segunda-feira, 22 de julho de 2013

153 - MEXERICO À LA PLAGE .............



É justo o Justo. Para mim tem sido. Já a mãezinha que Deus tem gostava dele apesar de não muito falador, não muito simpático e, se quero ser sincera, nada prestável.

Tantos anos de vizinhança no prédio e nunca foi capaz de um deixe D. Emilia que eu levo, eu ajudo, ou deixe estar que não me incomoda estou de saída e largo ali no contentor.

Na verdade nem um olhar mais demorado ou um sorriso esboçado. A má fama que o homem tinha no prédio não era de todo desmerecida não.

Parece outro agora. Todo salamaleques para aqui e para ali, todo mesuras, todo ai não me toques, embora pessoalmente não tenha razão de queixa que a mim não deixa ele cair no chão não !

Quem o viu e quem o vê. Mas andou muito em baixo quando da morte da D. Bárbara, coitado.

Dava pena. Para ser sincera dava pena. Está bem que não era homem que suscitasse simpatias mas sempre bem escanhoado, sempre bem aprumado, um homem que dava gosto ver. Não que alguma vez tivesse pensado nele Deus me livre que sempre fui uma mulher recta.

Mas doeu-me quando depois da D. Bárbara o vi tão atormentado, até mais baixo me parecia o raio do homem. Arrastando os pés, uma ou duas vezes me pareceu que de combalido até os pés arrastava, o Senhor tenha piedade.

Foi numa dessas ocasiões que nem sei como foi que eu, sempre tão recatada, me não contive e lhe atirei um: – Então senhor Roberto, a vida não pára meu vizinho, tem que arranjar forças !

E não é que arranjou ?

Agora mesmo antes da D. Lurdes chegar largou a toalha deu uma corrida e entrou na água que nem peixe e pôs-se ao largo com meia dúzia de braçadas ! Não lhe perdoo é a areia que me largou em cima com a arrancada à Carlos Sá, quando voltar vai ouvi-las vai que eu não sou a D. Bárbara.

Mas contava-lhe eu aquilo foi fogo no rabo do homem. Não sei se levou a sério ou não o que lhe disse mas a verdade é que arrebitou.

O que sei é que desde aí nunca mais esqueceu um bom dia D. Emilia, passadas duas ou três semanas já era Mila para cá e para lá, e deixe que eu levo, ora essa eu carrego, e foi assim que me acudiu à torneira que pingava há anos e me punha os nervos em franja que o meu Álvaro é a coisa mais desleixada que eu já vi, era, que agora até me arrepio só de pensar no estupor do homem e nos anos que o aturei.

Já a mãezinha que Deus tem não gostava dele, apesar de muito falador e muito simpático.

Há coisas que a gente não vê logo não é ?

Nem sei onde é que eu tinha a cabeça.

O Roberto é muito diferente. O outro nunca, pelo menos que eu me lembre, e o Roberto agora é Milinha a toda a hora Milinha isto Milinha aquilo que ás vezes até tenho medo que o santo e bom do homem me gaste o nome.

Mas foi assim, depois da mãezinha falecer.

Já reparara que era jeitoso quando do pingo da torneira, depois calhou o frigorifico ter parado de fazer gelo, e o meu Álvaro que nunca estava em casa quando fazia falta, um dia quando mudava a lâmpada ao candeeiro da mesinha de cabeceira sentiu-se mal, eu aflita D. Roberto não me assuste, senhor Roberto vou-lhe buscar um copo de água deite-se aqui que é o meu lado que eu já lhe trago a água, não faça mais esforço por amor de Deus e deixe-se ficar tapado vizinho Roberto que não há problemas, o Álvaro só vem na sexta feira foi para a Bélgica levar uma carga, ainda me lembro como se fosse hoje, era segunda feira de Carnaval e sexta feira logo de manhãzinha o Roberto pegou nas coisas dele e foi só atravessar o piso para o lado dele, levava outras cores, nunca mais perdeu aquelas cores nunca mais uma aflição daquelas, era qualquer coisa de tensão baixa, ou alta, faz medicação diária mas nunca mais uma crise, nunca mais falta de ar nem uma ameaça de desmaio, e aquelas cores que lhe vê desde que as ganhou que as não perdeu e é isto, uma corrida um mergulho umas braçadas e parece que tem menos vinte anos, ao Álvaro já não suportava o hálito a bagaceira ordinária, a esse a crise arrumou de vez, primeiro foram as prestações do camião a ficar por pagar depois o andar, um dia cheguei a casa e tinha vendido a mobília, passadas semanas os fiadores ficaram-lhe com o andar, nunca mais vi o camião na rua e o que me valeu foi o Roberto, deixa lá Milinha deita-te aqui que é o meu lado, olhe filha para mim esta crise foi uma oportunidade e apesar de tudo e daqueles bandidos do governo a reforma dele tem-se aguentado malgrado os cortes, estamos ali naquela vivenda da marginal, alugámos um quartito duas semanitas e olhe ele vem aí desculpe tenho que me arranjar que ele marcou mesa na marisqueira e detesta que o façam esperar quando mete cerveja e sapateira.



…