domingo, 27 de fevereiro de 2011

28 - CHAMAVA-SE ROSALINA...

Chamava-se Rosalina, e, há bem mais de trinta anos foi um dos meus amores de juventude.
Na verdade nem chegou bem a ser um dos meus amores, foi mais uma paixão, ardente enquanto não concretizada, proibida logo que consumada.
Cada vez que dela me lembro, recordo não sei por que analogia, os cristãos atirados aos leões no Coliseu de Roma.
Um dia descobrirei porquê, basta que numa daquelas sextas-feiras de borga a que me habituei com um desusado empenho, me calhe ao lado no balcão ou na mesa, um qualquer psicólogo ou psiquiatra pois só acredito neles ante duas premissas que refuto de imprescindíveis, que quer eles quer eu estejamos bêbedos, o que, quanto a mim é de difícil solução pois que, por muito que beba, nunca ultrapasso aquela linha invisível que só eu vejo, pelo que há mais de três décadas bebo quanto me apetece sem que jamais tenha levado para casa uma tosga, que detesto, tal a má experiência tida com as únicas duas que apanhei ainda jovem e jurei não repetir, o que tenho cumprido.
Mas estou a desviar-me da conversa essencial e com que vos prendi a atenção, a minha paixão pela Rosalina, que, demasiado jovem e medrosa, me prendia com sorrisinhos tão escondidos quanto subtis, denunciadores de que conhecia a paixão com que meus olhos a contemplavam, e ma retribuía, mas sem que me desse oportunidade de com ela falar por um minuto que fosse.
Eu era por essa altura um banal funcionário de um escritório frente à casa dela, que, dado o facto de ser o mais novo na casa e o mais novo de idade, fazia praticamente só recados, tendo, como facilmente poderão avaliar, uma posição invejosa e o futuro assegurado!
Quem não ia nessa eram os pais dela!
A mãe doméstica e sempre espreitando o largo, o pai motorista de uma afamada casa do então capitalismo rural alentejano e motivo suficiente para o fazer inchar perante meros motoristas de camiões de fardos de palha!
Pois se ele até tinha uma farda!
Embora já lhe tenha perdoado a estupidez nunca gostei do raio do homem!
Bem, mas voltemos à vaca fria de cujos pormenores já nem me lembro bem.
Sei que um dia a pretexto de uma necessidade minha, solicitei à Rosalina que me emprestasse o seu estojo de desenho, eu frequentava a antiga Escola Comercial nocturna, estojo que ela prontamente colocou à minha disposição.
Eu não necessitava daquilo p’ra nada!
Mas dois dias depois fiz-lhe entrega do mesmo, com agradecimentos exuberantes e, dentro do estojo, bem colocado e visível, um lindo amor-perfeito exalando ainda um odor de fazer cair para o lado até a portadora do mais empedernido coração!
Como podem ver tinha nessa época artes de conquistador que com o tempo fui perdendo pois a idade tudo dá e tudo tira né?
Apenas sei que a nossa Rosalina, chegada a casa e tendo ido ver se faltaria algum componente, ou se algo estaria estragado, ao olhar o amor-perfeito deve ter sofrido uma solipampa de coração e, por que razão não morreu, ainda hoje estou para saber, tão afogueada me apareceu de imediato à porta, atirando-me com uns olhos que vieram rolando até mim, quais berlindes do mais lindo e colorido vidro com que alguma vez jogara ao perde paga!
E aqui perco os pormenores necessários à veracidade da coisa, remotamente recordo que falámos ás escondidas dos pais, que namorámos bastas vezes no jardim de Évora e na mata pública, que ela corava de cada vez que eu lhe dirigia a palavra, que nunca nos beijámos nem sequer apalpámos, tal a timidez dela e a minha falta de desenvoltura, mal do qual ainda hoje me não livrei e me atrapalha a vida sempre que coisas de sexo vêm à baila, pois que nem com os amigos estou à vontade para as discutir, e me retiro solenemente para o mais afastado canto do balcão remoendo as minhas limitações.
Mas esse é um problema meu que não é para aqui chamado entendidos?
Sei que ás tantas passeávamos guardados por um ou outro dos irmãos dela, até que o supremo juízo dos pais a desviou de mim, moço de recados e safado sem posição nem futuro, almejando aqueles pais, muito honesta e aceitavelmente, um mais promissor futuro para aquela linda e única filha.
Passaram-se anos, o desgosto que tive nem deve ter sido muito pois que nem o lembro, e podia ter aproveitado a oportunidade que se me oferecia para me ter tornado alcoólico, drogado ou coisa assim de acordo com a merda que era, e me teria permitido dizer mal e contestar esta sociedade abertamente e com razões de queixa e de fundo!
Mas não, fui-me esforçando, trabalhando e evoluindo com os anos, como os vinhos, por isso hoje sou o biltre refinado e apurado que vocês conhecem, mas nessa época era um honesto cidadão que até no país e no nosso futuro comum acreditava!
No entretanto a Rosalina, cumprindo o velho sonho dos paizinhos, casou com um esbelto e jovem bancário da terra, enfim, um espécimen que honrou toda a família, que ela trazia pendurado do braço com orgulho, tendo-me constado que só as bodas demoraram sete semanas, pelo que a partir daqui poderemos imaginar a noite de núpcias, talvez sete noites e sete dias, e a lua-de-mel, salvo erro e pela mesma lógica, de sete meses!
Estavam satisfeitas todas as ambições daquela pacata e feliz família, não fora o facto de os olhos de vidro da Rosalina se terem tornado maiores que a barriga, imagino eu, e o bancário ter sido tentado a consumar um desfalque que atirou com ele para o olho da rua e, para desgraça de todos, se ter tornado a vergonha da terra.
Ignoro como me verão hoje aqueles velhos pais que tanto se encarniçaram em ter-me escorraçado da sua porta e da vida da sua única e querida filhinha, sei apenas que, apesar do desbragado por quem muita gente me toma, talvez não tivesse feito feliz a Rosalina, mas a eles decerto não teria desiludido.
A vida é mesmo fodida não é meninas?
Bem… eu agradeço àqueles velhotes tudo quanto fizeram por mim, pois que se não tivessem sido eles talvez ainda hoje estivesse a viver com a Rosalina dos grandes olhos de vidro!
Que sorte a minha! Fogo!
Obrigado Deus!
(aviso ás almas mais sensíveis; tudo quanto afirmado nesta crónica é pura ficção, baseada na mais solene liberdade de inventar a que eu pudesse ter tido oportunidade de dar corpo !!!! eheheheh !!!! Uma Skol à tua saúde amiga !!!!!!!!!!!!!!!!!!!)http://mentcapto.blogspot.com/2011/02/28-chamava-se-rosalina.html

27 - SER, QUERER, PERDER, DESISTIR, ESQUECER...



É quando o céu infinito nos parece, e tudo se nos afigura possível, que tempestades desabam, a solidão nos envolve e retira a esperança de mais um dia feliz.

E o mundo, este mesmo mundo que nos alimenta sonhos, ilusões e verdades, também nos lacera e angustia, porque se há sempre uma hora em que guardo para mim todas as emoções, também uma outra em que todos estamos, algumas vezes por um triz, até tu, até eu, temendo essa hora, em que o dia não há-de, como era uso, nascer e correr ditoso.

E sinto-me tolo, sem que saiba que se passa, pois algo houve, ou quê, ou como e quando que não entendi e me pergunto, que se passa, quem travou a tão perfeita harmonia desta bola de neve rolando no firmamento, e repentinamente parou, sem que eu saiba ou alcance o porquê.

Sempre as aves de arribação me toldaram os sentidos, coloridas, graciosas, chegadas antes da Primavera.

E, ou por isso, talvez por causa disso, ou apesar disso, a uma dei guarida e pouso quando surpreendido a encontrei no beiral da vida, enquanto outras ensaiavam voos felizes, circunvoluções sobre as ruínas de um castelo que nunca visitei.
Cansada ? Perdida ?


Certamente o não saberei nunca, imagino que naturalmente tão tresmalhada ou fatigada quanto eu, por isso quisemos ser amigos e fomos, somos, sempre seremos, mas tirem-te a liberdade que provaste e matar-te-ão. Sei-o minha amiga, compreendo, e aceito.

Gaiola não é para aves, e domesticá-las só para alguns eleitos.
Não sou falcoeiro, muito menos o homem que procuras, dediquei-te contudo muito do meu tempo, sei que todos os dias são amor e nada me dava mais regozijo que passar os dedos p'las tuas penas coloridas, suaves, deixar que debicasses os meus lábios, que fixasses em mim esses teus olhos, confusos, intrigados, mas que vi profundos, ternos e meigos.

Vai-te, vai com os teus, sê feliz. Já deixaste na minh'alma recordação imorredoira, um coração grato de amor, uns olhos fixando os céus e procurando, em cada ave voando, distinguir tuas formas e tuas cores, porque afinal uma andorinha houve que sozinha fez a Primavera.

E no mesmo canto da janela dos meus olhos encontrarás, como sempre, alimento e água, um lugar p'ra repousar, um dedo acariciando-te as penas, uns olhos nos teus olhos, um coração batendo em sintonia…

Desta vez sim amiga, não sei, não distingo entre lamento e despedida...