quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

301 - PROIBIDO PROIBIR *.........................................


De tanto instigar nestes meus escritos tudo e todos a que se debruçassem seriamente sobre aquela figura maquiavélica que Salazar representa na nossa história, vi-me algumas vezes confrontado e por duas ou três envergonhado.

- Olha lá ó Baião, porque não o fazes tu ó palerma ? Já que és tão sabichão na matéria arregaça as mangas e atira-te ao trabalho, nem te deve custar muito, já deves até ter o conhecimento disso bastante adiantado.

Um houve que colocando os braços sobre os meus ombros me encorajou em jeito de confidência:

- E se quiseres entrevistá-lo pessoalmente tenho lá em casa uma caçadeira que te posso emprestar, é só dizeres e carrego dois cartuchos de chumbo grosso, o resto saberás como se faz, os canos debaixo dos queixos e zabimba ! Até gritarás para o microfone !

De modo que intui as piadas e a vergonha e predispus-me a elaborar a tal tese de mestrado ou doutoramento que tanto vinha recomendando a uns e outros, móbil, evidentemente a tão ignorada quão carismática figura de Salazar, António de Oliveira de seu nome, para o que arrebanhei todo o material em meu poder, comprei algum que era aconselhado e decerto faria falta, há obras cuja consulta simplesmente não podemos dispensar, ainda ando separando o tema em centenas de revistas e jornais que fui guardando ao longo dos tempos e sempre que continham algo digno de interesse histórico ou valioso e era aconselhável guardar.

Nessa demanda a que me propus tudo que venha à rede é peixe, e não seria justo descurar algo por mais insignificante que fosse sem antes avaliar a sua probidade, e se constitui interesse ou novidade para o trabalho em causa, foi assim que um destes dias considerei como contributo desinteressado mas manifesto o conselho de um amigo e adquiri um livrinho cuja existência eu desconhecia, ainda que recentemente dado à estampa. À primeira vista mais parece um livro de humor, tanto nos faz rir. 

           O opúsculo relata situações caricatas, tão anedóticas e ridículas que alguns julgarão não corresponderem à verdade. Infelizmente são-no, e embora o livrinho esteja escrito com alguma leviandade (não quero utilizar o termo infantilidade), as coisas sérias mesmo que despertem em nós o riso devem sempre ser tratadas com seriedade e comedimento, sobretudo estas que caracterizam, e bem, o ridículo em que caiu um regime, mas essa coisa do estilo é um problema do escritor, neste caso de um jornalista que julgo experiente, que exerce a profissão há quarenta e tantos anos e entendeu presentear-nos com o que ele mesmo parece querer fazer parecer, um livro de anedotas. Apesar de não deixar de ser um livro sério, “Proibido” ** merecia mais sobriedade.

A minha busca isenta e imparcial da figura e do reinado de Salazar não me permitiria descurar esta obra por mais ligeira ou leviana que ela se nos apresente, e ainda que na generalidade as situações retratadas não sejam novidade para mim, algumas há contudo que desconhecia e que não deixam de se inscrever no inédito absurdo que o regime do Estado Novo acabou abraçando, absurdos que embora em menor número ainda subsistem nos nossos dias, ainda há bem pouco tempo se cortaram subsídios à infância e abonos de família enquanto em simultâneo se pretendia combater de um dia para o outro o défice demográfico em que caímos, mais um deficit, mais um absurdo, este país continuará continuamente (perdão pela redundância), a surpreender-nos, ou em relação aos emigrantes, que se punham na rua em paralelo com a tomada de medidas legislativas que promoviam o seu regresso.
     Contradições atrás de contradições, o ridículo é eterno e universal, e parece bastar que descuremos a nossa atenção para que nele caiamos, todavia para mim, o que mais sobreleva neste hilariante livrinho é dito logo nas primeiras páginas, mais concretamente na pág. 12, “ … este clima de proibições… levou a que, com o tempo, nem fosse necessário produzir uma lei para proibir, por exemplo, a entrada de uma senhora de cabeça descoberta numa igreja. Ao é proibido juntaram-se os heterónimos «não se faz», «é pecado» e «parece mal», que ainda subsistem nos nossos dias”… Esse é na verdade, o busílis da questão, e esse é o tema central da minha investigação e da minha tese, como pôde um regime ridículo manter-se de pé quarenta anos se não com a aceitação, o apoio, e conivência da população, como e porquê tal aconteceu ?

Temos, sobretudo nos últimos quarenta anos, feito de Salazar o bode expiatório de tudo e para tudo, mas que dizer de quem andou com ele ao colo ? Como foi tal possível ? Que circunstâncias explicam ou justificam tamanho dislate ? Quem se calou ? Porque o fez ? Quem foi conivente por acção ou omissão ? A quem, de que modo e por quê convinha manter o regime ? Porque é o regime do Estado Novo sempre apodado de odioso e referido negativa e sistematicamente em oposição, por exemplo, à nossa terceira república que tem sido por nós significativa e exageradamente beneficiada na apreciação das suas conquistas ? Porque é moda ? Por ser de bom tom malhar no Salazarismo e tudo o resto deixar passar e consentir abusivamente e sem que nos ofendamos ou revoltemos tantas vezes com um simples encolher de ombros de resignação, não ferem os atropelos e desmandos actuais os nossos interesses e a nossa dignidade profunda e cruamente ? A esta democracia tudo se desculpa e permite ?

O livrinho relata e enumera efectivamente uma catrefa ou uma série de situações ou proibições ridículas, mas não encontraremos hoje contradições e situações igual e indesculpavelmente tão ou mais ridículas que essas ? Tão ou mais prejudiciais que essas ?

Não quero prematuramente antecipar conclusões da minha trabalheira, podem sair extemporâneas, ou pior que isso, inconclusivas, contudo duas palavras parecem sobressair já no contexto em que me aprofundo, complacência e deferência.

Salazar contou durante trinta e seis anos com a nossa complacência, mais do que a que temos tido, surpreendentemente, para com as últimas quatro décadas, ele porém contou com toda a deferência deste povo, deferência que hoje estamos longe de conceder uns aos outros e que me leva a colocar a hipótese, académica, de que não tivesse o ditador caído da cadeira e tê-lo-íamos tido connosco e acarinhado durante outros trinta e seis anos…
       É caso para pensarmos bem no assunto, sem leviandade, com isenção e imparcialidade, pois quem saiba rir-se de si mesmo ri-se duas vezes, ou ri-se a dobrar, reza um velho provérbio chinês de minha autoria e que acabei de inventar…   

* "é proibido proibir"  frase remontando aos dias subsequentes ao Maio / 68 em França. 
** “Proibido” de António Costa Santos,  
Edição 2015, Páginas: 196, Editora Guerra & Paz, ISBN: 9789898014597

BOM ANO NOVO !!!