quarta-feira, 2 de março de 2016

318 - A TINA, EU E POLANYI NO MERCADO..........



Polanyi de seu nome, penou as passinhas do Algarve e correu seca e meca durante os seus setenta e oito anos de vida. Simpatizante de ideias socialistas, revolucionárias no tempo em que viveu, esses tempos não foram rosas senhor, fora obrigado a fugir para Inglaterra por ser judeu, donde pulou para os EUA, aí professando até eu ter nascido, mais concretamente na Universidade de Columbia. De regresso à sua Hungria natal mal teve tempo de matar saudades, morreu comemorava eu os meus onze anos, sempre fiel a si mesmo e à sua visão do marxismo, que estudou a fundo, ou não se chamasse Karl, não Karl Marx, nem Karl Bond, Karl somente. Karl Polanyi.

Em, certa medida fui seu contemporâneo, pelo menos até aos meus onze anitos, com a diferença que todo um mundo nos separava, ele já então sabia tudo, e por isso se tornou perigoso. Eu, que não sabia nada e cuja ignorância e estupidez, inofensivas para todos que não eu, vivi, foi-me permitido viver, longe de, a seu exemplo, contestar as teorias económicas que faziam furor, moda, e se tornavam lei num mundo que a América tinha vencido, subjugado, um mundo em que a vitória colocou nas suas mãos todos os despojos e todos os direitos, adquiridos e por adquirir, incluindo os do passado e do porvir.

Com a sua parca participação na IGG e as vantagens daí arrebanhadas os EUA acordaram de um torpor secular e bocejavam ainda quando, contra sua aparente vontade, se viram bafejados com o envolvimento na IIGG, que haveria de provocar a explosão das suas indústrias (não das suas fábricas) e do sistema e centro financeiro de Wall Street que se tornou de dimensão mundial.

Ao contrário do “orgulhosamente sós” do nosso salazarento Salazar, a América foi compelida a abraçar o mundo, para além do dispositivo militar que entretanto entretecera em redor do globo, herdou de mão beijada as possessões do velho império vitoriano da GB e nunca mais teve mãos a medir. Talvez um dia se faça ou se publique a história do minuto em que, para pagar à América as suas dívidas de guerra, a GB lhe entregou tudo de mão beijada e numa salva de prata, de posses a possessões e entrepostos por todo o mundo, a uma dívida colossal que acabou de pagar somente há meia dúzia de anos, e de milhares ou milhões de patentes e descobertas ou avanços no campo cientifico, que chutaram a América para os píncaros e remeteram a GB para o fim da fila. Assistindo a tudo isto Wernher von Braun sorria e coçava com uma varinha, que metia entre o gesso, o braço que tinha partido.

Como se não bastasse a apropriação material do globo, a nível teórico e na esteira de David Ricardo, Adam Smith, Quesnay, Keynes, Milton Friedman e Hayek, as teorias económicas foram perfilhadas por este mundo cuja imagem os EUA delineavam em bloco, contra Karl Marx e o seu pensamento teórico dialéctico e, naturalmente contra o bloco oposto, o soviético, onde uma tentativa profunda do marxismo se tentava (tentou) pôr em prática.

Neste contraditório caldo de cultura entre dois blocos nada mais tinha permissão ou ordem para sobreviver, tendo sido devido a esse abstruso planeta que o pensamento económico teórico de Polanyi não teve lugar, de um lado apertado pela ditadura conceptual de mercado que se instalava, do outro empurrado derivado do facto de nele não existirem mercados mas apenas factores de produção de um só dono, estatizados. Num mundo criado assim não admira que, como diz e muito bem Jean-Pierre Lebrun: "O homem contemporâneo não saiba o que é desejar, saiba só o que é consumir".

O pensamento de Polanyi, o primeiro que gritou bem alto por liberdade, é muito fácil de resumir, defende ele que milhares de anos de história humana haviam criado a necessidade de trocas, necessidade de uma economia incipiente e gerida por reis e senhores, submetida a normas e regras que essas dinastias, realezas ou senhores definiam, regras claras que até o conjunto de anciãos de um qualquer clã ou tribo estabeleceria para uma vivência harmoniosa, sendo a partir delas que a economia se processava, não ousando expandir o seu caudal para fora dessas margens ou desse leito. O “homem, ou os homens” ordenavam e comandavam, o que do ponto de vista antropológico, sociológico, psicológico, da história económica, da teoria económica e da epistemologia não pode ser contraditado, a lei dos homens comandava as trocas, o comércio, a economia, o mercado ou os mercados. Não existia para Polanyi uma esfera económica separada da sociedade, e eram ainda motivos humanos, mais que humanos, a ditar a lei à qual os mercados deviam obediência, a que tinham que sujeitar-se.

Hoje sabemos como é, ou como são as coisas, e sim, é verdade que existe interdependência e competição entre produtores, entre fornecedores, entre empresas, entre países, nos preços, nas economias, mas o seu reconhecimento não obriga ao jugo do jogo dos seus resultados, das suas interdependências, das suas competições e que passaram a dominar o “homem”, a dar-lhe ordens, a submetê-lo, é a célebre T.I.N.A. de que tanto temos ouvido falar nos últimos tempos. TINA, acrónimo do inglês para There Is No Alternative (em português, 'Não há alternativa'

Claro que há e sempre houve e haverá alternativas, enquanto país Portugal nem seria um bom exemplo para este texto ou este caso, falhámos o mais básico bom senso governativo, demos o flanco, as costas e o cu, e queixamo-nos que nos caíram em cima. Não soubemos criar nem manter nem sequer defender os centros de decisão nacionais e agora tudo desaba, tudo se transforma em centros de destruição nacional, somos tacanhos e desajeitados, incompetentes e irresponsáveis, amaldiçoamos tudo em que tocamos ou em que nos metemos, é a TAP, é o NOVO BANCO, são os milhares de lesados dos vários bancos e os dez milhões de lesados dos desgovernos que há quarenta anos nos lixam devido a uma ignorância extrema, a uma falta de cultura confrangedora e abissal e que, como uma vez mais se confirma no caso do despedimento de mais 1.000, mil de uma assentada, não sabem resolver um problema, solucionar uma equação, fazer uma projecção, alinhavar uma previsão, tentando enfiar no momento e com os pés uma linha numa agulha e, cereja no topo, vem o presidente do sindicato dos trabalhadores do fisco exigir que se acabe com o sigilo fiscal, talvez temendo pelos seus ordenados ao fim do mês, pois o levantamento desse sigilo devia ter sido exigido há mais de trinta anos, e o que o país precisa neste momento não é de mais mecanismos sanguessuga, mas sim que se trabalhe, que se invista, se produza, se mobilize tudo e todos à volta de verdades tão comezinhas quanto a necessidade de trabalhar, trabalharmos todos, mas nisso ninguém pega, ninguém apregoa ou exige, não dá votos...

Passamos o tempo a criticar os mercados que sim, que tomaram uma dimensão supra humana que já Polanyi denunciava e criticava, mas cometemos todos os erros e mais alguns dos que os mercados agradecem e passamos a vida a discutir o acessório, enquanto o essencial vai ficando para as calendas gregas. Criticamos a sociedade de mercado, a economia de mercado, esquecendo que para lhe sobreviver ou poder ditar-lhe leis não podemos sucumbir, precisamos de força, de argumentos, de trunfos na manga, de independência, de ser vencedores, alguns povos são-no, conseguem-no, por que não nós ? Irracionalmente, nós portugueses preferimos deixarmo-nos “comer” pelos famigerados mercados, pelas desumanas leis dos mercados, a pior delas o medo da fome ou a esperança do lucro, e depois queixamo-nos de ser uns deserdados da sorte…

Não defendo que nos deixemos conduzir exclusivamente por motivos materialistas, mas que não os ignoremos, eles existem, e esfolam, e matam, é essa a lógica absurda dos mercados que, por causa da dívida nos sugam até à exaustão o que conduz à incapacidade de pagarmos a dita dívida.

A racionalidade dos “mercados” está inquinada, terá que ser o “homem”, a sociedade, a mandar neles e não o contrário, é essa a posição que Polanyi defendeu cedo e a horas, e com unhas e dentes já lá vão setenta anos e pela qual o calaram... Os mercados não têm olhos nem alma, o homem sim, e a voz de Polanyi era tanto mais inconveniente quanto mais os mercados se implantavam a nível mundial. Essencialmente após a IIGG a teoria económica ou as várias teorias, instalaram-se de armas e bagagens aproveitando o vazio critico deixado pelos pensadores existentes, ou sobreviventes, e estabeleceu-se como que uma conspiração hipercrítica dos que reivindicavam a moral ou o primado da acção politica, cujas forças definharam permitindo o avanço cego do efeito cilindrante da concepção conceptual (desculpai-me a redundância) das teorias e leis económicas dos mercados, perante as quais a justiça, a liberdade e a lei claudicam cada vez mais tornando-se insipidas.

Ora das sociedades antigas faziam parte a justiça, a liberdade e a lei, que agora perdem força ante o avanço inexorável das leis dos “mercados”, inumanas, impessoais e cegas, pondo em causa desde tempos imemoráveis o fim último dos estados, o qual deve ser a defesa da rectidão e da justiça, da liberdade, e nunca a protecção dos anónimos ou identificados interesses económicos que se escondem por trás da aparência dinâmica ou moderna mas depredadora dos mercados cuja mão, visível ou invisível, vai muito além da manutenção de uma economia saudável.  

Tenho para mim que o homem é um animal racional do mais irracional que há, e nesse particular estou mais próximo de Thomas Hobbes que de Carl Menger, Portugal tem que encontrar alternativa à T.I.N.A. e tem que se tornar um estado tal qual Hobbes o preconizava em 1651 no seu célebre “Leviatã”; “os estados precisam de um poder absoluto que evite que os humanos se destrocem uns aos outros como uma alcateia de lobos famintos”. Salazar, e talvez Marcelo, o Caetano, sabiam isto, os de agora não sabem nada de nada… Temos que gritar liberdade como Polanyi, mas para isso temos também que nos desfazer do peso do passado, das dívidas, dos preconceitos, da ignorância e da estupidez… 

(e tu que achas Pacheco ??? :D :D :D kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk)

Pintura de Alon Gabbay