sexta-feira, 30 de novembro de 2018

555 - NÃO, NÃO FAZIA IDEIA, COMO SABER …


Gente bem-intencionada dissera-me tanta coisa, dera-me tantos conselhos que acabei ouvindo somente o zunzum de todos eles, coragem, força, a vida continua, a vida não pára, e as atitudes de conforto e reconfortantes eram tantas que fugi, fugi daqui, fugi deles e delas, de tanta boa intenção e tanta ajuda desinteressada que começava a sufocar-me. Meti-me no inter-cidades e caminhei meio dia até parar e ficar três ou quatro dias, para me meter de novo no dito mas em sentido contrário e só voltar a parar novamente em Lisboa. Ver família, ver amigos de longe, matar saudades para saudades esquecer e esquecer quanto me lembras, esquecer o roçar carinhoso da tua face na minha, o teu pé sempre sobre o meu, a tua perna insinuando-se entre as minhas, o teu abraço aconchegador e quente.

Por que me mentiram todos, mentiram, porque esta saudade não passa, sem ti tudo mudou de lugar e de aparência, a casa mudou, é outra, é maior, é outra a luz que se coa pelas janelas, é outra a luz que emana destes candeeiros. Mudo a altura aos estores, baixo-os, levanto-os, mas as sombras continuam mais sombrias e mais tristes, mudei as lâmpadas de todos os candeeiros mas teimam numa luminosidade que muda as penumbras, dantes acolhedoras, diferentes, e agora frias.

Até a gatinha mudou, não me acorda já matemática e diáriamente às sete horas, simplesmente não me acorda, a mim que nem durmo, anda por aqui de rabo encolhido e olhos esbugalhados até parar olhando-me, como se eu tivesse a culpa, ou a resposta, ou fosse a resposta, não Mimi já não há dona querida, a dona não volta amor, também eu me sinto confuso querida, mas dizem que é a vida, a vida não, a morte, não o compreendes nem aceitas, nem eu, o dono vai dar-te uma postinha de pescada e espero que fiques distraída porque eu não consigo.

Já me embarrilei de bacalhau assado e não consigo, e com cherne grelhado, nem com robalos consegui, nem recorrendo ao branco do melhor por melhor que seja e bem fresquinho esteja, hei-de experimentar a pescada querida, juro-te que irei guardar para mim umas postas de pescada para fritar, tanto que eu e tu gostávamos, acompanhada com arroz de tomate e branco fresco de Redondo, azeitonas e um niquinho de pão alentejano, juro que irei experimentar a pescada querida, e talvez acerte na altura dos estores, na luz dos candeeiros, talvez consiga acertar as sombras desta casa que agora me parece embruxada, enfeitiçada, talvez depois os fantasmas me deixem em paz e então ganhe a certeza de que o fantasma desta casa não sou eu mesmo nem és tu minha Luisinha querida, meu amor mais lindo



quarta-feira, 28 de novembro de 2018

554 - UMA LÁGRIMA NOS OLHOS, by Luísa Baião‎



Tenho por hábito guardar recortes de jornais. Umas vezes para ler mais tarde, outras porque constituem um arquivo para consulta, e, ou análise posterior. Arrumando um destes dias gavetas, dei com um desses recortes, a que já faltava a data, e que tinha, então, tido vontade de comentar aqui convosco, o que só não fiz porque tal recorte acabou perdido na miríade de apontamentos que sobre tudo vou guardando.

Tinha sido “arrancado” do Diário do Sul, publicado na primeira página, com foto em destaque, e com grande desenvolvimento nas páginas centrais. Noticia e fotos que por certo encheram de orgulho qualquer de nós, eborenses, e alentejanas.

Uma fábrica de Évora, A. J. Lobo, especialista na produção de painéis solares fotovoltaicos, fechou, nessa nem por isso remota semana, um contrato de investimento com a SHELL, para ampliação da capacidade produtiva, inovação de métodos e tecnologias, em que, segundo o dito diário, é única no país e na Europa.

Senti-me orgulhosa, investimento superior a dez milhões de euros, tecnologias de ponta, lembro-me de ao ler a peça quase me ter sentido lá no meio das cerimónias, vertendo uma lágrima de comoção.

A cerimónia, onde não estive, não me fez chorar, o que me comoveu foi ao ver no jornal as fotos do ministro da economia, do presidente da Shell Portugal, do vice-presidente da ShellI Internacional e claro o ilustre eborense, Senhor LOBO, (com letra grande). Membro de família conhecida no burgo e sobre quem se comentam percursos de trabalho e sucesso, com mais de trinta anos.

Família oriunda da Somefe, então uma escola de trabalho, família a quem o tempo, a força e capacidade premiaram com mérito. Já há pouca gente assim que, ao invés de estratagemas e ganhos fáceis e rápidos, trilhe caminhos tão difíceis de escalar, que só não assustam a quem o trabalho não tema nem envergonhe.

Mas como ia dizendo, o que me comoveu não me fez chorar. O que me dá pena é que, hoje mesmo, quarta-feira, 28 de Janeiro, pessoa insuspeita, Presidente da Agência Portuguesa de Investimento, ex-ministro e economista de gabarito, me tenha forçado a procurar outros recortes, que não achei e nem admira, pois o que eu precisava era tempo para os classificar e ordenar.

Procurava notícias recentes sobre uma figura marcante da economia portuguesa, José Manuel de Melo, a quem no passado fim-de-semana, de 24/25, os meios de comunicação dedicaram imenso espaço, e tempo. Tudo porque quer um quer outro, finalmente se não contiveram e afirmaram também eles ter visto o óbvio. Que o rei vai nu, já toda a gente sabe, deixemos passar mais algumas semanas e a dúzia e meia de compatriotas que ainda não deram por isso acabarão igualmente dando-se por achados.

Primeiro veio um gritar, preto no branco, que deveríamos vender isto aos espanhóis, não fosse dar-se o caso deles nem precisarem nem quererem isto para nada, clamando alto e bom som, já não acreditar em ninguém nem isto ter futuro. Depois veio o outro, que se escalfa para conseguir uns investimentozitos exteriores, questionar opções, como o mirífico Euro 2004, contrapondo que se deveriam ter utilizado essas arroubas de dinheiro para criar infra-estruturas viárias e outras, que se deveria ter apostado na saúde, na ciência, na educação, no emprego, na segurança social... Como se nós não soubéssemos que o fado é que induca, e o futebol é que instrói. Deviam ter bramado há mais tempo, agora assustam-me, tão só porque de tão insuspeitos como são, se assim falam é porque a coisa está mesmo preeeta...

Quando optámos pelos futebóis em vez de um futuro, toda a gente atirou bonés ao ar, agora, bem, agora é aguentar, porque isto ainda nem começou, e vai ser duro.


  
NOTA: * By Maria Luísa Baião‎ escrito quarta-feira, ‎12‎ de ‎maio‎ de ‎2004, ‏‎18:30h e publicado num dos dias ou na semana seguinte em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER, em homenagem à eborense Família Lobo. Esta crónica foi posteriormente alvo de um gentilíssimo agradecimento por parte da dita família, agradecimento que muito honrou e comoveu a minha saudosa Luisinha e deverá encontrar-se arquivado no portfólio do Diário do Sul.

sábado, 24 de novembro de 2018

553 - LIDES‎ ... by Maria Luísa Baião * ...................


Olhou-me demorada e ternamente. Eu retribui o carinho passando-lhe a mão pela cabeça, de arrepio, coisa que sei não gostar. Uma provocação portanto. Retraiu-se um pouco, fugiu ao meu gesto e ajeitou-se melhor no sofá onde desde o almoço se estendera ao comprido. Tem uma propensão nata para a mandriice, então aos fins-de-semana, dias em que estamos todos em casa, até para comer tem preguiça e vai fazê-lo já quase a dormir.

Perdoo-lhe a preguiça nesses dias. É que não gosto, quando arregaço as mangas e me atiro a algumas das actividades que cabem às “domésticas” e com as quais embirro solenemente, que se atravessem à minha frente e me quebrem o ritmo. Contudo acho que se não for eu a diligenciá-las ninguém as fará melhor. Sempre detestei essas actividades, tenho mais e melhor com que me entreter, ocupar o tempo, com muito mais proveito para mim e para os outros. Mas tem que ser.

O barulho do aspirador é incómodo, dá uma volta no sofá, esconde a cabeça e as orelhas buscando ignorar-me e ao frenesim que arrasto, cujo tumulto sabe ser somente uma questão de minutos. Por outras palavras, torce-me o nariz. Essa coisa dos olhares ternos vai bem desde que não incomodemos. A ternura, como vêem também tem limites e condições. Não me chateies que eu faço o mesmo e ainda te pago com algumas meiguices. E eu julgando essa ternura ilimitada e incondicional.

Estamos sempre aprendendo. Modelamo-nos é o que é, adaptamo-nos às situações como os náufragos se adaptam às bóias e coletes salva-vidas.

O aspirador lá se vai esforçando, como um asmático. Espreito à janela, na paragem do autocarro uma velha fala sozinha. Eu pensando sozinha. Crianças pobres brincam umas com as outras, como eu quando pequena. Saltam à corda, brigam-se, apaziguam-se. Bate-me o coração por vê-las, sinto-me cansada, deve ser deste tempo, carregado de humidade. Aproximo-me da janela, os vidros embaciados, desenho um círculo com a mão e espreito. Oiço o aspirador há que tempos sorvendo desacompanhado, distraído, distraída eu, oiço o relógio da sala, olho as horas, recomeço a azáfama. Dizem que os chineses vêem as horas nos olhos dos gatos.

Contemplo o meu reflexo na janela, o círculo como um espelho, pareço uma mulher resignada, não o sou, somente detesto estas lides perfidamente repetitivas. E a preguiça estirada no sofá, como uma ofensa, um ultraje a mim mesma dirigido e eu, parva, voltei a passar-lhe a mão pela cabeça e de novo presenteada com igual indiferença.

É dia ainda, trovoadas e sombras da noite espiam-me por essa janela. A chuva, p’la intimidade dos vidros mostra-me os brilhos da rua inundada de água. O meu olhar torna-se silêncio, relembro promessas neste tempo lento de horizontes parcos e toma-me uma saudade imensa das palavras, de sons, de vozes quebrando o quebranto e tomando-me de assalto os sentidos.

O tempo e os sentidos, os mesmos que nos escondem na alma paixões de ontem, de hoje e de agora. O corpo, esse, confessamo-lo quando a hora chega. Querendo, o desejo faz das palavras silêncio e limite do que permanece, como as águas límpidas do mar oceano. Os gestos como reflexo dos sentidos e em cada pensamento o amor que nem o corpo nem a alma querem esquecer.

Penso nalgumas árvores que o Outono pinta de vermelho quente e recomeço as lides pondo fim ao vogar do espírito. No ardor de terminar lavo-me de fantasias, meditação e imaginação, medos, fobias e taras.

Afago-lhe de novo a cabeça, arqueia o dorso, eriça o pelo, salta para o chão, roça-me as pernas e solta um miar curto e baixo. Já sei o que quer. Esta minha gata é um espectáculo, só lhe falta falar !


* Maria Luísa Baião‎ escrito segunda-feira, ‎19‎ de ‎Outubro‎ de ‎2006, ‏‎12:22h, publicado em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER.


552 - INVEJINHA, INVEJINHA... by Luísa Baião ‎* ...

Foto de Helena Margarida de Sousa, Évora. 

Hoje senta-se à minha mesa no café, até podia dar-se o caso de ser meu pai, tem idade para tal, mas é simplesmente um amigo, e que bom amigo ele é.

Talvez por isso é fatal que, ao fim de semana, nos procuremos para esse ritual, de onde um cheiro emana e, o sabor nos chama como apelo que, repetido ao longo do dia, já sem o mito a que o primeiro dá corpo, acalma todavia a alma e lhe dá conforto.

È um atlas este homem singular, enciclopédia vasta de uma vida escondendo estórias que a sua memória arrasta. Nada nele há de que se deva envergonhar, tanto que gravatas são coisa que nem usa, até porque a longa vida vivida não é comédia, nem recusa contá-la se a conversa a jeito segue. O primeiro que se negue.

Não passava eu ainda de um sonho, uma vontade, e já este meu amigo se esforçava, naquela outra metade do mundo que o nosso império então pintava a cor-de-rosa e que mudou de supetão, porque em alguma parte da terra uma mariposa bateu asas, segundo os astro - físicos, ou porque um povo indígena se lembrou em algum momento de dizer basta, mais não.

Qual ave de arribação de novo volveu à sua origem, não sem que essa forçosa migração o tivesse levado a rumar primeiro a sul, onde a vertigem das horas e da moda o não prendeu, antes o atirou para o que agora chamo o seu convívio, mas que ele todas as auroras apoda de seu desígnio.

Conheceu povos usos e costumes e em cada um dos novos fusos e latitudes que pisou tanto aprendeu, que é hoje um homem sereno, que do pleno da vida alcançou o cume, vida que, embora madrasta por vezes, nunca permitiu a alguém ouvir-lhe um queixume ou notar-lhe sequer leve azedume.

Ganhou amor à terra em planaltos e savanas, imensidões por onde alargou olhar e espírito, apanhou sobressaltos e, talvez repastos de lembrar e chorar por mais, que o atiraram para o clube dos barriganas. Caçou provavelmente leões, hoje cria gado, revolve a terra que aprendeu a amar e entretém-se nas horas vagas caçando chavões em jornais.

Com nostalgia recorda a África, onde se fez homem e deles amigo. Dessa lonjura carregou sabedoria que, como castigo desabrido lançou nesta terra de que fez porto de abrigo. Mendigo é que não, a não ser da amizade, que cultiva com prazer e das quais por vezes tem vaidade.

Como não há-de correr-lhe a vida em beleza ?  Se o nosso homem é todo dado à natureza ! Bom garfo, melhor conversador, perto dele não há sururu, apenas o calor contagiante de conversas longas e serenas. Não parte um copo o Francisco mas no remanso esfuziante dessas horas perversas é um pândega, ninguém sossega.

Calhou-nos encontrá-lo de partida para férias, que após algumas lérias soubemos no mesmo destino. Foi um desatino. Não partilhámos a cama mas partilhámos a mesa, que do primeiro prato à sobremesa nos deu tempo para desatar a língua e, apesar do calor, nunca deixámos a conversa morrer à míngua ou criar bolor, por tão ricos os vinhos e petiscos e tão sem dor as farpas nos políticos.

Sempre foram umas férias diferentes, com um compatriota à porta com quem debater os assuntos imanentes à nossa condição. O meu marido adorou e, um dia houve, mesmo sem fatiota a rigor, que nos passeámos de jipão por toda aquela área lindíssima a que os nuestros hermanos chamam o Parque Natural de Doñana.

Não valem comparações, o que eles usam ao domingo usamos nós de semana. Nunca terão uma floresta como a nossa, quase virgem, selvagem, onde só bicho-do-mato entra. Na nossa só entra bicho e fagulha, na deles não se vê no chão nem dos muitos pinheiros uma agulha...

Como diria o Francisco, orgulhoso da sua barriguinha, invejinha, invejinha... 


* Maria Luísa Baião,‎ justissíma e merecida homenagem ao grande amigo Francisco Pândega, escrito quinta-feira, ‎7‎ de ‎agosto‎ de ‎2003, pelas ‏‎22:31h e publicado num dos dias ou na semana seguinte em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER.
Foto de Helena Margarida de Sousa, Évora.


551 - TERRAS D’EL - REI, by Maria Luísa Baião ‎*…

Foto roubada na Net, Praça principal de Reguengos e igreja neo-gótica.

Vou contar-vos uma história, de um almoço que tomei na companhia de amigos de quem até já falei. Por causa das invejinhas e porque há almas penadinhas por degustar bom petisco, creio não cair no risco e arrisco sem remorso, por isso vos afianço que, em qualquer outro lugar ou em qualquer uma outra rua, se come tão bem na terra como eu comi na “taberna” dessa vila que é tão minha, quanto crê ser ela sua.

Embora o uso não lembre, são terras que eram D’El-Rei, que assim não ficaram sempre porque a lei dos liberais cuidou de lhes dar finais.

Eram terras “realengas”, p’ra outros terras “reguengas”, que de nobres ou de reis, davam ainda para os pobres verem dali alguns réis. Também o clero tinha parte que, com arte, como a nobreza ou a coroa, acudia à pobreza que, como agora, como sempre, esperava dos mais fortes, os restos d’alguma broa.

Nascidas da esperança aceite, de o cristianismo alargar, enquanto alguns nossos reis acossavam o belicismo para ao Algarve chegar, muitas, como esta terra hoje chamada D’El-Rei, a guerreiros os reis doavam, dando de alarve riquezas que o património gizava, que quer o tempo e a história não cuidaram de emendar.

Foram dadas a templários ou a quaisquer usurários, nem o poeta Papança teve algum dia o prazer, de, a rendeiros e seareiros, ver na cara alegria franca por ter visto repartida terra de tanta abastança, cujos limites não estão hoje longe dos que há séculos já tinha a nobre casa de Bragança.

Mas, voltando à minha história e ao almoço bem regado que nos ficou na memória. Foi na Casa do Benfica que o néctar ditou as leis que, e nisso faço questão, deixar aqui afirmado que em qualquer outro casão aos manjares apropriado o prazer seria o mesmo, pois o dito que aqui louvo, teria saído gostoso de uma mesma barrica, senão duma mesma pipa.

A verdade é que esse néctar, ali mesmo apadrinhado, trazia rótulo da terra, pois ainda antes de almoço já era certo e sabido cuidar de ter a tempo e horas tal remédio encomendado.

Da história antiga só resta a sagrada toponímia que mui bem calhou à pinga ali mesmo baptizada. Ou "D’El-Rei" ou "Monsaraz", coisa que muito me apraz e tive até o condão de, passado belo momento, ter que descascar o casaco, por efeito não de tormento, mas de ventos e grinaldas que a imaginação tece, em que apesar de exaurida, a sensibilidade sofrida nos mostra poentes belos, enquanto cada medida por dentro mais nos aquece. 

"Reguengos" ou "Monsaraz", vila ou aldeia tanto faz, são pérolas rústicas, mágicas, brancas, medievais e ambas belas. Gótica manuelina uma, menina preservada a última, plantada em jazida xistosa que por ser pedra tão branda a torna mais amorosa.

Postada em alto-relevo que meus sonhos pintam de imaginárias e bruxuleantes estampas a que o néctar dos Deuses mistura as cores na paleta, devo reconhecer que, a páginas tantas, as palavras falavam connosco e o ruído ensurdecedor do silêncio intuído burilava, alternando a visão do possível actual, ou do actual possível, nessa terra que parece não mudar.

Reguengos a da igreja neo-gótica que, diria imaginada se a não visse aos céus virada, de lindos vitrais pintada, testemunhando a fé, a crença do seu povinho atarefado, contrastando felizmente com a lembrança nebulosa do pelourinho ainda erguido no adro da praça grande da Monsaraz majestosa, sentinela vigilante.

Como um mar de água crescendo, enquanto íamos almoçando e a sala transformando numa festa a pedir sesta, a barragem ia tecendo os destinos dessa terra e, espero p’ra bem de todas não ver o tempo gizar terra que, à soleira do futuro fique sentada mirando o passar deste mundo que parece prometer tudo. Que ninguém em terras D’El-Rei se remeta ao silêncio mudo.

Se os sonhos que no ar pairam, teimarem em querer falar, teimarem acreditar que tudo lhes é possível, creio que ao povo desta terra até o inimaginável será um dia acessível, inda que demore mais algum tempo…
  

* Maria Luísa Baião‎ escrito Quarta-feira, ‎3‎ de ‎Dezembro‎ de ‎2003, ‏‎pelas 04:29h e publicado nos dias ou na semana seguinte em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER.‎

Foto de Helena Margarida de Sousa - Évora


NÃO ERA UM BOTÃO DE ROSA by Luísa Baião‎* ...


Chegou como quem está para partir, que é o seu modo de nos fazer pensar se não será incómodo, esquecendo ter sido eu mesma quem lhe pedira para vir. Lembrou então que era convidado e se sentou à minha mesa sem se fazer rogado. Na mão um lindo botão de rosa, escuro e encarnado que me ofertou singelamente e coloquei num jarro.

Tal qual um pisco se serviu da mesa, preparada com tempo para visita que se deseja e nos é querida. Falou mais que comeu, o que bastante me agradou e alegrou a vida. Talvez tenha gostado do jantar, é bom conversador e conversando ficou, diz que não é social mas ninguém acreditou, pois não é o bicho-do-mato que acredita ser, já que qualquer de nós ficou contente por connosco o ter.

Calado e modesto é o seu jeito, nem se apercebe que até uma criança vê a bondade que lhe enche o peito. Não o sabe mas, lobriga muito mais que qualquer de nós possa imaginar, e, como os poetas, vê mesmo os pássaros evoluindo no ar ou ideias práticas navegando no ignorar que nos afoga.

Nasceu antes de tempo, é o que é. É de outro século que ainda está por vir, daí sentir-se neste mundo como em jigajoga e se ache mesmo mais émulo de si que dos demais.

É homem que ama a vida e certamente amou, pois tem alma gigante e não é cego. Não terá quem lhe acaricie o pequenino ego, nem lembrará já quem o merecido orgulho lhe roubou. Quem será a mulher que o afaga ? O faz viver ? Porque me parece outra razão não ter para continuar a ser, e não creio que a aziaga tristeza que por vezes o carrega, seja ludibriada a partir de um estojo no bolso da carteira, por onde aquece a vida que, certeira, nele se alojou como uma ferida.

Não haverá uma de nós que o não conheça, ainda que admita ter havido muito quem por conveniência o esqueça. Mas quem é ? Perguntarão. Não mais que mais um ser sofrido pela desilusão de tudo em que nos tornámos. Bandarra do nosso destino, psicólogo dum íntimo que desconhecemos, cigarra agora de muitos trabalhos tidos, como um menino, mordaz mas não malévolo, crítico dos nossos modos, brincalhão da língua que falamos, cirurgião da fauna que somos e que semanal e exemplarmente se disseca, nos disseca, sem rebuços nem enganos.

Mas é um ser sensivel que decerto percorre os carreiros de forma irregular, para não pisar a vida que os preenche. Ortopedista da natureza traído pela espécie a que pertence, disso posso eu ter a certeza, tanta como jurar não ser a sua vida uma mimese.

Singela me pareceu aquela rosa em botão. Não tivesse sido a sua expontânea e ofuscante abertura, que ainda dura, e a lembrança da sua presença e simpatia, não teria dado aso a esta crónica, que mais não procura que fazer fluir do coração para a mão, uma empatia que não é de agora, antes se funda em velha escora, tão profunda e tão fecunda que espero fazer durar e perdurar, até ao longínquo dia que para o último de nós chegar.

Tenho a cozinha banhada por uma aurora florida que é um hino à própria vida. Por culpa de um peregrino c’a vida em busca de tino, que num instante consciente teve um gesto tão bonito, lembrar-se que eu era gente. E aquela rosa ardente, vinda ela de quem veio e que afinal também sente, me tem alegrado os dias, alvoraçado os sentidos, arrancado de apatias e tornado mais coloridos os sonhos que ainda alimento.

E àquele velho amigo que sempre achei penitente e sempre considerei gente, como eu, como você, hoje é para mim um parente e como eu combatente pela vida, essa torrente presente que, pungente, imanente, contingente, crescente, resistente, fremente, potente, absorvente, florescente, ignescente, incandescente, reluzente, imponente, consequente, impaciente, intransigente, omnipotente, irreverente e estridente nos está acometida e por atrevida é tão querida.

* Maria Luísa Baião‎ escrito ‎ terça-feira, ‎10‎ de ‎Janeiro‎ de ‎2006, ‏‎11:51h e publicado num dos dias ou na semana seguinte em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER‎ em homenagem a António Saias.
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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

O BOLINHAS DA MARIA ISABEL by Luísa Baião *

     
Uma rua quedou triste. Uma alma alvoraçada por, no meio de vidas em riste vivendo desapaixonadas e, quais janelas fechadas, fugazes tumultos são. Não mais que instante e trovão de quem nada de absoluto diz, senão, quão distante e apressada a vida tange, acabada.

Por incrível que pareça não é a primeira vez que encontro quem por bem padeça, d’uma tristeza insanável gerada por perda sentida de quem lhe alegrou a vida. O bolinhas é um cão que, não escondendo razão forte para a alguém fazer sentir que solidão não é morte, deixou saudades fundadas, daquelas que muitas almas, que o não parecem nem são, não nos deixarão jamais, quer por razões bem fundadas, ou por serem almas penadas que, sem que o saibam, já  não são.

Dizem poetas soezes acontecer bastas vezes haver quem viva sem por tal dar e morra sem isso saber. Gente que passa que existe, distante, porém, nada mais. Compondo um mundo sombrio, um mundo de amor vazio, que não dá vida a arraiais... Uma rua ficou triste tudo gelando em redor quando o ocaso tragou quem irradiava amor. Pedras frias na calçada fizeram ressoar passos a quem calava agonias que, traduzidas em verso, são um exemplo, entre poucos, de que a esperança ainda existe num canto deste universo.

Dizem haver gente que passa, dizem haver gente que existe, há de tudo, em demasia por vezes. Em todo e qualquer dia, trapaça, a todo e qualquer momento, chiste. Não creias, Maria Isabel, acreditar em quem passa, não passes os dias triste. Acredita que os amores em que em dias de eleição cremos varrerem dos céus dias cinzentos, tristeza, e a quem por devoção abrimos sempre as nossas portas, não são na verdade amigos. Bem nos juram lealdade, sei-o bem, a quem o dizes... mas acredita em quem sabe e de sobra tem razões para não crer em amizades que, menos que um cão, nos devam fidelidades.

Sei que a saudade te mata e que a sensação é fria quando nessa rua entras. Falta a fogosidade dessa pequena silhueta plena de alacridade que, eu imagino acrobata e que à vizinha ladrava como quem, cortando a meta, de forma amena acenava e à mecenas alinhava como p’ra hino ou rainha. A rua ficou mais triste do primeiro até ao fim, cinquenta e seis incluído, porque não se enxerga em riste aquele brejeiro de cetim que, ternurenta, dizeis, em alarido atrevido exibia a liberdade que agora volveu saudade, a quem adoravas tanto quanto se adora um arlequim.

À saída da cidade, como p’la Garraia seguindo e se o Bolinhas não voltar, poderás matar a saudade. Uma fada e uma Aia te aguardarão. Adivinha, p’ra te alegrar e oferecer a liberdade perdida de que te queixas e bem, não veres a rua preenchida. Cantinho dos Animais, assim se chama o palácio onde tu e as demais poderão encher o regaço, não de rosas, mas de ais, de alivio, de aconchego, de amor e grande enlevo para quem queira dar guarida a tantos com vida perdida, que aguardam o vosso apego.

Pudessem no mundo, Antónios ou outros quaisquer durões, deixar derreter a alma e soldar alguns neurónios que os guindassem a Camões, não das letras mas das artes e, com calma, se transformassem de molde a ficar na história, não demónios mal amados, antes seres queridos, saudosos, como descreves Bolinhas ou mesmo até outros cães, mas nunca por charlatães.

Amigos do coração, fiéis, leais, brincalhões, como o são os cães para os seus donos, não são fáceis de encontrar e a chorar nos postamos se alguma vez os perdemos. Mas de muito boa gente com um lamento o afirmo, o mesmo já não dizemos se amizades encontramos que não duram mais que um espirro.

Desejo sinceramente que o contraste ora existente seja de bem pouca dura, que a névoa que a rua tolda, encontre um dia abertura por onde entre um raio de sol, um latido, um atrevido, que de dente arreganhado acabe com o banal, o boçal inevitável que nos atravanca a rua e nos afunila a vida.

Beijinhos.

* Luísa Baião,‎ escrito entre ‎2000/2005‏‎, publicado em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER.‎

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

550 - É P’RA PULAR ! by Maria Luísa Baião * ..........

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Tenho já saudades da chuva, não tanto da chuva como do cheiro da terra molhada, adoro o Alentejo e as suas paisagens a perder de vista, mas o que sobremaneira aprecio é a vastidão verde que faz com que os olhos se percam e o coração se sinta bendito por viver nestas planícies. Estamos quase na Primavera, que, como já perceberam é o meu tempo de eleição.

Andava há momentos arrumando este escritório, mais parecido com uma barafunda e dei com um pequeno livrinho de “Quadras P’ra Pulares”, o qual me fez parar a labuta em que andava como de empreitada. Como o autor diz, “a gente pega num tema...enquanto faz a sua vida prática, diária... até o septissílabo se enformar como um tijolo de sete furos, se ajustar ao outro... e sair a quadra...” como saem os bolinhos do forno da cozinha diria eu.

Diz o autor que qualquer quadra deve degustar-se a preceito, tomar-se com alguma parcimónia, retendo o seu sabor ao longo da jornada. É verdade, a poesia não se emborca como garrafas de cerveja enquanto os golos se concretizam em balizas de invenção, é bom que seja apreciada, avaliada no seu contexto e sobretudo mirada e remirada até que nada reste do seu sempre rico significado. Sempre é como quem diz, sempre desde que o artista tenha para tal jeito e engenho, o que infelizmente nem sempre sucede, ainda que não seja o caso.

Na sua modéstia confessa o autor; “Decerto já está errado / o trilho por onde vou / ninguém chega a nenhum lado / nunca ninguém se encontrou”. C’a grande mentira ! Pena é que não tenha insistido mais na poesia, tão cheia de verdade ela anda, como ele autor anda de solidão (andará?), inda que seja feliz, por muito que ninguém ligue ao que diz.

Pois eu espero que ele volte mais e mais à poesia, para gáudio de todas e para que se celebre quem, de entre nós, anda assim tão enganado e pensando ser, como todas, mais um (a) pateta entre muitos.

Não me lembra já quando o conheci, lembro-me apenas que é daquelas pessoas boas por natureza, e acerca de quem, com o passar dos anos, nunca tive que emendar a primeira impressão. Gosto dele agora, hoje, como gostei das primeiras vezes que trocámos palavras, talvez porque na sua velha sabedoria já tenha aprendido que não vale a pena ter dois lados, ou abanar como um cata-vento. É firme, é coerente, é mordaz, indolente, apresentando e manifestando sobretudo uma teimosa vontade de viver e um acalorado prazer pelos dias que entre nós todas (os) desfruta.

Bem pouca gente conheço a quem tanto falte no tudo / muito que lhe sobra, e se coisas há que lhe sobram é uma sabedoria de vida que nos devia fazer corar de vergonha. Quem me dera que o homem nunca mude, é como dizem agora, um dos raros exemplares ainda vivos entre nós, e que uma vez sumidos não seremos capazes de restituir à natureza nem de encomenda, preservem-no portanto, que como aquele não se fazem já, nem de loiça.

Com uma agudeza muito própria, que chega a incomodar-nos, faz-nos saber tão despidas, quanto folheadas e lidas, só porque a verdade incomoda, só porque a liberdade nos tolda.

Pois tu, “que julgavas não ter / na vida um só inimigo / deste contigo sem saber / se podias contar comigo”, claro que poderás contar sempre comigo, ou não me revisse naquelas quadras, feitas a martelo e a esmo, mas por natureza sinceras, algumas mesmo quimeras, de quem anda por esta vida, descontente dos contentes que por não saberem nada, acreditam que são gente.

Um poeta disse um dia “ que há quem morra  sem tal saber, e quem viva sem dar por isso”, o teu problema é só um, abriste os olhos ao mundo, e não te agradou o que viste, agora aguenta amigo, porque nem dois e dois são quatro, nem endireitas o mundo, nem o mundo te endireitará a ti.

Pena é, a ser como dizes, que adormeças tão cedo, meditar é bem preciso, meditar é precioso, pena é que o ganancioso, nem para dormir tenha tempo, quanto mais para meditar, por pouco tempo que seja, nos erros que atira a todos, nos erros que nunca são seus.

Ver-nos-emos por aí António Saias, mas foi bom não ter acabado hoje a arrumação desta barafunda, não arrumei os livros, mas arrumei melhor as ideias, que bem precisadas andam por vezes de um safanão.
  
* Maria Luísa Baião‎ escrito Domingo, ‎17‎ de ‎Fevereiro‎ de ‎2002, ‏‎20:14h e publicado num dos dias ou na semana  seguinte em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER.‎ 
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549 - CARROSSEL MÁGICO, by Luísa Baião * ........

  
Para que o dia fosse um daqueles dias de encantar só faltava mesmo aquela coisa que logo pela manhã vi no ar. Um homem, sim, um homem passeando um carrossel que com uma guita segurava pela mão. Girafas, zebras, cavalos, grilos, golfinhos, serpentes, peixes, tantos peixes que o dia num repente ficou mais que parecido com um aquário. Tudo girava em montão, tudo tomara asas tal como um balão, fugidio caso lhe largassem a guita.

Eu marchava pela praça vogando ao sabor dos pensamentos quando quase esbarrou comigo um elefante azul e orelhudo. Tamanhas orelhas fizeram-me recordar uma entrevista dada vai já talvez para três anos a José Faustino, da Rádio Diana. Engraçado que, nessa entrevista, lembro-o tão bem, eu era só orelhas e cuidados. Engraçado como não aproveitei as oportunidades que cada pergunta encerrava.

Senti-me empurrada, parecendo que alguém algo queria arrancar de mim ou arrancar-me dali, tal foi a sensação quando uma mastodôntica baleia branca, perseguida por uma orca malhada, quase me atirou passeio fora.

Então, pouco à vontade na política, então, pouco à vontade no protagonismo obtido com a vitória numa freguesia tão difícil, remeti-me, qual caracol, para dentro de uma concha protectora, o que hoje considero ter sido exagerado.

Olha! Lá vai uma andorinha ! É primavera já ? Sabem dizer-se serem elas mensageiras de Deus ?

Que me perdoe o José Faustino se aquela entrevista lhe não rendeu o esperado, temi que procurasse sangue e burilei as respostas tanto quanto pude. Tanto que, ouvida hoje, até me pareceria não ter sido eu a estar sentada frente a ele e àquele microfone.

Céus! Isto hoje está impossível ! Vejam-me só quantos cavalos-marinhos aqui na praça !

Mas creio que apesar de tudo não estive mal e penso que, melhor que eu, os governos tidos ao longo desse período responderam a muitas das interrogações (provocações?) que o José Faustino me atirou acima e que, qual nora emperrada, tentava tirar de mim com uma fateixa.

Essa zebra deve ter pensado que a não vejo, ela que se cuide, já por aí vi tigres de Benguela, ops ! Que tropeção bolas ! Que mar encapelado, só mesmo aos leões-marinhos apetece brincar ! Larguem-me os pés seus malandros, por favor !

 

Uma questão teimada andava à volta da diferença entre ser de esquerda ou de direita, fugi-lhe um pouco à resposta claro. Um leão da savana olha-me intimidativo, parece o José Faustino conduzindo o interrogatório. Hoje já não se é de esquerda nem de direita, foi o que pensei para comigo, é a verdade e em concomitância lhe respondi furtando-me a uma resposta directa.

Olha que lindo cavalo branco ! E que crina bem cuidada ! 

          Hoje não teria fugido a essa pergunta como então o fiz, ter-lhe-ia dito frontalmente que não me inscrevo nessas marcas, que estou acima delas e sou pelas pessoas, pelo social, pelo progresso, pelo bem-estar, pela qualidade de vida e que, se alguma diferença existe entre forças políticas essa diferença está no fazer, exacto, no fazer.

Um pinguim avança para mim aos tropeções, só mesmo a ele achamos graça se aos tropeções.

Portugal, Évora, o país, a região, precisam de acção, precisam que por eles se faça alguma coisa, tudo. Lá aparecerá quem faça, como apareceu quem não tivesse feito.

Que lindos estes peixes, confundem-me com uma das deles por me verem soltando bolhinhas da boca !

Parecemos todas ou somos todos bons treinadores de bancada. Não há nenhuma, nenhuma de nós que não saiba o que deve ser feito para que isto se endireite. Pois façamos. É só fazer. Não é tão difícil como parecerá à primeira vista, é só fazer, é só ter vontade, é só compreender, é só arranjar motivação, de sobra, para os amigos também. E fazer. E sorrir. E dar despacho. E procurar a resposta. E achar a solução. E voltar a sorrir satisfeita com mais um problema resolvido, um obstáculo ultrapassado. É dar o exemplo. É exigir o exemplo. É exigir o exemplo. É exigir o exemplo.

Crocodilos do pântano levitam por cima de mim, corri para o homem da guita, quis comprar-lhe um bilhete para o carrossel, não mo negou, apenas me impediu por ser adulta. Mas foi simpático, atirou-me um sorriso de tamanho paquidérmico, com tal força que me desarmou. Mas não me quebrou o sonho, nem me atirou um não à primeira, disse-me que sim, mas…

- “Gostaria muito, teria até muito prazer nisso, mas a senhora veja, é já crescida, os animais não aguentam”

- Retruquei-lhe com a lábia mais sabida que tinha à mão, disparei-lhe um dos meus sorrisos/gargalhada, uma palmada nas costas, como fazem os homens, bebemos uma bejeca e ali mesmo lhe paguei todos os balões do carrossel, que distribui pelas crianças correndo mais doidas que eu com aquele zoo inesperado.

E foi belo, enquanto as cervejolas frescas gorgolejavam goela abaixo, era ver a miudagem circulando, contornando árvores e nuvens, subindo e descendo, até que o contentamento os fazia voar céleres direitinhos a casa.

Que cheiro a bolacha americana ! Onde ? Que desejo de matar saudades !

Os vendedores de balões nunca me desiludiram. Desculpa lá Faustino se nesse dia te troquei as voltas, é que não estava à vontade com uma joaninha que me tinha calhado em sorte.

 Abraços.


* Publicado por Maria Luísa Baião‎ em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER, ‎ escrito numa quinta-feira, ‎10‎ de ‎Novembro‎ de ‎2005, ‏‎pelas 10:44h



sábado, 17 de novembro de 2018

548 - ONTEM AMIGA TUA NO CAFÉ ....................




ONTEM AMIGA TUA

Aportou à minha mesa no café,
depositou docemente duas
não mais que três palavras de conforto,
entre elas o teu nome,
e foi quanto bastou para,
num soluço incontrolável,
se me ter desatado o pranto,
o que não me envergonhou por,
por seres tu quem ainda estou chorando,
todos os dias,
sempre.

Sem almejar estancar a dor,
meter travões ou solução no que,
quão menos espero me tenta e embaraça,
que enfrento com estoicismo,
qual heroísmo,
grato por te lembrar,
por me lembrares quanto perdi e,
jamais esquecer-te,
e perdoar-me, perdoar-te.

Só agora me arrependo
de me não ter arrependido antes,
nesses instantes,
de coisas mil,
bagatelas baratas,
pechisbeque sem importância,
tolices irredutíveis,
agora risíveis,.

É que só agora que não posso
o teu perdão busco, rogo,
e lembro arrependido a clemência que não tive.

Sobrava-me arrogância, parvoíce, tolice,
vaidade tosca,
por isso peço e concedo,
agora, tarde,
o perdão que não mereci,
perdoa.

Não te esqueço, nunca esquecerei,
duvido que alguma vez te esqueça meu amor.


by Humberto Baião – Évora, 15-11-2018, 16:36h