E
pronto ! Já me lembro ! Às vezes basta um pequeno empurrão para que a memória
retome o seu carreiro, os neurónios e as conexões têm destas coisas, em redor
do poço o meu pai descascava uma tangerina, do meu irmão mais novo népia, não
me recordo, mas o mais velho segurava um envelope grande e volumoso que a
embaixada da Rodésia, actual Zimbaué, lhe enviara com vasta, completa e
belíssima informação sobre o Parque Nacional de Matobo*, que ele dissera querer
visitar, ludibriando a embaixada, essa e muitas outras, que caindo no logro o
enchiam, para deleite do meu pai, de belas fotos de países e lugares onde a
imaginação os levava. Não havia net é certo, mas havia muita fantasia e
originalidade nos modos de contornar os limites que a pobreza material ditava.
Pois
foi precisamente uma fotografia inserida numa dessas revistas que me chamou a
atenção, um grupo de banhistas, qual delas a mais bronzeada, algumas negras
esculturais, não sei se zulus, fulas ou
bantas, e a legenda respectiva, a que na altura nem dei a devida importância
mas que mais tarde, fazendo contas de cabeça e somando dois mais dois.
A
legenda da foto dizia nem mais nem menos que isto;
“Mulher boa e melancia grande ninguém come sozinho”
Mas
desvio-me do essencial, a questão do turismo em Évora, as suas vantagens e
desvantagens, a ilusão criada, e a necessidade de se pensar em formas de tornar
o nosso turismo efectivamente nosso, isto é, dele não retirarmos somente a fama
mas também o proveito.
Falo
de surtos turísticos que paradisíacas praias, lugares, cidades e países
experimentam, e de como esse boom em alguns casos ao invés de os enriquecer os
arruinou, de tudo me lembro como se fosse hoje, até das bundinhas. Hoje
custa-me a crer como foi possível uma dessas revistas apresentar tal artigo e
tais fotos, tanta a censura actual, como certamente ninguém desconhecerá.
Mas
apresentou, e eu jamais o esqueci, nem esqueci o facto de que nem tudo que
parece é. Grosso modo o vanguardista artigo mostrava e demonstrava como o
dinheiro só aparentemente existe e enriquece os países e cidades onde o turismo
agita a economia, tal como acontece com Évora.
Quanto
à riqueza supostamente criada pelo tal desenvolvimento turístico não só nem
aparecia como desaparecia tal como um boomerang volta à mão que o lançou ou uma
moeda que caia no chão rola e rebola descrevendo um círculo até tombar no sítio
onde começara a rolar. O mecanismo, ou o fenómeno como era descrito na revista
funcionava assim;
Milhares,
ou centenas de milhares de turistas adquiriam ou pagavam na origem os
respectivos pacotes de férias ou de fim-de-semana.
Nas
estâncias, cidades de férias, como Évora, deixam no máximo uns trocos numas
bicas, nuns gelados, ou numas coca-colas, na maioria das vezes nem na diversão
nocturna apostarão nem nos aperitivos ou cocktails. Gastarão na sua curta
estada só e provavelmente algum dinheiro de bolso, em postais ilustrados, numas
pilhas ou cartões de memória para máquinas fotográficas, nuns maços de
cigarrets, num isqueiro com uma bela imagem do Templo de Diana, numa qualquer
recordação não muito cara do handcraft local para levar à mamã à amiga ou ao
amigo, umas chinelas maded handcork, uma miniatura da fonte das Portas de Moura,
um chapeuzinho preto com uma foice e um ramo de espigas, um grupinho em barro
representando os cantadores de cante alentejano, talvez um capote no inverno e
pronto, estão o fim-de-semana ou as férias feitas.
Claro
que os hotéis que os albergam sempre têm despesas, com luz, com água, com o
aprovisionamento da cozinha, do bar, mas raras unidades hoteleiras pertencem a
gentes da terra, normalmente são pertença de cadeias internacionais cujo dono
se desconhece e estará algures na Arábia, nos USA, na Rússia ou na África do
Sul ou noutro sítio qualquer. Agora digam-me lá, será que todos os hotéis
instalados entre nós têm cá o seu domicilio fiscal ? Ou terão a fiscalidade
radicada na GB, França, Luxemburgo, ou Holanda ?
Qual será então o nosso beneficio para além
dos parcos e indiferenciados postos de trabalho como barmans, gente para a copa
e cozinha, para os quartos, limpeza, recepção, a fim de ocuparem os lugares de
que vos falei atrás ?
Mas
p’lo contrário seremos nós a custear as despesas com arranjos nos gastos das
calçadas e outras infra-estruturas cuja manutenção, reparação ou reposição nos
caberá a nós pagar, como caberá pagar e abrir estradas e ruas e ruelas e
acessos e viadutos e colmatar os estragos que esses turistas façam na cidade.
Para já em Lisboa estão a facturar os italianos que se fartaram de para lá vender
tuck-tucks …
Ora
ficando o dinheiro dos pacotes logo na origem, ou se pago por cartão de crédito
aterra logo numa conta em Lisboa, Porto, Luxemburgo, Bruxelas ou Amesterdão, só
por mero acaso a parte de leão ficará entre nós. Isto quando não sucede o hotel
dessa cadeia, se apesar de tudo tiver lucros, ser chamado a contribuir e
suportar os custos de investimento da casa mãe dessa cadeia hoteleira no seu
país de origem, forma sagaz e encapotada de para lá transferir os lucros,
apresentando posteriormente prejuízos e muito licitamente escapando-se a ser
taxado local e fiscalmente, e quiçá provavelmente candidatar-se a receber subsídios
aqui, nossos.
Os Euros
ou poucos euros do pé-de-meia, redondos que são acabam rebolando sempre no
sentido da partida, da origem, da casa mãe, poucos ou nenhuns atingem o ponto
de chegada, no caso nós, Évora, pois é raro que esses hotéis reinvistam nos
locais que exploram até à medula e a que se agarram como lapas.
Por
cá o dinheirinho da luz vai para os chinocas, o da água para os amigos do Mário
Lino que deu a volta ao Zé do Cano, ou deu a volta ou deu comissões, isto sou
eu feito má-língua, claro que não passa de uma aleivosia minha, de uma
suposição de mau gosto, pois toda a gente sabe não haver o mínimo de provas em
que se fundamente esta afirmação. No fundo a questão do boom turístico em Évora
e no Alentejo é saber-se quem ganha com ele.
Por
enquanto sopeiras, recepcionistas, ajudantes de copa e cozinha, empregados de
mesa, seguranças e barmans têm o futuro assegurado, pedreiros, serventes,
canalizadores e electricistas também têm feito uns biscates, porém são essas as
profissões que por agora o radioso futuro do turismo nos oferece, mais que isso
o tempo o dirá…
Festeje-se
então, pelo menos enquanto houver quem saiba como usufruir dos fundos europeus,
não podemos criticar quem tem olho, afinal os da terra também podem concorrer a
eles e se o não fazem será porque não querem, ainda há pouco uma amiga me
perguntava o que seria a democracia num mundo dominado por imbecis…
Um mero problema
de consciências ou de olhos que se não abrem
? E surge daí a necessidade de se
pensar em formas de tornar o nosso turismo efectivamente nosso, isto é, dele
não retirarmos somente a fama mas também o proveito.
E depois interrogam-se por não haver dinheiro suficiente para tapar os muitos buracos que temos um pouco por todo o lado ?
Pensem
nisso.