terça-feira, 11 de junho de 2019

607 - MESAS, OUTRAS MESAS, OUTROS CAFÉS.


Sim, é tal e qual como dissera porque pensara que, depois de, depois de tu, tu sabes, pensei que depois de partires eu me sentiria mais livre, mais liberto, menos constrangido, por isso pensei que abandonaria logo de seguida o hábito das manhãs neste café, todos os dias, diariamente, como se esta mesa um lugar cativo e cativo eu do teu problema, da tua situação, da tua dor.

Julgava eu que me libertarias, ou que me libertaria eu de ti, que gradualmente poderia começar a ocupar outros lugares, outras mesas, outros cafés, outras presenças, outras pessoas, outras amigas e amigos, por que não ? Pensava eu, pensei eu que seria o melhor, e depois de, tu sabes, acabei por acatar e meter em prática essa minha tão meditada sugestão. Há mar há mar e há ir e voltar, há morrer e viver.

Foi sol de pouca dura. Coisa pouca, mas eu não sabia, há coisas que só vividas, experimentadas, sofridas, por isso aqui estou de novo à mesma hora, na mesma mesa, no mesmo café, as mesmas pessoas ora entrando ora saindo e eu olhando-as, eu que agora já sei, já sei que não, não, nada foi como eu pensara e, não só nada adivinhara como me enganara redondamente quanto ao que pensara, quanto à solução que alinhavara e experimentara.

Tu sim, tu libertaste-te da irrelevância e do sofrimento que o destino de destinara, eu não, não consegui, não fui capaz e, coisa extraordinária, é onde melhor me sinto e onde menos sinto dentro de mim e à minha volta este vazio que me acompanha sempre, vá onde vá, por onde vá, com quem quer que vá.

Algo me falta, algo se obstina em ocupar este vazio que me preenche e esse vazio és tu, a tua falta. A tua ausência. Não foram os cafés nem as mesas que mudaram, fui eu quem mudou. Pois se vejo tudo mudado, e se tudo está mudado, tal se deve à disposição com que agora tudo olho, com que olho este mundo onde já não pontificas e por isso tão repentinamente mudado, como um lago propositadamente secado ou a mim alguém tivesse vazado um olho, cegado.

 Falta na ruas e nos lugares que volto a percorrer o eco das tuas gargalhadas, a luz do teu sorriso, a melodia da felicidade que irradiavas e com a qual me contaminavas, a mim e a todos com quem te cruzavas. Por isso voltei ao mesmo café de onde pensara libertar-me e onde menos sinto este vazio de cada dia e, pasme-se, onde mais perto de ti me sinto pois este lugar ao menos diz-me alguma coisa, nele inda ouço a tua fúria de viver, o teu grito, a tua lembrança, a tua esperança, enquanto o resto do mundo se me tornou repentinamente indiferente, dizendo-me cada vez menos. Para ser franco confesso, depois de ti este mundo não me diz absolutamente nada, não me diz já mesmo nada.

Algumas vezes, por vezes, durou certo tempo a coisa, deambulei pelas calçadas que pisáramos, por percursos que percorrêramos tantas vezes durante tanto tempo que esqueci já quão foram eles por nós calcorreados, até que, não cansado mas desperto, me senti intimamente martirizado, sofrido. Por isso voltei aqui, voltei a ti, a mim e a este café onde me sinto inda a ti preso, a esta mesa onde pouso ainda o telemóvel e o miro de vez em quando não vá nele cair apelo teu, ou um aflito pedido de socorro, uma qualquer mensagem que não desejo ver passar despercebida no elo dessa corrente quebrada, qual cordão umbilical que por tanto tempo me prendeu à tua vida.

Perdera-me, voltei aqui como se necessitado d’uma âncora onde me agarrar e firmar para depois, com bonança e mar calmo, mar chão, me aventurar de novo a recuperar a identidade perdida, decidido a encontrar novo rumo, apostado em traçar um azimute que novamente me ligue à vida agora que a vi perdida, me vi perdido e necessitado de novo compromisso para me encontrar.

Contigo aprendi o significado de perseverança e tenacidade, náufrago de mim mesmo percebi agora a tua teimosia, tu sabias quão nesses substantivos eu seria forçado a apoiar-me para sobreviver, tu sabias do mar revolto que eu enfrentaria, tu não te limitaste a deixar arrumadas gavetas e assuntos, tu aplanaste o caminho que eu tomaria, aplacaste os demónios que me assaltariam e, conhecendo quanta dureza preenchia o caminho que percorrias sobrou-te contudo gentileza p’ra pensares no trilho que me caberia pisar.

Há muitos muitos anos eras tu pouco mais que uma criança dei-te a mão, desinteressadamente mostrei-te o mundo, este mundo do qual tão cedo te foste, este mundo que agora me ajudas a pisar, a percorrer.

             Obrigado meu amor, meu amor de sempre, meu eterno amor.