domingo, 4 de julho de 2021

719 - MARTELO, MARRETA, E MARRETADA …

 

 É Natal e como sempre faço um balanço do ano que termina. No que a ti toca notei desvanecendo-se entre nós uma amizade que prometia, as tuas notícias são agora mais espaçadas e mais raras, como de quem já nada espera deste lado e pensará, muito justamente,

 

- Isto foi chão que já deu uvas.

 

Tu tens razão. Eu tenho culpas.

Dá voltas e voltas a vida e, quando pensava dar uma à minha, quando me preparava para monopolizar o teu sorriso permanentemente alegre e contagioso, quando contava com a tua eterna simpatia, empatia, e meiguice, quando sonhava pentear com os dedos os teus lindos cabelos em perene desalinho, abraçar-te, pousar o queixo no teu ombro, meter as mãos por baixo dos teus braços e sentir nelas o um coração batendo tanto quanto o meu, quando os dois, olhar fixo no horizonte sobre as ameias do castelo, colado a ti, a minha face na tua, tu aninhada num abraço sem fim protegendo-te do vento, do frio e dos olhares enquanto sonhava ver-nos flutuando sobre o espelho de água do Alqueva, até aprendermos a voar juntos, a flutuar juntos, uma, duas e muitas vezes, sempre. Todavia contive-me, para que não viesses a julgar-me oportunista, aproveitador, sacana ou traidor.

 


Eu lembrando uma manhã azarada e cumprindo palavra e promessa dadas ao Gouveia, morrendo no meu colo clamando p’la mãe, chorando a Fátima, forçando-me a juras que demorei quase cinquenta anos a cumprir, não esquecendo ter nessa mesma tarde tido a minha sorte ou o meu azar e quase o acompanhar. Não fora ela e hoje não estaria aqui sonhando-te, rangendo os dentes de raiva por o destino se ter atravessado no meu caminho quando menos esperava e p’ra ti já apontando, nada mais me restando que lembrar-te com carinho, o mesmo carinho que em ti encontrara, que de ti esperava e cuja perda me deixou em desespero.

 

Com inusitada frequência olho as tuas fotos, para que se não esfume em mim a imagem de alegria eterna que em ti vive e de ti guardo na memória pois dizem que na velhice é dela que nos alimentamos, de algum café, e pouca coisa mais… Deus te guarde assim alegre até ao fim, apesar das desilusões, dores e padecimentos que certamente também terás sofrido. Como daríamos valor aos bons momentos se não pudéssemos compará-los com os piores ? Na sua infinita sabedoria Deus deu-nos tudo, para que tudo possamos valorar e apreciar, comparar, e discernir.

 

Guardo comigo um lenço grande, comprido e colorido o qual por vezes bem apertado enrolo ao pescoço, como se alguém me abraçasse e, enquanto a caldeirada esfria, fecho os olhos e abandono-me absorvendo o seu odor. E sonho.


Há sonhos lindos. Há sonhos que podiam ter sido lindos.


Nunca esquecerei.