segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

12 - SONHOS DESFEITOS...



Durante meses voguei em bem-aventurança por mares e oceanos.
Ventos felizes e arcanjos perspicazes uniram-se para, em harmónica simbiose darem corpo ás linhas que, na palma da minha mão, desde a nascença, nelas marcavam um rumo que, durante anos se mostrara para mim e para toda agente, incógnita insondável.
O mistério ter-me-ia sido desvendado quase cinquenta anos depois e, quando numa noite de insónia, me senti levado por prazenteiros sonhos, em canoa aparentemente imprópria para tão inesperadas viagens mas, à qual incompreensivelmente os Deuses concederam os desígnios com que, há séculos teriam prendado Ulisses.
Desta forma inesperada e peculiar marinhei incólume pelo mar da fantasia e p’lo oceano mágico do encantamento, sem que uma vaga sequer, ou um salpico ao menos, me tivesse marcado o rosto tisnado por tanta felicidade que recebi e aceitei mais incrédulo que extasiado por tão inusitada prebenda.
E foram meses atento ás vagas, ás correntes, aos sóis e ás luas de cada noite, numa perdição completa de mim mesmo e numa entrega messiânica e devotada a tão feliz sorte e incontável felicidade.
Jamais teria acreditado no que me sucedia não tivessem sido os cânticos por mim ouvidos, oriundos da beleza indizível de uma sereia baixinha que, por artes mágicas me foi atraindo e chamando a si.
Alucinado por este belo sonho me quedei em ilha mirífica onde o tempo não tinha fim nem principio, o espaço nem alto nem baixo, direita ou esquerda, e cada dia mais cônscio ser ali que desejaria viver e morrer, ainda que os dias não tivessem fim, apesar de recordar auroras indizíveis a oriente e um pôr-do-sol permanente e risonho a ocidente.
Foram tempos imemoráveis que nem sei a que devo a razão de não esquecer mas crer vivamente irrepetíveis, tal a felicidade fruída e que, por insuspeitas razões julguei eterna.
O inimaginável infinito é contudo prenhe de mistérios que o homem não desvendará nunca e, quando tudo julgava perene e imortal ilusão, senti levantar-se um vento medonho vindo das profundezas da minha alma já entregue e devotada, o céu escurecer por arte de negras e ameaçadoras montanhas de carregadas nuvens, as vagas erguerem-se em castelos terríficos que me agitaram o corpo e o ser numa inusitada cadeia de emoções a que os sentidos se mostraram incapazes de responder.
Exausto, vencido, quedei-me petrificado de terror no fundo da singela canoa, não compreendendo por que pecado estaria condenado, visto nem a mínima indulgencia me ser concedida, e, interrogando-me perante tão desgraçada quão breve morte a que a fúria dos elementos parecia destinar-me, já que mais que numa serena canoa, me parecia navegar em montanha-russa, atirado e batido, a cada vaga mais perto do fim, até que outra vaga maior ainda me acometesse, ora boiando num esquife malfadado que ao Adamastor tivesse tido a impertinência de acordar.
Incrédulo, cansado e assustado com a minha sorte e previsível morte, adormeci ou perdi os sentidos ante aquele terror mais vero que imaginado.
Recuperei os sentidos noite alta, mar chão, iluminado pelo que me pareceu o Cruzeiro do Sul que apreendi como sinal maligno de um fim próximo.
Uma vez mais me enganaria, tão depressa se fez dia que, vendo nos céus monstros de papel e aves plásticas sob várias formas e cores, me mirei duvidando da vida em mim, coberto de um suor frio, pingando em gotículas que os raios de sol transformavam em miríades de cores, tão admiráveis quanto as que a bela sereia reflectia quando, na praia maravilhosa para que me arrastara, as suas escamas sob o astro aquecia.
Então tomei consciência de que a minha hora ainda não chegara, pois aquilo mais não podia ser que um presságio benigno dos venturosos dias vividos, cuja lembrança me acalmou a par da bonança instalada, como que para recordar o valor prodigioso da felicidade gozada, pelo que por uma vez acreditei não ter sido em vão tanta meiguice, tanta doçura e ternura, tanto amor e ventura.
Sendo um indiscutível truísmo que só depois de perdidas as coisas nos mostram o seu verdadeiro valor e o alcance da perda, logo ali acreditei que tamanho susto mais não era que uma partida dos Deuses, para que jamais esquecesse a fortuna dos dias vividos ou a quem a devia.
Acordei em sobressalto, entre a noite alta e a madrugada.
Curiosamente chorava, contudo jamais saberei por quê.
Pelo sonho? Pelo susto? Pela perda?

11 - NÃO FUJAS DE TI...


Carregas sobre ti um céu demasiado pesado ?

Talvez, mas por certo carregas também a esperança.

Atenta ficas aos dias perdidos, passados, parecendo-te terem sido sempre iguais, eternos, símbolos de uma vida frustrada ? E, no centro dessa frustração, os teus anseios, eles sim a mais linda promessa de amor, vogando num mar de temores e incertezas, qual céu cujos horizontes te parecem inacessíveis ? Pois vê-te a ti como num espelho mágico e, verás que essas cores tisnadas, essa cara, o sorriso alegre e perene, não simbolizarão esse temor que carregas, crê.

Os julgas como fruto da frustração que alimentas ?

Não creio, antes os vejo como um convite a que a sensualidade que te é própria nos cative e envolva, nos prometa carícias, meiguices e ternuras sem fim, até que te sonhe, encostando ao teu o meu rosto, e o meu coração palpitando, se excite ao mínimo pestanejar desses olhos que, na tua cara, sempre sorridentes, me enleiam os sentidos, despoletam emoções e confundem o espírito.

Braços abertos, buscando, tacteando a libertação ? Não és livre ?
Mas se ninguém é !

Não temas, esquece as cores apesar de tudo carregadas desses traumas, dessas frustrações. Foi esse pormenor, a tristeza, o motivo de tão grande perturbação em ti ? Mas se a liberdade mais não é que um estado de espírito ! Alguma vez ponderaste ser a tua mente a culpada dos teus próprios medos ? Por que acumulas então em ti mesma, conscienciosa e deliberadamente esses receios ? Vejo em ti tudo quanto te recusas a mostrar, és de uma transparência impensável, e desnudada te vejo, e vejo, claramente, recalcados nesse íntimo, os teus temores e os teus traumas, agigantando-se para fora desse subconsciente que, sem que o saibas, diz mais sobre ti que um cartaz gigante à beira-mar plantado ! Cuidas tu que te resguardas ? Talvez, talvez creias que sim, mas não de mim, para quem o maior de todos os perigos para ti mesma és tu.

E de que te podes acusar ? Desse casamento estiolado ?

Dos teus sonhos frustrados ?

Que exijas dedicação, mimos há tanto esquecidos que só a mente já tos permita obter não é novidade para mim, não, nunca foi, mos contou gritando o teu silêncio, esse mesmo silêncio que te engana quando te diz que os anos já pesam, que a tua vez já foi, que as oportunidades te estão vedadas. Então, nada me admira que te fiques sonhando, entregue a ti mesma, sonhando novelas, almejando outras vidas que gostarias viver ou ter vivido. Garante-me que não é essa a razão pela qual, ansiosa aqui vens, aqui estás, espreitando o único mundo a que podes aceder para fugir dessa prisão em que te encerraste. Sedenta de atenção te vejo e, crê, terás que libertar-te desse refúgio dessa recusa de ti mesma.

Procura a esperança, faz com que as rugas, o peso e o corpo, os medos e receios, tu, acreditem que ainda existe vida e esperança. Não temas a tentação, o sonho, a ilusão, o amor, a paixão, a entrega, a dádiva ! Deita ao chão as barreiras que ergueste em teu redor, em tua mente, liberta-te desse mundo que temes, e o será cada vez mais se não ousares, e no qual inadvertidamente te fechaste, ou deixaste te fechassem. E não sabes agora como derrubar essas grades, esses traumas e temores? Desaprendeste de viver, viver de novo, viver, tão enleada nos teus medos ficaste ?

Leio em ti, sempre li, tudo quanto tentas esconder. Quanto mais escondes mais transparente te tornas. Acredita, não imaginas, nem sonhas, quanta tralha vejo recalcada no teu íntimo, rodeada de teias de aranha e ferrugem, como antigas peças espalhadas pelo chão terroso de um qualquer antiquário, cujos passados adquire para vender como futuros, futuros de que nem te apercebes mas não serão teus, nunca serão, o futuro faz-se, não se compra, por isso vês o teu como se um peso, um estorvo, uma impossibilidade e, tentas nesse mercado de velharias encontrar outro, mais promissor, mais liberto, mais conforme, mais teu, mais tu. Todavia, ainda que não creias, foste tu a obreira da prisão contra a qual agora te debates, e eu, sim, dar-te-ei a mão, ajudar-te-ei a saltar. Quem pretendes enganar quando comigo falas ? A ti certamente.

A verdade é que não encontras modo de te libertar não é ?

Não és única, quem me dera aí, em cada momento, ter ocasião de abraçar-te, envolver-te em meus braços, beijar-te ardentemente, longamente, e, porque não, amar-te aí mesmo, amar-te não com a violência que em mim provocas, mas devagar, somente com esta vontade que em mim encerra a urgência de desejos reprimidos, calados, contidos, num delírio que nos elevasse bem mais alto que os sonhos que partilhamos. Provar-te que te quero, te desejo, que és mulher, que és bonita e gostosa. Que são no caso os tantas e tantas diferenças e obstáculos que nos separam ? Como não lembrar-te se te desejo ?


E é grande o desejo, agora que pressenti o lacrimejar dos teus olhos, que neles me enleei, que por eles perdi os sentidos, a noção de espaço e de tempo, recolhe-te nestes braços abertos, para ti, vê a esperança, a liberdade, poderás ser de novo livre, de novo senhora de ti, não temas, vem a mim, afasta para longe traumas e receios, isto não é um sonho, nem ilusão, é a minha resposta aos teus medos, vem, deixa que te ame, deixa que te abrace, ainda é possível, tem coragem, crê.