terça-feira, 25 de janeiro de 2011

2 - A CABELEIRA DE BERENICE .............................


 Conta a lenda que Berenice, rainha do Egipto e conhecida pela sua beleza e encanto, terá oferecido aos deuses, em troca da vitória dos seus exércitos, a formosa cabeleira que a animava. Afrodite terá ficado deslumbrada com a beleza desses cabelos, levando-os egoisticamente para o céu, com os quais se deleitava. 

                Adoro as lendas clássicas, tanto quanto as detesto, dependendo do fruto das suas fruições ou dos pesadelos que me provocam as suas lembranças. Não é a mesma coisa vivê-las, sonhá-las, ou submeter-me ao seu tormento. Por isso hoje estou magoado, não zangado ou ressabiado com quem tantos momentos únicos me prendou. Qual Medeia, a bela, também Berenice, que me alimentou sonhos e ilusões, vi transformada em fonte de sentimentos tão belos quanto contraditórios, senão mesmo cruéis.

Muitas vezes sonho com estrelas, muitas vezes me vi vogando nos céus, tão feliz quão Aldebaran, imbuído de honras e riquezas tais que nesses momentos também eu experimento grandiosos e radiantes sentimentos e, como ela, a sensibilidade de um brilho ofuscante, em muito superior ao de Betelgeuse, essa sim, conhecida pela sua grandeza, brilho e eterna duração. Como poderão ver, eu, como toda a gente, tenho momentos que, mesmo oníricos, são de uma beleza e felicidade impares. Não serei único, como não serão exclusivos meus adversidades, frustrações e desilusões, comigo, com a vida, com os demais.

É a vida, e como soa ouvir-se, o que não nos mata fortalece-nos, contudo, parafraseando um ditado da minha terra; “ elas não matam mas moem”. Mas estou a desviar-me do meu sonho, do meu sonho e de Berenice, a tal beleza que, e só nos sonhos tal acontece, a exemplo de Aquiles o belo, que banhado no rio Estige quando criança, se terá tornado invulnerável á excepção do calcanhar por onde lhe pegaram para o banhar, e por onde teria entrado a seta envenenada que anos mais tarde o mataria...

Também eu sonhei Berenice banhada nas águas do rio Ingá e delas saindo risonha, feliz, um sorriso contagiante que haveria de a acompanhar a vida inteira. Sonhos são mesmo assim, num minuto o nascimento e baptizado de Berenice nas águas desse rio que as flores dos Ipês roxos sagravam, no minuto seguinte o seu corpo moreno retesando-se na brancura dos lençóis, tensa, bela, esbelta, olhares e unhas cravadas em mim, as coxas quentes rodeando-me a cintura, sôfrega, ávida, suada devido à intensidade do calor do momento, suado eu, igualmente vogando no Olimpo, utopias e idílios, fantasias e propósitos, ficções devaneios e quimeras, saboreando salivas, as nossas peles húmidas, como húmido tudo o resto, na vacuidade do momento, do instante em que suas coxas num desafio me rodeavam, abertas, oferecidas, refúgio, abrigo, consolo e êxtase que a circunstância num ápice transformava de princípio e meio, em fim, 

e minhas mãos, envolvendo os seus cabelos lindos, reparam sobressaltadas que não têm nelas Berenice, nem Medeia, mas ternamente afagam a cabeça de Medusa, cujos cabelos, volvidos serpentes, me causam repulsa e sobressaltado, me acordam desse sonho transformado em pesadelo, do qual recuo em rejeição e recusa, revoltado, magoado, do qual me evado antes que, petrificado, inexplicável e surpreendentemente apresado, esqueça tantos e todos os sonhos sonhados, ainda vívidos em mim, e se me frustre a vida, a ilusão, a esperança, eu.
         

1 - PARA AQUI LEMBRANDO-TE.........

Entreolhámo-nos, como dois cínicos, cada um ciente da sua verdade. Pé fincado para não ceder.
Não nos olhámos como dantes, felizes, embevecidos e arrebatados. Desta vez entreolhámo-nos, porque não já aquela vontade de nos olharmos nos olhos, como quando neles a esperança, a paz e a harmonia do mundo.
Desta vez foi com pé fincado, na certeza das certezas absolutas, na firmeza de convicções inabaláveis, como se o mundo um lugar nosso, onde a nossa voz valesse e, ambos cegos, cegos ao facto de o nunca ter sido.
O único mundo que criámos e tivemos foi aquele do qual agora, abrir mão nenhum queria, convictos de certezas que só o eram, ou foram, enquanto durou aquele mundo nosso, que construíramos, e que na cegueira do momento julgáramos inquestionável, inevitável, eterno.

E afinal só fumo, fumo e arrogância das posições soberbamente assumidas, por nós tornadas irredutíveis, como se a verdade uma só, e não é, as verdades são muitas, e para cada uma que agora aceitaríamos, outra que igualmente seria aceite como solução, que não esta mágoa, esta solidão, este horror a estar aqui, aqui ou em qualquer outro lugar, pois agora toda a cidade me parece horrível, nada de bom tem para mim, nem dela espero desde que te foste, odeio estar aqui, porque já não a paz, porque já não a esperança, porque já não a felicidade à mão, agora perdida, errante, evadida de nós, como se leprosos, embora já inocentes, já sem certezas, convicções inabaláveis, irrevogáveis, mas que a saudade transmutou em dúvidas, perdões e arrependimentos impensáveis apenas há tão poucos dias atrás.

Por isso a saudade hoje me queima, cresta permanentemente a lembrança, o pensamento, a memória, e já não certezas, apenas dúvidas, e já não a soberba, a arrogância e a firmeza daquele momento em que a ferida aberta, mas o perdão, a desculpa, a saudade, o arrependimento, e agora, que já não oportunidade para isso, a complacência, a permeabilidade e a disponibilidade para buscar soluções que não houve, que não encontrámos, cada um ciente e firme nas suas certezas inabaláveis, não o eram, ruíram como castelos de cartas mal a rotina aflorou e a saudade as minou, porque não fortes, como nos fizéramos crer a nós mesmos, e ao outro, mas o coração derretendo-se-me como manteiga após o torvelinho, a erupção das tais verdades irredutíveis, que afinal não o eram, e agora para aqui lembrando-te, rogando mentalmente indulgencias, num silício que as horas oneram, numa penitencia que me afoga o pensar, e só a ti não esqueço, esquecendo-me de mim mas não de ti, onde andarás, que estarás fazendo, serás feliz ? 

           Eu fumando cigarro após cigarro, pegando num livro para logo largar, porque sem interesse e tentando outro e a mesma sorte, manuseando os CD’s, e nenhum me agrada, antes este silêncio ensurdecedor que só a tua lembrança atenua, e se não eu, que pelo menos tu tenhas encontrado a solução, porque eu não e me flagelo pelas certezas que eram minhas e afinal nem certezas, e agora só dúvidas, 

           e agora só me resta a incredulidade da então teimosia, agora arrebatamento, e desejo, e saudade, agora arrependimento pelo dito e pelo feito, agora a consciência dos excessos no momento da cruel verdade, em que nem tu, nem eu, dispostos a abdicar das nossas razões, as únicas válidas, e afinal sem valor algum que não a soberba do momento, o não querer admitir, o não querer ver, o não querer ouvir, o não querer ceder, e agora toda a cidade me parece horrível, nada de bom tem para mim, nem dela espero desde que te foste, odeio estar aqui, não sei se para ti o mesmo, este mal estar por não te saber como, por não te saber feliz, por a vaidade e a arrogância me não deixarem ligar-te, falar-te, procurar-te ou ver-te, como nos dias em que sempre sol, sempre uma brisa calma, uma paz de alma por saber-te ali, e agora nada, e afinal para quê a arrogância ?

Para quê as certezas que nada de bom garantiram, nem nada me deram, nada nos deram ?

E esta vontade de abraçar-te, como fazia, de te aceitar como te davas, de me cumprir como sempre sonhara.

Evito passar nas ruas que calcorreias por temer-me e á reacção que poderia ter, e nem sei qual, se correr para ti e abraçar-te, olhar-te, se quedado estático, fala perdida, incapaz de mexer-me, como se num sonho mau acometido por um touro, e as pernas recusando mexer-se, e eu assustado, temente, acordando no momento do impacto, em sobressalto, e paralisia nenhuma, e touro nenhum, apenas eu e o meu medo, de enfrentar, o touro, a ti, a mim, por não saber que fazer, como emendar o meu erro, como voltar atrás no tempo, emendar a mão, arrepender-me ante ti das nossas faltas, não te culpo, também as tuas assumo, não o seriam se não eu no teu caminho, e quero ver-te sorrir de novo, esse sorriso rasgado e contagiante, o teu cabelo ondulando ao vento, os olhos como contas de vidro, novamente vivos, vivaços, para que eu finalmente redimido possa dormir, descansar deste esgotamento que me consome e novamente os dias alegres me encantem.

Queria de novo o sol e um sorriso feliz afivelado nesta cara onde durante tanto tempo se manteve, e depois, porque nos entreolhámos como dois cínicos, não nos olhámos, mas entreolhámo-nos, cada um ciente da sua razão nos perdemos, quando afinal era acharmo-nos que deveríamos, que procurávamos, e perdemos a harmonia do mundo, sem nada de novo ter sido encontrado, apesar das razões, apesar da razão, que já nem quero nem aceito, e na qual deixei de crer como irrevogável, infalível, pois tanta razão nos perdeu e agora, só queria achar-te de novo e contigo adormecer.