sábado, 2 de julho de 2011

64 - COMO UM BALÃO FURADO?...

Fingi que não, mas na verdade apurei o ouvido.
Decididamente ele estava ébrio, logo mais valia nem o ouvir, até porque, apercebendo-se, poderia meter-me em chatices, quando é sabido até pagar para não as ter e nem de borla as aceitar !
A história, hilariante, conta-se em poucas palavras.
Deduzi-o ressentido ou ressabiado com as mulheres, mais propriamente com a mulher, de que se separara há pouco por motivos que somente mais adiante na noite percebi.
Curioso como todos os homens se julgam bons, os melhores, infalíveis e insubstituíveis quanto no que ao sexo oposto toca.
Mas a graça nem estava nisso, esses predicados são tão velhos como o pecado e jamais vi um desses pecadores emendar-se ou assumir as suas limitações.
Verdade que uma amiga me ensinou uma vez um velho provérbio feminino, africano, que rezava mais valer dormir com uma vara curta que sozinha.
O significado é evidentemente dúbio, atendendo a que o sonho de todas as mulheres poderá ser o de contrair matrimónio, e que para além disso, as africanas, poderão pretender providenciar meios de afugentar as feras que durante a noite as acossem…
Todavia parece ter sido essa a causa da desavença matrimonial do nosso amigo, não consegui perceber se por causa da vara curta, se por falta dela, se devido a feras a mais ou a menos.
Na dor, fragilidade e vergonha do abandono, é facto assente ter sido trocado por um jovem, e daqui em diante já sou eu fazendo deduções,...
Terá querido demonstrar não ser pau para deitar fora, ou ter mais onde se amparar, pois ter-se-á apressado a substituir a galdéria (palavras dele) atendendo a que, segundo o que ouvi com estes dois que a terra comerá, não ter demorado a sentir o orgulho numa nova conquista, (talvez a primeira que lhe apareceu diante), e, ufano e soberbo, recuperada que estava a dignidade ferida, inflava o peito e engrossava a voz. 
Acabam aqui as minhas deduções.
Entrecortada pelos borcos chafurdando na gamela do petisco, e as cervejas escorrendo garganta abaixo, a retórica prosseguia agora num rumo estético com o Madeira, pintor de uns quadros manhosos nas horas vagas e com os quais enrola os turistas, com tanta incapacidade para a perspectiva quanta para a estética, e não é ao acaso que a estética para aqui é chamada, sabido ser que a senhora eleita terá pelo menos mais meia dúzia de anos que o nosso personagem, e a quem, segundo o mesmo jurou, ama verdadeiramente e com quem pretende contrair pressurosamente matrimónio.
Que não, que ele não é homem para deitar fora, e a outra cabra ainda um dia se arrependerá, balbuciou entre dentes.
Pela descrição a senhora em causa até será um borrachinho, e boa como o milho, pelo menos assim a pintava ao Madeira, coisa em que acreditei piamente, pois nessas coisas um homem nunca se engana, julgava eu…
A minha surpresa começou aí, quando ele, endireitando-se repentinamente e estendendo os braços delineou no ar, com as mãos, o perfil de um violão!
Uau ! O Madeira até assobiou ! Revirou os olhos como que deslumbrado com a beleza da deusa descrita e aproveitou para emborcar mais uma!
- É pá! Não há fome que não dê em fartura!
- Olha que não perdeste em esperar pela demora! ... Disse.
- Esboçou um gesto obsceno e descendente com o braço, como quem o enfia numa manga de casaco, e calou-se imaginativo, passando a língua pelos lábios e a mão pelos cabelos.
- Pois… sabes, já lhe disse que era uma beldade, aquilo com umas plásticas ficava um mimo! O peitinho um nadinha subido, a zona do pescoço um tudo-nada esticada, uma operação dessas que fazem para sugar a celulite com uma seringa!
- É pá ficava mesmo nos conformes!
- Com umas marchas o rabinho havia de ficar que nem o de uma menina!
Eu continha-me para não me rir, antevendo a impressão causada na desditosa senhora, cuja pele ficaria tão esticada que ao rir levantaria um pé, mas sobretudo pelo efeito desmoralizador de tais propostas no seu amor-próprio, pois me parecia que seria mais fácil ao nosso personagem arranjar uma com as medidas e idade ideais, que submeter pessoa tão amada a tão desprestigiantes quão degradantes soluções.
Felizmente não tive que pensar muito nos aborrecimentos que todas aquelas sugestões teriam sobre a dita senhora.
O Madeira, rindo, arrotou duas vezes e saiu-se com esta;
- Pois pá!
- Tou a ver!
- E daqui a cinco ou seis anos "trocava-za" por outra!
- Mas para já ficava como aquelas bonecas insufláveis todas torneadas ao milímetro!
- O pior é que um dia tiravas-lhe o dedo do pipo e ela assobiava, dava-te duas voltas pelo quarto e saía disparada pela janela despejando-se que nem um balão!
Sustive o riso, surpreendido com o sentido estético e o humor do Madeira, deixo-vos simplesmente sem mais comentários!