai este edital.

«Kermesse de France, Phragrancias de Europa para a mulher ideal» * Não tem já a singeleza dos antigos dizeres, ou biselados dourados, mas mantém as prateleiras preenchidas de aromas de encantar, filhos dos mais famosos narizes do mundo, segundo tive ocasião de constatar.

Não fora convidado mas não me fiz esperar, de capacete na mão, c’a boca aberta de deslumbramento, deixei-me levar, deixei-me entrar, recordar, mirar, medir, comparar, embevecer e conquistar. Há menos folhetos agora, menos desperdício de papel, logo mais árvores e mais natureza, há modernos telefones, computadores, programas, tábua de Excel e formação. Há ali muito marketing e muito profissionalismo, sites, forte presença nas redes sociais, campanhas, equipamentos, demonstrações, vendas, agressividade, produtividade. Nada parece ter sido deixado ao acaso.

Enquanto a cidade continua afundando-se, na gruta de Trofônio, ali assiste-se à ressurreição dos mortos, ao pulsar da vida, latejando, lutando, persistindo. A loja mudou de donos, compreensivelmente de marcas, mas não mudou de ramo, provavelmente nem de clientes, certamente dentro de poucos anos poderá dar-se ao luxo de comemorar o seu centenário.

Encostado ao balcão eu remirava tudo, uma cliente foi simpática, longa e exemplarmente atendida pela Marléne de France que, debitando conselhos, olhando o PC advertia-a para a vantagem das campanhas, atenciosa, solicita, paciente. Tudo isso eu vi, numa inusitada deferência de onde somente me restou ajuizar do conhecimento personalizado tido da cliente, que amavelmente foi convidada a visitar e a voltar à loja, e da enorme preparação exigida por tão paciente quão profissional atendimento.

Ao fundo dessa loja outra abelha obreira mexia e completava a larga gama de ofertas da colmeia, enquanto eu, esquecido da exposição do José Cachatra onde inicialmente a intenção me levara naquela manhã, ali jazia embasbacado, de máquina fotográfica na mão, preparado pra captar a alquimia do presente, olhando a sorridente Marléne de France, parecidíssima com a velhinha guardada nas minhas velhinhas memórias precisamente quando eu um catraio e ela velhinha coisa nenhuma … «ainda hoje recordo tudo menos a mulher ideal, que nunca conheci, se me gravou na mente quando do meu exame de acesso à escola preparatória e nunca mais, ... casei com uma santa mas a mulher ideal nunca, ainda hoje sonho conhecê-la, não passa de um sonho, já nessa época a Europa só sonhos, e a única verdade que lembro é a mesma senhorinha linda que desde esse exame segurava  o leme ao balcão da loja, magra como um fuso e elegante que nem bailarina de can-can» *

E eu esperando o alinhamento dos chacras a fim de disparar a máquina e aprisionar para a posteridade o espírito, a essência da coisa, coisa de que afinal me esquecia, tão enfronhado quão distraído estava de mim e da coisa em si que quando acordei pedi à Cátia de France um perfume, “Jardim de Évora”, somente para dar à minha presença maior peso e solenidade, tndo todavia recebido um serviço completo e, hoje sei que tal perfume encerra essências alentejanas e mediterrânicas , nasceu em Chartres, França, a capital do perfume, tendo sido lançado após geminação das duas cidades.

Meia hora mais tarde, conversando com alguém que encontrara à saída da exposição do Cachatra, era-me dito ter a cidade concorrido a verbas dos Fundos Comunitários Europeus, ou da Fundação Luso Americana Para o Desenvolvimento, c’o fito de levantar e reparar o piso de quase todas as calçadas e ruas da velha urbe, velhas de séculos e, mais coisa menos coisa obra para uns dez anos ou mais. A fonte era suspeita, mas a minha esperança na recuperação do nosso querido burgo levou-me a acreditar. Secalhando nada acontece aleatoriamente ou por acaso, secalhando terei mesmo razões para crer no inacreditável.

Na mudança do século os astros parecem ter-se conjugado de modo especialmente desfavorável para Évora, a cidade definhou abrupta e visivelmente com más vibrações desde então. Alimento esperanças que a ressurreição esteja aí, para que, tal como quando eu gaiato, possa rejubilar como no passado e voltar a ver em cada dia novas lojas e empresas florescendo como cogumelos. Agora encerram diariamente a um ritmo alucinante, e não é nenhuma miragem.

Recordo ainda a abertura das oficina do Xico dos Pombos e do Espingardeiro, até a do Pássaro Gago, numa ruela apertada e que depois foi passada ao Picaró, como lembro o tugúrio na rua do Muro de que o Z.L. Zurzica (infelizmente deixou-nos há bem pouco) transformou numa empresa de eleição, ali mesmo ao lado estava o industrial mais simpático que conheci, Varela Tenório de sua graça e pessoa nos antípodas do correctíssimo senhor Abêbora, em cuja oficina no Lº. de S. Domingos andávamos de patins, tão comprida era.

Secalhando será verdade que, de cinquenta em cinquenta anos o alinhamento dos planetas oferece, ou permite que tal conjugação seja a espoleta de mudanças nesse sentido, e secalhando a morrinha que tomou conta da cidade principie cedendo e aquela loja seja o primeiro sinal de mudança, de regeneração, de resiliência.

Dantes vinha gente de Lisboa apostar aqui, o Graça, o Guerra, que com ajuda do Fernando Maudslay e do Carreira deram mais vida àquela empresa que ritmo hoje presenciamos numa feira. Depois, mais abaixo, o Rodrigues e o sô Manel mais o Tremezinho deram um empurrão valente na ajuda à agricultura, e não só eles, os irmãos Silva atingiram a órbita sideral por esses dias, lançaram-se nos tractores Hanomag, furgões comerciais, ceifeiras Laverda, tal como o Peleiro (a quem muitos por ouvirem mal chamavam Poleiro), que desposou o Liberato e em vez de peles se puseram a vender Toyotas a toda a gente. 

Raro era o dia em que meia dúzia de novas empresas não fossem inauguradas, alguém que o tente agora e verá os trabalhos em que se mete, pagamentos por conta, taxas, taxinhas, derramas e regulamentos, não há Município que não caia em cima do desgraçado, até o Estado, que já não vive à custa de quem pode, agora complica a vidinha a toda a gente sem excepção, é mais democrático. E dentro dele a constelação ASAE, um estado dentro do estado. Tornámo-nos um país enleado nas suas próprias leis e contradições, de tal modo que a iniciativa em vez de aplaudida acaba por ser combatida.

Antigamente qualquer um amealhava uns tostões, aventurava-se por sua conta e abria uma empresa, agora mal ganhará para comer quanto mais para juntar poupanças, isto se não estiver dependente da sopa dos pobres… Ganhámos, em Portugal acabámos com todos os capitalistas, agora mendigamos investimento a estrangeiros e qualquer dia seremos todos metecos deles. Os que “matámos“ eram certamente capitalistas, mas eram os nossos capitalistas. Não imagino, mas será que ser escravo do capital estrangeiro é um outro luxo ?…

Deve ser verdade que a democracia nos fica curta nas mangas, o pior é que está a matar-nos, mas ao contrário do que eu mesmo imaginara, esta loja sobreviveu à hecatombe que sobre este país se abateu, é que, sabem, nasceu há mais de cem anos sob um outro astral…











254 - ARRANJA-SE EMPREGO * Parte 2 ……..….


Parte 2
As linhas apresentadas no texto anterior* são, modo geral, as directrizes que balizam e possibilitam a formação de um profissional independente, de resto, a vontade de adquirir um talento, e ser senhor de si mesmo, ou senhora de si mesma, dependerá de ti, é uma especialização destinada a altos voos, largamente remunerada e garantida, pelo que abraçar ou não uma carreira free lancer de elevado potencial como os publicitários costumam dizer e exagerando até, pois tantas vezes se referem a um qualquer lugar de caixeiro-viajante, o que nem é o nosso caso. Caixeiros-viajantes aqui, só se for “A Morte de Um Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, que aliás te aconselho vivamente a ler, como distracção.

Por falar em ler, terás que ler algumas coisinhas, não te assustes que não te recomendarei o Eça de Queirós, até por pressupor que já o tenhas lido. A bibliografia recomendada ser-te-à a seu tempo indicada, não é muita, nem fácil de obter ou arranjar. Alguém anda evitando que de um qualquer modo adquiras formação nesta área, penso já te ter confessado ser o segredo a alma do negócio. A lista andará à volta de dez obras essenciais (estou a puxar pela cabeça), sendo que o primeiro que poderás adquirir e encetar já, é de Pierre Joseph Proudhon, “O Que É a Propriedade”, e te abrirá imenso os olhos, a Editorial Estampa editou em tempos um livrinho que nem chega aos dez euros e encontrarás facilmente na WOOK, na FNAC ou em qualquer alfarrabista. É um livro rico, cheio de conteúdo e estimulará os teus princípios morais, detesto gente mal formada ou inculta, banal, e já agora deixa-me avisar-te, nunca me venhas com citações de Paulo Coelho, Rui Zink, Miguel Esteves Cardoso ou Pedro Chagas Freitas por favor. Há mais alguns como o Walter Hugo Mãe o Tordo, o Lucas Pires ou o Peixoto, mas a seu tempo saberás quais abomino.

O Capital, de Marx, e leituras de David Ricardo, Keynes e Adam Smith também farão parte da bibliografia recomendada para as matérias teóricas, se te digo tudo isto é para que avalies já um pouco as coisas e faças as tuas contas, este aviso tem-me poupado dissabores e a aturar gente que nem aprecia ler e aprecia ainda menos o saber, enfim, gente sem estofo para uma formação desta envergadura e que acabou por reclamar de mim avenças já pagas, o que naturalmente gerou atritos, me fez perder tempo e paciência, e só por não haver cheques passados nem recibos não me fez perder dinheiro. Nos tempos que correm todo o cuidado é pouco, quando aldrabões chegam a ministros já podemos fazer uma pequena ideia de como se “estará cá fora na selva”…

Nunca será demais insistir na ideia de que todo o valor que me seja pago será investimento a recuperar 10, 20, 50, ou mil vezes, tanto mais que se trata de um sector dinâmico e dos que, na nossa economia têm registado um crescimento exponencial, ainda que haja gente já instalada há espaço para gente melhor, ou bem preparada para fazer face à concorrência. No nosso mercado o que abunda é sobretudo a iniciativa desorganizada, baseada no improviso, muito à maneira portuguesa e que nem precisamos abater, funcionam noutra escala, num patamar muito abaixo daquele em que pretendo introduzir-te, pelo que se te esforçares e aplicares, guindar-te-ás a uma altura onde pura e simplesmente a concorrência nem sequer existe, ou conseguiu chegar.

De vez em quando é-me confidenciado por este ou por aquela já ter enviado, 100, 200, 500 currículos, e penso que uma até enviou mil ! Estará tudo doido ? Pensem ! Desistam de mendigar, criem a vossa própria oportunidade e tornem-se independentes de sucesso, atirem o desemprego para trás das costas. Libertem-se de salários mínimos ou de 500 euros, libertem-se de contratos, tornem-se empreendedores e inovadores de elevado potencial. Em vez de semearem currículos disfrutem dum mercado de trabalho amplo e à espera dos melhores, giram a vossa própria carreira, concentrdem-se em experiencias relevantes para a função, tornem-se profissionais qualificados (as) de low profile. Prestem contas somente a vocês mesmos. (garantido que nem ao fisco as prestarão).

Mas por falar em potencial, potencia, força, capacidade, agilidade, como vai a tua forma física ? “Mente sã em corpo são”, nunca ouviste dizer ? Fumas ? Chutas na veia ? Cheiras cola ? É bom que não, porque tudo isso, por junto ou separado, te impedirá de passares do meio da tabela adiante e sem isso não há diploma p’ra ninguém. Não é disciplina da minha lavra, mas é-o a apreciação e classificação, que não descuro. Toma nota e providencia se necessário.

Várias vezes aludi aqui ao cultivo de um low profile, pois não será despiciendo que a par da tua formação adquiras o bom hábito, repito bom hábito, de não dar nas vistas e passares despercebido (a). Isto não é um casting nem uma passagem de modelos, neste caso concreto passar anónimo (a) na multidão será uma mais-valia considerável. Deverás apresentar um ar limpo, nem demasiado asséptico nem enxovalhado, usar cores discretas, que não chamem a atenção nem pela cor nem pela forma. Um dia ajuizarás da vantagem de não ser visto nem lembrado. Idem para algum carro que tenhas, porque uma mota que não nos envergonhe dará sempre nas vistas. Pergunta-me, ou pergunta ao Varoufakis… 

A parte da formação que me cabe é, naturalmente, toda a área teórica, e já nem é pouco, porém não te assustes, corre a par uma parte prática cuja responsabilidade, não sendo minha, eu não tenho condições para leccionar, nem a nível de conhecimentos práticos nem de equipamento ou de materiais, todavia em momento algum descurarei o teu acompanhamento e progressão, até porque uma parte, sem a outra, nem faria sentido.

Penso já ter abordado a bibliografia, fi-lo de um modo geral, e, para sermos mais explícitos, adiantarei que terás que te debruçar, estudar, os rudimentos da Psicologia, da Sociologia, da Economia, o estudo da arte e dos materiais nobres, seria uma pena que, por ignorância, um dia te visses com muito dinheiro e alguém te aldrabasse com uma filigrana de pechisbeque ou te vendesse gato por lebre, uma qualquer falsificação por um Picasso. Mas não desesperes, nessa área sou entendido e fá-lo-emos com facilidade e como distracção. 

                Todo este trabalho te dou porque se não passares de um grunho (a) por muito bonito (a) que sejas, nunca facturarás nada de jeito, e até por haver necessidade de entenderes o mundo em que te moves e que, ao contrário do que pensas, concluirás nunca ter visto. Diria que se adapta perfeitamente às circunstâncias aquele velho aforismo popular “vícios privados, públicas virtudes”, terás que ser exemplar, sem dar nas vistas ou chamar a atenção sobre ti, um camaleão.

(continuará num próximo texto)