quinta-feira, 22 de novembro de 2018

550 - É P’RA PULAR ! by Maria Luísa Baião * ..........

https://twitter.com/casasaias

Tenho já saudades da chuva, não tanto da chuva como do cheiro da terra molhada, adoro o Alentejo e as suas paisagens a perder de vista, mas o que sobremaneira aprecio é a vastidão verde que faz com que os olhos se percam e o coração se sinta bendito por viver nestas planícies. Estamos quase na Primavera, que, como já perceberam é o meu tempo de eleição.

Andava há momentos arrumando este escritório, mais parecido com uma barafunda e dei com um pequeno livrinho de “Quadras P’ra Pulares”, o qual me fez parar a labuta em que andava como de empreitada. Como o autor diz, “a gente pega num tema...enquanto faz a sua vida prática, diária... até o septissílabo se enformar como um tijolo de sete furos, se ajustar ao outro... e sair a quadra...” como saem os bolinhos do forno da cozinha diria eu.

Diz o autor que qualquer quadra deve degustar-se a preceito, tomar-se com alguma parcimónia, retendo o seu sabor ao longo da jornada. É verdade, a poesia não se emborca como garrafas de cerveja enquanto os golos se concretizam em balizas de invenção, é bom que seja apreciada, avaliada no seu contexto e sobretudo mirada e remirada até que nada reste do seu sempre rico significado. Sempre é como quem diz, sempre desde que o artista tenha para tal jeito e engenho, o que infelizmente nem sempre sucede, ainda que não seja o caso.

Na sua modéstia confessa o autor; “Decerto já está errado / o trilho por onde vou / ninguém chega a nenhum lado / nunca ninguém se encontrou”. C’a grande mentira ! Pena é que não tenha insistido mais na poesia, tão cheia de verdade ela anda, como ele autor anda de solidão (andará?), inda que seja feliz, por muito que ninguém ligue ao que diz.

Pois eu espero que ele volte mais e mais à poesia, para gáudio de todas e para que se celebre quem, de entre nós, anda assim tão enganado e pensando ser, como todas, mais um (a) pateta entre muitos.

Não me lembra já quando o conheci, lembro-me apenas que é daquelas pessoas boas por natureza, e acerca de quem, com o passar dos anos, nunca tive que emendar a primeira impressão. Gosto dele agora, hoje, como gostei das primeiras vezes que trocámos palavras, talvez porque na sua velha sabedoria já tenha aprendido que não vale a pena ter dois lados, ou abanar como um cata-vento. É firme, é coerente, é mordaz, indolente, apresentando e manifestando sobretudo uma teimosa vontade de viver e um acalorado prazer pelos dias que entre nós todas (os) desfruta.

Bem pouca gente conheço a quem tanto falte no tudo / muito que lhe sobra, e se coisas há que lhe sobram é uma sabedoria de vida que nos devia fazer corar de vergonha. Quem me dera que o homem nunca mude, é como dizem agora, um dos raros exemplares ainda vivos entre nós, e que uma vez sumidos não seremos capazes de restituir à natureza nem de encomenda, preservem-no portanto, que como aquele não se fazem já, nem de loiça.

Com uma agudeza muito própria, que chega a incomodar-nos, faz-nos saber tão despidas, quanto folheadas e lidas, só porque a verdade incomoda, só porque a liberdade nos tolda.

Pois tu, “que julgavas não ter / na vida um só inimigo / deste contigo sem saber / se podias contar comigo”, claro que poderás contar sempre comigo, ou não me revisse naquelas quadras, feitas a martelo e a esmo, mas por natureza sinceras, algumas mesmo quimeras, de quem anda por esta vida, descontente dos contentes que por não saberem nada, acreditam que são gente.

Um poeta disse um dia “ que há quem morra  sem tal saber, e quem viva sem dar por isso”, o teu problema é só um, abriste os olhos ao mundo, e não te agradou o que viste, agora aguenta amigo, porque nem dois e dois são quatro, nem endireitas o mundo, nem o mundo te endireitará a ti.

Pena é, a ser como dizes, que adormeças tão cedo, meditar é bem preciso, meditar é precioso, pena é que o ganancioso, nem para dormir tenha tempo, quanto mais para meditar, por pouco tempo que seja, nos erros que atira a todos, nos erros que nunca são seus.

Ver-nos-emos por aí António Saias, mas foi bom não ter acabado hoje a arrumação desta barafunda, não arrumei os livros, mas arrumei melhor as ideias, que bem precisadas andam por vezes de um safanão.
  
* Maria Luísa Baião‎ escrito Domingo, ‎17‎ de ‎Fevereiro‎ de ‎2002, ‏‎20:14h e publicado num dos dias ou na semana  seguinte em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER.‎ 
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549 - CARROSSEL MÁGICO, by Luísa Baião * ........

  
Para que o dia fosse um daqueles dias de encantar só faltava mesmo aquela coisa que logo pela manhã vi no ar. Um homem, sim, um homem passeando um carrossel que com uma guita segurava pela mão. Girafas, zebras, cavalos, grilos, golfinhos, serpentes, peixes, tantos peixes que o dia num repente ficou mais que parecido com um aquário. Tudo girava em montão, tudo tomara asas tal como um balão, fugidio caso lhe largassem a guita.

Eu marchava pela praça vogando ao sabor dos pensamentos quando quase esbarrou comigo um elefante azul e orelhudo. Tamanhas orelhas fizeram-me recordar uma entrevista dada vai já talvez para três anos a José Faustino, da Rádio Diana. Engraçado que, nessa entrevista, lembro-o tão bem, eu era só orelhas e cuidados. Engraçado como não aproveitei as oportunidades que cada pergunta encerrava.

Senti-me empurrada, parecendo que alguém algo queria arrancar de mim ou arrancar-me dali, tal foi a sensação quando uma mastodôntica baleia branca, perseguida por uma orca malhada, quase me atirou passeio fora.

Então, pouco à vontade na política, então, pouco à vontade no protagonismo obtido com a vitória numa freguesia tão difícil, remeti-me, qual caracol, para dentro de uma concha protectora, o que hoje considero ter sido exagerado.

Olha! Lá vai uma andorinha ! É primavera já ? Sabem dizer-se serem elas mensageiras de Deus ?

Que me perdoe o José Faustino se aquela entrevista lhe não rendeu o esperado, temi que procurasse sangue e burilei as respostas tanto quanto pude. Tanto que, ouvida hoje, até me pareceria não ter sido eu a estar sentada frente a ele e àquele microfone.

Céus! Isto hoje está impossível ! Vejam-me só quantos cavalos-marinhos aqui na praça !

Mas creio que apesar de tudo não estive mal e penso que, melhor que eu, os governos tidos ao longo desse período responderam a muitas das interrogações (provocações?) que o José Faustino me atirou acima e que, qual nora emperrada, tentava tirar de mim com uma fateixa.

Essa zebra deve ter pensado que a não vejo, ela que se cuide, já por aí vi tigres de Benguela, ops ! Que tropeção bolas ! Que mar encapelado, só mesmo aos leões-marinhos apetece brincar ! Larguem-me os pés seus malandros, por favor !

 

Uma questão teimada andava à volta da diferença entre ser de esquerda ou de direita, fugi-lhe um pouco à resposta claro. Um leão da savana olha-me intimidativo, parece o José Faustino conduzindo o interrogatório. Hoje já não se é de esquerda nem de direita, foi o que pensei para comigo, é a verdade e em concomitância lhe respondi furtando-me a uma resposta directa.

Olha que lindo cavalo branco ! E que crina bem cuidada ! 

          Hoje não teria fugido a essa pergunta como então o fiz, ter-lhe-ia dito frontalmente que não me inscrevo nessas marcas, que estou acima delas e sou pelas pessoas, pelo social, pelo progresso, pelo bem-estar, pela qualidade de vida e que, se alguma diferença existe entre forças políticas essa diferença está no fazer, exacto, no fazer.

Um pinguim avança para mim aos tropeções, só mesmo a ele achamos graça se aos tropeções.

Portugal, Évora, o país, a região, precisam de acção, precisam que por eles se faça alguma coisa, tudo. Lá aparecerá quem faça, como apareceu quem não tivesse feito.

Que lindos estes peixes, confundem-me com uma das deles por me verem soltando bolhinhas da boca !

Parecemos todas ou somos todos bons treinadores de bancada. Não há nenhuma, nenhuma de nós que não saiba o que deve ser feito para que isto se endireite. Pois façamos. É só fazer. Não é tão difícil como parecerá à primeira vista, é só fazer, é só ter vontade, é só compreender, é só arranjar motivação, de sobra, para os amigos também. E fazer. E sorrir. E dar despacho. E procurar a resposta. E achar a solução. E voltar a sorrir satisfeita com mais um problema resolvido, um obstáculo ultrapassado. É dar o exemplo. É exigir o exemplo. É exigir o exemplo. É exigir o exemplo.

Crocodilos do pântano levitam por cima de mim, corri para o homem da guita, quis comprar-lhe um bilhete para o carrossel, não mo negou, apenas me impediu por ser adulta. Mas foi simpático, atirou-me um sorriso de tamanho paquidérmico, com tal força que me desarmou. Mas não me quebrou o sonho, nem me atirou um não à primeira, disse-me que sim, mas…

- “Gostaria muito, teria até muito prazer nisso, mas a senhora veja, é já crescida, os animais não aguentam”

- Retruquei-lhe com a lábia mais sabida que tinha à mão, disparei-lhe um dos meus sorrisos/gargalhada, uma palmada nas costas, como fazem os homens, bebemos uma bejeca e ali mesmo lhe paguei todos os balões do carrossel, que distribui pelas crianças correndo mais doidas que eu com aquele zoo inesperado.

E foi belo, enquanto as cervejolas frescas gorgolejavam goela abaixo, era ver a miudagem circulando, contornando árvores e nuvens, subindo e descendo, até que o contentamento os fazia voar céleres direitinhos a casa.

Que cheiro a bolacha americana ! Onde ? Que desejo de matar saudades !

Os vendedores de balões nunca me desiludiram. Desculpa lá Faustino se nesse dia te troquei as voltas, é que não estava à vontade com uma joaninha que me tinha calhado em sorte.

 Abraços.


* Publicado por Maria Luísa Baião‎ em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER, ‎ escrito numa quinta-feira, ‎10‎ de ‎Novembro‎ de ‎2005, ‏‎pelas 10:44h