quinta-feira, 7 de abril de 2016

332 - A GUERRA É A GUERRA ..................................


Um destes dias o meu amigo Pacheco alegrou-me a manhã. Dantes era a Rádio Comercial e as suas manhãs musicais a fazê-lo, desta foi ele, um adorador do sol, da praia, da paz e do bem-estar.

Chamava-me ele numa mensagem matutina a atenção para o que dizia ser a minha fixação pela guerra, ora só posso deduzir que o ingénuo seja um admirador do sol. Verdade que muitas vezes a refiro, não que a defenda ou a aprecie, porém, e dado que ela se impõe desde que há homens neste planeta não enterro a cabeça na areia.

Já na pré-história o homem resolvia muitos dos seus problemas à traulitada, caso do Otzi*, do homem de Grauballe*, do de Lindow*, e até hoje foi só aperfeiçoar as técnicas e estratégias. A guerra sempre foi vista como um recurso, por vezes o único, por vezes o primeiro, outras vezes o último. É um assunto tão sério que se considera a extensão natural da diplomacia, isto é, se não vai a bem vai a mal, mas irá, e um assunto tão sério, tão fulcral, tão importante que a partir de Georges Clémenceau e Carl von Clausewitz* deixou de ser deixado em exclusivo nas mãos dos militares, passou para as dos políticos, o que, a julgar pelo que sabemos, não nos deve deixar nem mais descansados nem mais confiantes.

Há várias considerações a considerar, ou, para não cair em redundâncias, vários assuntos a ter em conta, ou vários aspectos, raras nações terá havido ou haverá que não tenham nascido da guerra, e Portugal não foi excepção, D. Afonso Henriques guerreou a mãe, é sabido e é dos livros. A liberdade sempre foi conquistada por meios guerreiros, a revolução francesa não foi um piquenique, nem o nascimento da América, digo dos USA, primeiro contra o domínio colonial inglês e depois contra a escravidão do homem. 

             A este último propósito e dada a imoralidade que neste mundo se tornou epidémica e transversal, talvez esteja na altura de outra guerra libertadora, tal qual a revolução russa de 1917 o foi, andamos perdendo demasiado tempo com o acessório e estamos a descurar o essencial, ninguém imagina o que era a vida do povo russo antes dessa revolta de Outubro, os abusos, a desconsideração, a fome, a miséria, a iniquidade, a desigualdade obscena, um pouco à imagem de hoje, poucos com muito, com demasiado, e muitos sem nada, espoliados até nos direitos que nessa época nem sequer eram um sonho, embora tenha sido aí que esse e outros sonhos começaram.

Ninguém dá nada de mão beijada a ninguém, a guerra é uma constante na história do homem e do mundo. Curiosamente durante séculos e séculos foi sobretudo aos guerreiros que se abriram os caminhos da glória e todos os outros. Aos melhores, na Grécia e em Roma tornaram-nos chefes, presidentes, imperadores, não quero cansar-vos mas vejam um dos últimos casos conhecido, o que aconteceu com Eisenhower*, com Churchill*, aliás com Churchill há uma história curiosa que muita gente desconhece. Durante a I Grande Guerra fora ele o estratega da tomada dos Dardanelos, operação conhecida como a Campanha de Galípoli, um épico falhanço das forças armadas vitorianas que Churchill assumiu como seu, dado ser ele o Primeiro Lorde do Almirantado, qualquer coisa como Ministro da Marinha, ou Comandante do Estado-maior da Armada, derrota que todavia se deveu à incompetência de generais e almirantes do British Army e da Royal Navy.

Muitos lhe vaticinaram então o fim da carreira politica e militar, o caso era sério e ele sabia não ser para menos, muitos navios afundados, muitas centenas de homens dizimados, todo o seu prestígio estava em causa, demitiu-se de imediato e antes que a sua cabeça fosse exigida numa bandeja, e que fez ele depois de se demitir ? Recolheu-se no conforto material do Parlamento ? Refugiou-se na rectaguarda confortável de uma qualquer universidade ? Nada disso, alistou-se na guerra e pediu que o enviassem para a linha da frente.

Podendo abusar de subterfúgios não meteu cunha nenhuma para que o inscrevessem nem na logística nem nos abastecimentos, ele sabia ser na guerra e à sua frente (da guerra) que o homem sempre se superou, superar de superação, no sentido moral, ético, filosófico, ontológico. Claro que sabemos não ter morrido apesar dos muitos riscos que correu, e até conhecemos o fim dessa história, ganhou-a porque mereceu a confiança dos ingleses de novo e, surpresa das surpresas, quando Neville Chamberlain* fazendo a triste figura que fez colapsou (cá batemos palmas ao Passos Coelho e ao Costa), foi a ele que o povo inglês entregou a difícil tarefa de enfrentar o nazismo, Guterres e Barroso deviam ter estudado bem esta parte da biografia de Churchill…

Uma constante da historia é que aos artistas e literatos, e aos sábios, raramente honram com mais que a velha coroa de louros que os gregos instituíram há mais de três mil anos como o mais alto louvor, contudo aos guerreiros sempre foram concedidos os maiores encómios e para eles guardados os melhores lugares, olhe-se para a história de Israel, para não irmos mais longe, e veja-se como os lugares de presidente e de primeiro-ministro têm sido preenchidos, e por quem. 

            Relembremos o caso de C. De Gaulle*, de Kadhafi, de Saddam, e, já que a imprensa não tem largado a luta de Luaty Beirão e Angola, repare-se como toda aquela macacada assumiu o poder depois da independência, nem um general sabe ler, nem um conhece uma letra, mas treparam às arvores durante os treze anos de guerras coloniais e mais trinta de guerra civil. Hoje têm as estrelas e detêm o poder, e não são caso único, é o costume, é a praxe em todo mundo, o saque dos despojos, o poder na ponta das espingardas, as fidelidades e os sacrifícios têm que ser recompensados… 

             Por falar em macacadas a quem demos ouvidos, quem ouvimos nós a seguir ao 25 de Abril ? Os poetas ? Os escritores ? Os pintores ? Músicos, arquitectos ? Ouvimos os Generais Spínola, Costa Gomes, Silvério Marques, Vasco Gonçalves, Galvão de Melo, Soares Carneiro, os almirantes Rosa Coutinho e Pinheiro de Azevedo, foram estes que ouvimos, estes e outros canastrões do género, e como se isso não nos bastasse de seguida demos guia de marcha aos ordenanças, depois ainda se admiram de termos chegado aqui, ou de como foi possível termos chegado onde chegámos…

 Na outra face da moeda cientistas, escritores e etc. eram ignorados, até que, pela mão de Alfred Nobel* se arranjaram uns dinheirinhos para os parabenizar e honrar. Mas como foi que Nobel arranjou a bagalhoça para tão altruisticamente assim esbanjar ? Cabum ! Com o poder de violentíssimas explosões !  Com material explosivo claro ! Até ali manusear nitroglicerina era assunto sério que anualmente ceifava imensas vidas. Alfred Nobel descobriu uma forma de a estabilizar sem lhe retirar a força destruidora. Criou a dinamite, foi o céu na terra ! Doravante só se morreria, ou mataria, calculadamente e não mais aleatória ou inadvertidamente. 

            Caricato este caso, contudo, todavia mas porém, de entre todos os nobelizados têm sido mais distinguidos e mais considerados os que surgem ligados a maior força ou capacidade destrutiva, Einstein e a bomba atómica, Edward Teller e Hans Albrecht Bethe e a bomba de hidrogénio*, cinquenta vezes mais potente que a anterior, e na generalidade todos os sábios nos ramos da física, da química, da matemática e da física nuclear. Atrás desses heróis e guerreiros os Nobel da Paz, da Medicina, da Literatura, da concórdia, da felicidade e do turismo e lazer.

O meu amigo Pacheco só tem desculpa porque deve ter passado tempo demais na fábrica da “bolêta” cujos ares e olores lhe plasmaram na cabecinha a bondade, o altruísmo, a educação, os bons modos, a misericórdia, a dádiva, a entrega, o perdão, o amor, a devoção, a dedicação, a atenção, a deferência, a moral, a ética, enfim, princípios que igualmente partilho mas que nunca moveram o mundo. Há dois mil anos um tipo apostou em todas essas coisas, e que ganhou com isso ? Nada, népia, nadinha.

Foi crucificado…