domingo, 22 de maio de 2022

SÓ UMA PROFESSORA MAIS, SÓ MAIS UMA ?

           


769 - SÓ UMA PROFESSORA MAIS, SÓ MAIS UMA ? *


Chutei, como se os corresse a pontapé, uma dezena de livros de diversos autores políticos com que esbarrava amiúde e vulgarmente me estragavam o dia, a noite, ou pelo menos o momento. Uma insinuação de gripada que me assaltou com os frios trazidos e uma neura inconfessável que leva já quase um mês de duração, quebraram-me toda e qualquer disposição para o que quer que seja, ou fosse.

 

 A ameaça de gripada tem sido tratada com mezinhas caseiras, muito medronho, ou ponche, em canecas bem quentes e cheias, e idas bem cedo para vale de lençóis de modo a suar bem e expurgar o maligno. A neura, essa, duvido que algum dia me passe, mas isso são contas de outro rosário.

 

 Meto-me na cama normalmente com um livro, adoentado ou não, é hábito velho que duvido alguma vez abandone, a minha gata não preciso chamar, muitas noites mal me estendo e já ela está a meter-se pela roupa aconchegando-se a meus pés. É um amor aquela gata, e como não morri após tantos anos de fumaça, não será ela a acabar comigo decerto, para mais vacinada e tratada a tempo e horas, cuidado que nem comigo mor das vezes tenho.

 

 Na balbúrdia da minha raiva, tirei ainda a tempo do lixo, um livreco que andaria pelas estantes há uns bons quinze anos, inacreditável mas vero, vos afianço. Não estivesse eu a extrair dele uma leitura tão ternurenta e confesso nem me acudiria ao espírito dar-vos conta deste corriqueiro pormenor que, aparentemente, vos interessará tanto como aos anjinhos.

 

 No momento em que professores e professoras, mantêm com as ministras uma tão áspera refrega sobre a avaliação, a descoberta desta obra de Luísa Dacosta, “Na Água do Tempo” – Diário, Quimera, 1992, e que congrega notas suas, dispersas, desde os anos cinquenta e creio, de toda a sua vida de docente do ensino básico, caiu que nem mel na sopa.

 

 Antes de mais deixem-me que vos diga denunciarem as suas notas uma inteligência, sabedoria e intuição e sensibilidade extremas, coisa que sobremaneira aprecio numa mulher, de raro que a coisa me é dada a observar. Dos homens nem falo, se fosse para vos falar de estupidez ficar-me–ia por mim e teria sobejamente matéria mais que suficiente, também fui professor e nunca pensei aligeirar as culpas que carrego.

 

 Mas esta mulher transpira ternura, maternidade e doçura por todos os poros, o que deixa transparecer ter antevisto muito, e descrito ainda mais, tanto tempo antes de muitos de nós, coisas com que por vezes nem sonhámos, o que se torna simplesmente desarmante. Os relatos de episódios das suas aulas e da sua vida, modo de ser e mentalidade, avivaram na minha memória a presença da D. Cristina, minha professora primária em S. Miguel, ou melhor, Regente, e de quem guardo igualmente gratas recordações.

 

 Muito mais que a trampa de livros de pedagogia e didáctica que me forçaram a ler, "professorezecos e zecas" que nem consigo lembrar, mais valia que este livro tivesse sido de leitura obrigatória no decorrer dos cursos de ensino, pois que não ensina, mostra, não desfia regras e normas, forma, não venera teorias e abstracções idiotas, educa. Que pena não ter aqui e agora para a conversa a minha amiga Petra, também ela professora do básico, e com quem de quando em vez me alargo em conversas sobre o vasto campo de acção do ensino de criancinhas de sonho, como ela lhes chama.

 

 Voltemos à Luísa Dacosta, cuja existência ignorava mas agora conheço de cor e salteado, também graças à Net, Luísa a quem humilde e decerto tardiamente deixo o meu agradecimento e testemunho, pela pessoa que é, pelo tanto bem espalhado sem esperar daí mais que a grata recompensa de se saber útil aos demais, pela consideração que com a sua postura fez reflectir sobre todas as mulheres mas, e sobretudo, pelo amor inquestionável que fez verter da sua vida e com o qual tantas crianças terá abençoado.

 

 Eu dar-lhe-ia nota vinte, mas nem imagino como com este modelo de avaliação seria ela classificada.

 

 Afinal esta ameaça de gripada teve para mim uma vantagem notória. *

 

Mas o resto?

 

  Ai o resto!

 

 Que merda de vida…

  Nota: * Texto já publicado em 23 de Fevereiro de 2011 com o nº 25 


domingo, 15 de maio de 2022

CAFÉ CENTRAL, LITERALMENTE ROUBADO !




TEXTO 768 - CAFÉ CENTRAL, LITERALMENTE ROUBADO !

Sim é verdade ! Sábado fui mal servido e literalmente roubado ! Sábado, 14 de Maio, depois de semanas a tentar finalmente conseguira mesa. Tentava demonstrar a um grupo de amigos por A + B, pela prática, pela experiência, que a nossa gastronomia era da melhor que se pode encontrar e aquele local estava marcado há muito tempo.

 

Muitos restaurantes eborenses, sem que o saibam, são verdadeiros embaixadores d Évora e do Alentejo, como o S. Domingos onde almoçáramos no sábado anterior, um templo de recato, boa mesa e comedimento nos preços. Um de muitos e bons exemplares que felizmente abundam na nossa urbe. Mas desta vez não foi o caso, não nos deparámos com um digno embaixador, antes com um terrífico assaltante ou espoliador.

 

Azar meu, ou nosso. Fui ou antes fomos, muito mal servidos e literalmente roubados ! Pratos mal confeccionados. Gordurosos, a carne queimada, muito pouca carne diga-se, mal escolhida e sobretudo mal cortada. Optáramos por "Carne de Alguidar Com Migas de Espargos" mas aquele prato envergonhou a cidade inteira. Servido com frieza, com indelicadeza, nem ficámos para as sobremesas. Paguei caríssimo por uma porcaria que com dez euros estaria exageradamente bem paga, fui, fomos  literalmente roubados !!

 

Salvem-se se puderem !! Afastem-se dali, fujam do restaurante Café Central na Rª do Raimundo, lugar que, quanto a mim mais não é que uma autêntica armadilha para assaltar turistas desprevenidos !!! No Algarve faziam o mesmo há anos, mas ali ao menos poupavam os conterrâneos. Aqui vai tudo e vão todos arrebanhados na ganância de quem explora o lugar.

 

Rico embaixador ali temos, mas da cupidez que varre o país de norte a sul….  Naturalmente deixei critica azeda no TripAdvisor, espero poupar dissabores a alguns incautos….

 

Porra !! Cobra lagarto lagarto !!!!!!!!!!



                             

segunda-feira, 2 de maio de 2022

767 - O AMIGO QUE SE FOI DEMASIADO CEDO ...




Nem sei por que carga de água o lembrei. Não sonhei, lembrei-o amiúde todo santo dia. Sonhar não que raramente ou nunca sonho, embora quando o faço, o faça quase sempre a cores.

 

Talvez por ter reparado numa velha fotografia onde ele nem estava. Lá surge o Freire, o Fadista, o Espanhol, o Coelho, o Mariano, o Manel, eu próprio, a Luisinha, a Clara, a loirinha das tranças que andava com o Quintino, a Nani e até a Fany do Barnabé, e a Dora, todos num preto e branco a desmaiar para sépia nessa foto com cinquenta anos ou mais. Todos menos ele, o Salpico, que ali estava sempre e ali parecia morar.

 

Não morava ali mas morava perto, num monte estranho por ter no entretanto ficado no meio de um bairro que parecia ter crescido à sua volta, monte que nunca fechava a não ser no trinco e cuja ombreira depois do ultrapassada confirmava os seu estoicismo e vida de espartano, coisas que nesse tempo nem conhecíamos pelo nome mas lá estavam, atestando desde que resolvera viver sozinho o seu carácter, e uma personalidade em formação, em ascensão. Recta, rectíssima.

 

Motard, como todos nós, lembrei-me uma vez ante os apelos dos indianos em Mem Martins, de lhe levar um candeeiro propagandeado como miraculoso, moda na ocasião e que, depois de armado deu uma enorme Dália pompom amarela, por sinal a única nota dissonante mas positiva, colorindo de alegria o casebre que o monte parecia.

 

Lembro bem falávamos muito, falávamos demais e eu devia ser um bom ouvinte, coisa que já não sou, falta-me paciência para tolos, mas tinha-a na época e em especial para ele, que de soldaduras se erguera a administrativo, mercê de estudar, estudar tornara-se para ele o alfa e ómega da vida, diariamente deslumbrado com as peculiaridades de física, da química, da biologia, da matemática, da geometria, da história, e que comigo se abria numa admiração tardia e natural pelo trabalho dos Engenheiros para quem soldava, vãos de pontes e o que calhava.

 

Não sei o que teria sido dele se tem continuado apaixonado pela vida, pelo saber, pelo estudar, pelo mundo que se lhe abria e o deixava estupefacto.

 

Meses sem vir a Évora e num torna-viagem encontrei-o casado com uma Mariana, para no torna viagem seguinte a encontrar internada no hospital do Espírito Santo, onde escassos dias depois viria a falecer, não sem antes lhe deixar um rebento, uma nova razão para a sua vida atribulada. No torna viagem seguinte soube ter chegado a vez dele, e nem tal prevíramos não tão pouco nos despedíramos.

 




A vez dele chegara. Chegara como chegara ao longo da meia dúzia dos últimos anos ou pouco mais a morte do Zé Pica, do Neves, do Piteira, adorador de bólides e se apresentara cá com um Alfa Romeo 2500 V6, uma bomba, adorava conduzir, era condutor de um autocarro escolar em Andorra. Mas este Piteira acho que se suicidou, não morreu, matou-se, por quê nunca vim a saber, morreu pronto, um amigo a menos. Morreu como morreu depois do seu amor, a Fany, o seu primeiro amor. Não há amor como primeiro, dizem. Ver desaparecer os amigos è das coisas mais difíceis para mim, assim foi também com o Palmeiro Palma, o Torrinhas Lopes, o Xico Inácio, a Sónia, o Alberto Ferreira, o Jimy (Figueira), o Cebolinha, o Fernando, e tantas e tantos, cada um uma mágoa no coração.  

 

Com a idade compreendi melhor o Salpico, o estoicismo e a sua ou qualquer outra razão para ser espartano. Com o tempo descobri que também eu o era, e talvez tivessem sido essas particularidades em nós que então nos aproximaram. Eu descobri-me aos poucos, e aos poucos descobri ser a vida é como quaisquer anos lectivos não é ? Primeiro período, segundo período, terceiro período, ano pedagógico, anos complementares, 11º ano 12º e por aí acima ou adiante, não será ?

 

Ainda vou no tirocínio desta vida, como soa dizer-se. Estamos sempre aprendendo né ? Nós todos, e não somente quantos se encontram naquela foto com cinquenta anos ou mais, num preto e branco a desmaiar para o sépia.  Só não sei porque de forma recorrente e ultimamente me venho lembrando tanto do Salpico, talvez por o saber completamente desiludido com tudo isto se fosse vivo.

 

 Deus o tenha em paz e na sua companhia.

 

 R. I P.