terça-feira, 14 de julho de 2015

252 - A PRIMA DO RIBATEJO ....................................


 A insistência com que fora convidado surtira efeito e não apareci. Na verdade são raras as vezes que, em ocasiões semelhantes apareço, e se lá sou visto podem crer que somente por nada haver de mais interessante com que me entreter. Detesto fingimentos e falsas homenagens, tanto quanto ambientes mórbidos, mais a mais dois meses atrás estivera com ela.

Uma marca de vinhos da terra e uma cervejeira muito conhecida, tinham apoiado amplamente um churrasco organizado pelo moto clube local, como não podia deixar de ser fui incapaz de decepcionar os amigos e lá estive de corpo e alma, que ao fim do dia mais pareciam Procústeo tentando à força conciliar o impossível, todavia mantiveram a simbiose.

O Galhardas foi visitar o padrinho, eu aproveitei a boleia e atrelei-me a ele, foi lá que falei com ela, a quem já não via há uns bons anos e de quem só guardo gratas recordações. Reconheceu-me mal me viu a silhueta entre portas e de imediato largou um dos seus sorrisos mais francos, daqueles que eu sempre tomara por inocência e ingenuidade puras. Os seus olhos e o seu sorriso eram inigualáveis e bastava-me olhá-los para me sentir de novo amado, acarinhado, mimado, criança.

O carinho dela cavara mais fundo em mim que qualquer outro e as muitas semanas e por vezes meses que passáramos juntos jamais foram apagados pela distância dos anos. Ela estava sentada, melhor, refastelada num dos sofás da sala e eu puxara uma cadeira para a sua beira. Agarrara-lhe as mãos, que até ao fim da conversa, ou antes da visita, não larguei. Estavam extremamente macias, extremamente leves, extremamente magras, era contudo o mesmo o calor do seu toque, um calor de que nunca me esquecerei.

Falámos de imensas coisas, da vida, do passado, do presente e do futuro, tomámos consciência do natural que seria não voltarmos a ver-nos, pelo que o melhor seria fazer naquele momento as espedidas. Jurei-lhe que mulher alguma me acarinhara como ela, e que nem o seu colo esquecera. Rimo-nos de quando ouvíamos juntos, por motivos diferentes, as radionovelas raianas, ela por querer saber se Dolores e Marianito cumpririam os laços, eu porque aquele linguajar estranho e contudo parecido me absorvia com a música do seu palrar, foi quando ela, entre gargalhadas e sorrisos me confidenciou que se apaixonara pelo tio Domingos por o ter achado desde sempre muito parecido com aquele Mariano da radionovela.

- Enganei-me querido, o tio Domingos saiu-me muito diferente e bem melhor que o tal Mariano.

Vieram-me as lagrimas aos olhos e calei-me, esperando oportunidade para mudar o azimute à conversa.

- A verdade filho é que, continuou, eu sonhara amiúde com esse Mariano apesar de nunca o ter visto, porém um dia fui a um funeral e bem a meu lado lá estava ele, o tal Mariano sonhado, bem mais alto que eu o sonhara. Agradeci a Deus ter dado corpo ao meu sonho e ideal de homem perfeito, e durante o resto do velório nunca deixei de o prendar com o sorriso dos meus olhos, que aspergiram sobre ele todas as promessas que o Senhor, na sua infinita sabedoria, me aconselhou e consentiu. 

- Foi um milagre filho, menos de quinze dias depois estávamos vivendo juntos e nunca eu imaginara que tal homem viesse a fazer-me tão feliz. O Senhor Deus tenha bem guardada a sua alma. Verdade que não conheci muitos, mas também nunca conheci nenhum como o teu tio Domingos.

- Isso não é nada tia. Também eu tenho uma experiência que nunca contei a ninguém. Há cerca de quatro anos sonhei duas noites seguidas com uma mulher que nunca vira na vida. O ano passado fui a um funeral de uma prima em terceiro grau, que morava no Ribatejo. Quando o corpo desceu à terra olhei em frente e lá estava a tal mulher, sorridente, que vim a saber ser amiga da minha falecida prima, e muito rica, riquíssima. Um primo deu-me uma cotovelada e segredou-me; ainda te hei-de ver casado com aquele pedaço Baião... Então não é que era precisamente no que eu estava a pensar ? Explicações, não tenho. Levei a "coisa" para a brincadeira, mas a verdade é que depois disso tenho sonhado imensas vezes estar ao lado dela num altar. O cérebro é uma máquina que ainda não conhecemos na totalidade tia, nem nunca conheceremos...

- Eu nunca gostei de funerais filho, para ser sincera não gostar é pouco, sempre os detestei, do ambiente de meia-luz ao cheiro das velas, ao convívio artificial, à incongruência dos presentes. Já viram num velório dizer de qualquer morto o filho de puta que ele era ? Espero nem te ver lá quando chegar a minha vez querido. 

Mais que uma despedida, ou uma última homenagem aos mortos, parece-me tia que a reunião e presença num funeral é mera catarse aos vivos, a homenagem seria quando muito dedicada aos familiares mais próximos, como se fosse medalha atribuída a título póstumo ao falecido, coisa que a maioria não merecerá. O consolo será pois ágape a repartir entre os lamurientos presentes, e a nossa presença isso mesmo, isso e uma atenção, ou consideração, ora sucede que não tenho por hábito consolar qualquer um ou distinguir com a minha presença e consideração quaisquer que a reclamem, isso é assunto de minha lavra, e que concedo a bem poucos.

Mas despedimo-nos ali, porque noutra qualquer ocasião o mais certo seria que não pudéssemos fazê-lo, por isso lhe disse ter sido uma mulher muito importante e marcante na minha vida, a primeira que amara sem que nada a isso me tivesse obrigado, nem o sentimento nem o dever, apenas o coração. Senti que tentava apertar nas suas as minhas mãos, senti faltar-lhe a força para tal. Abracei-a, mais para esconder as lágrimas que para retribuir-lhe essa sua carinhosa intenção e segredei-lhe que jamais havia de esquecê-la.

Saí de óculos de sol para disfarçar os olhos lacrimejantes e avermelhados depois de lhe ter jurado quanto a tinha amado e amava ainda.

- És alto como o tio Domingos filho.

Eu correspondi com um piscar de olhos e ela ficou sorrindo até que deixei de a ver.

Durou pouco mais de dois meses.