sexta-feira, 7 de novembro de 2014

207 - KERERÁS TU KOMPARAR-TE ? .................



Podemos comparar o que comparação não tem ?

Pode, ou é licito, pacífico ou conveniente arriscar uma comparação ?

Em que condições a devemos fazer ou evitar ?
  
Estas e outras semelhantes interrogações me coloco a mim mesmo sempre que uma amiga minha lança, atira, ou provoca comparações.
  
Vou mais longe e digo mesmo arrisca comparar-se.

Tenho-me apercebido que em cada estádio (em cada momento), tenderem muitas mulheres a imaginar-se iguais mas mais genuínas que todas. Tendem, aspiram, julgam-se, intentam, pretendem, e poucos serão os casos em que tal desiderato as não aqueça ou arrefeça.

A essa pretensão responderei com algum saber empírico que me concedem as mais de cinco décadas de vida que já levo.
  
Primeiro que tudo dir-vos-ei que neste precioso item não há coisas comparáveis, pelo que estais a perder a partida no momento em que a comparação é gizada. Cada ser humano é uma panóplia bem recheada de atributos, e os que são relevantes num caso podem não o ser no outro, pelo que a pretensão de encontrar ou ultrapassar semelhanças em realidades diferentes é manifestamente impossível.
  
Em segundo lugar, e volto a frisar estar falando por mim, tenho por preguiça mental ou por inata facilidade a tendência para a categorização, o “arrumar” cada pessoa numa categoria simplificada mas de fácil discernimento ou consulta no “catálogo”.
  
É deste modo que no meu portefólio junto a Felícia faladora, a Armanda mamalhuda, a Rosa recalcitrante, a Alicia boazona, a Teresa beata, a Marília complicadinha, a Gertrudes aflita ou a Lurdes loira…
  
Em princípio todas me merecem igual consideração, e desde já ressalvo todas gozarem, partilharem ou beneficiarem das qualidades e defeitos umas das outras, ainda que em diferentes graus, embora nenhuma seja tão complicada como a Lurdes, que aliás tem umas mamas tão boas como as da Armanda, que por sua vez é tão boazona quanto a Alicia.
  
Onde eu quero chegar é ao facto de, se a amiga A pretende comparar-se com a B eu puxo do cardápio e julgo de imediato a partir daí, é óbvio que raramente se podem comparar, logo, ao tentar estabelecer qualquer comparação a tentativa falha, e ao falhar resulta em perda para quem alimentou a pretensão. Note-se que o contrário é igualmente válido, A=B e B=A, a ordem dos factores é arbitrária, mas o resultado é igual.
  
Naturalmente não privilegio A, B, C ou D pelo tamanho das mamas, mas conta. Evidentemente privilegio o diálogo com alguém menos complicado, mais simpático ou agradável, certamente aprecio a loquacidade dum espírito espirituoso (desculpai-me a redundância), e em concreto afasto-me de ambientes azedos, enfermiços ou socialmente complicados, perturbados, enleados ou embaraçados.
  
Aprecio falar de musica com X mas detesto fazê-lo se ela puxar o tema da arte, considero platina os diálogos sobre romantismo de K mas vitupero-lhe o perfil psicológico, dou muito apreço à ternura meiga de W mas não lhe aparo a rigidez estética, acho muita piada aos horizontes largos de M mas não lhe suporto a estreiteza exagerada dos parâmetros éticos, convivo pacífica e agradavelmente com N mas estou a milhas das suas balizas morais.
  
Em cada amigo ou amiga elegemos, eu faço-o, um rol mínimo de particularidades que definem quem ele é, ou ela é, e como será o nosso relacionamento, a nossa amizade, os nossos diálogos, os temas abordados, e cada um, ou cada uma é, nesse item, único (a), pelo que pretender comparações é arriscar a invasão pelo espaço de um qualquer outro(a), espaço em que esse outro (a) se afirma há bastante tempo e domina como ninguém.
  
É tentar imiscuir-se na pele de outrem, sendo muito difícil que o fato lhe assente à medida, ou seja, é muito difícil igualar ou superar a comparação pretendida. Perde-se. Como já disse são coisas diferentes, e o que é diferente só à martelada se tornará igual.
  
Mas adianto-vos o que penso de cada vez que alguém propositada ou inadvertidamente me suscita comparações.
  
Segurança. Ocorre-me ao pensamento o factor segurança.
  
Não conheço maior testemunho da falta de segurança em si mesmo (a), sendo que considero tal a prova da existência de um amor-próprio muito baixo. Baixíssimo.
   
Pelo contrário, jamais vi uma pessoa segura de si suscitar uma comparação. Quem é seguro de si vive satisfeito consigo mesmo, (a) tem um ego alimentado, não necessita nem quer ser como mais ninguém. Sabe que é único (a) e assume essa autenticidade.
  
Não a mascara nem dilui, reforça-a. Assume-a. Vive-a.

Só quem não está seguro de si que ser “outro” (a), ou ser como o outro (a), imitar ou igualar o outro (a), no fundo perder todas as características que o (a) fazem genuíno (a), único (a), para ser mais um como quaisquer outros (as). Não vejo vantagem a não ser para passar anónimo (a), despercebido (a).
  
Forçosamente (forço-me a isso) quando confrontado com situações dessas, exigindo-me ou sugerindo-me comparações, afivelo logo a simpática máscara da empatia, todavia não vos deixeis enganar, sob ela uma dolorosa condescendência me anima, e não raras vezes a infelicidade desse pretensiosismo entristece-me. (o vosso pretensiosismo).
  
  Vejam por mim, casado há trinta anos com a mesma mulher, (o tempo entretanto passou, fiz a 9 de Agosto de 2018, o mês passado 43 anos de casado) uma mulher incomparável, que não é linda como uma Miss Venezuela mas ainda acho linda como no primeiro dia, que nunca tentou comparar-se a ninguém nem tem comparação com quem quer que seja, não é um prémio Nobel mas é sábia quanto baste, não é faladora mas agradável dialogante, nem soberba nem obstinada, nem devota, atormentada ou confusa, é erudita, fluente nos mais diversos assuntos, cozinha muito melhor que eu, nem é baixa nem alta antes pelo contrário, tinha boas mamas e não ficou pior depois de perder uma e de a Dr.ª Maria Afonso (https://www.facebook.com/maria.afonso.37?fref=ts) lhe ter dado duas que aliás teve a gentileza de me deixar escolher (escolhi meio tamanho e arrebitadas), é uma companhia esplêndida e uma óptima companheira, mas, sobretudo, sempre gostou e gosta cada vez mais de ser ela, de ser quem é e ser como é.
   
Meditai meninas… Esta sim, é única, é genuína, e é uma lutadora …



SAUDADE É COMO TRAÇA NUM ROUPEIRO ...


Pela primeira vez sentia que os seus ciúmes eram justificados. Não que lhe tivesse dado razões para isso. Eram as circunstâncias que os explicavam. Diria mesmo que os impunham, e nelas até eu, critico por excelência dessa excreção sentimental que os ciúmes são, com toda a probabilidade os teria tido.

- Hoje acordei com ciúmes do meu barrigudinho.

Atirou-me, prendendo-me a atenção com o problema que neste último mês me afligia, dois dedos de barriga e alguma dificuldade em abotoar um ou outro par de calças.

Com a mesma ternura com que me cutucava mostrava-me os chocolates no frigorífico, de novo guarnecido, sabendo como eu lhes sucumbia depois de almoço, do lanche, e sempre que a carência de nicotina me assaltava. Eu deixara de fumar mas passara a comer o dobro, e nem sempre o mais recomendável.

Mas o cerne da questão não são os chocolates, o caju, as cervejas, os acepipes ou os excessos, são os ciúmes, que pela primeira vez lhe aceitei com benevolência e não com o indolente desinteresse com que o faria se a a situação mo exigisse.

Foi assim que naquele dia, antes durante e depois do pequeno almoço fui instruído acerca de e como evitar, num futuro que se mostra próximo, mulheres oportunistas, familiares amigos do alheio, ou os cuidados a ter com a nossa inefável burocracia e a ganância das agências funerárias, uma panóplia de recomendações que aceitei consternado, incapaz de reagir com razoabilidade, mas que aceitei humildemente sem retrucar.

Li com atenção e curiosidade, quando me foi dado, um testamento vital de três ou quatro páginas, amareladas, e preenchi a meia dúzia de linhas que me cabiam como Procurador de Cuidados de Saúde.

Enquanto tal não deveria ser exigida a minha presença no notário questionei-me e observei, de qualquer modo se necessário lá iria, retorqui.

Meticulosamente, como sempre fizera com tudo, arrumava a vida afim de não deixar assuntos pendentes. A desorganização exasperava-a, a incapacidade do país afligia-a, a superficialidade das pessoas consternava-a.

As primeiras torradas a saltar eram sempre minhas, que as preferia bem quentes, as segundas já vinham acompanhadas de recomendações, a necessidade de registo no serviço de refeitórios da função pública, o cuidado a ter com a roupa no arame para que não fosse retirada cedo demais e ganhasse cheiro, ou o interesse na inscrição atempada nas redes de cuidados continuados e paliativos do hospital e da misericórdia.

Nalguns casos exigiu-me que tomasse notas, sabe como sou leviano a guardar determinadas coisas na cabeça e , ah ! O hipermercado Continente tem agora um novel balcão de take-away simples, barato e atractivo, muito apelativo, a não esquecer.

Torna-se cada vez mais imperativo tomar as atitudes correctas, anotar o nome das pessoas certas, cuidar que tudo esteja bem encaminhado na hora H e providenciar internamento antes de se tornar imperioso que a dependência exija mais que aquilo que, mesmo apaixonadamente, queiramos e possamos dar. Ambos sabemos, e estamos cônscios, serem os últimos tempos, dias, semanas ou meses quem nos porá à prova extraordinariamente. Fazer as malas, arrumar a vida, abalar, reclama o melhor de nós, quer sejamos o passageiro ou um simples bagageiro.

Amanhã é dia de inscrição na rede de refeitórios públicos, não conseguimos fazê-lo online, como habitualmente em Portugal tudo está eficazmente simplificado para nos complicar a vida. Os serviços abrem às quartas das 9 às 13 horas, lá iremos, à Pousada dos SSAP ali na rua do Raimundo, decerto onde funcionavam os escritórios da OSMOP.

Assim ela ir-se-á em paz, disse-me, certa de que não emagrecerei como um cão e fruirei de refeições quentes, bem confeccionadas e a preço acessível, saberá que sobreviverei menos permeável a artimanhas de persuasão, e aí estão os ciúmes a funcionar, acautelando o futuro, resguardando fidelidades, para que possa ir em paz, quando se for…

Tudo é pensado e ponderado ao pormenor, há muito que detesta o improviso e como tal acautela cenários possíveis, busca soluções e faz-me recomendações. Entre outras incumbências uma que muito me impressionou e comoveu, uma relação, quase uma lista de amigas suas, ou nossas, junto de quem seria lícito procurar apoio moral se dele precisasse, ou de quem seria pacífico esperá-lo.

Comovido abreviei o pequeno-almoço, aleguei algo entalado nos dentes e retirei-me para a casa de banho. Espremi a bisnaga da pasta raivosamente e senti os olhos marejados de lágrimas. 

Naturalmente preocupas-me. E preocupo-me bastante, por isso nunca te falo de mim, nunca te conto de mim, de mim e dos meus receios, temo que os meus medos sejam para ti mais uma cruz.

Não quero ficar sozinho, sabes que nos podemos encontrar sozinhos no meio de um mar de gente. Não que as pessoas fujam de mim como se tivesse um cancro, mas porque não há ninguém que ocupe o teu lugar.

Sempre foste única, e poli, e super, plus, maxi, best, better, e grande a comunhão que apurámos. Lembras-te como a brincar te digo que nem posso pensar alto sem que me apanhes ?

Não há quem ocupe o teu espaço, quem seja capaz, quem esteja habilitada. Foram muitos anos, conheço-te ao milímetro, estranharei quaisquer mudanças por mais ínfimas que sejam, não tenho nem há outra amizade igual à tua. Ninguém me contradiz como tu.

Ninguém, nunca, me amou como tu, com a tua entrega, a tua dedicação, a tua paciência, devoção, os teus gestos, posições, os gostos de que eu gosto.

Não irei contar-te de mim, nem tão pouco falar-te de mim, muito menos queixar-me, sei quão detestas lamúrias, não fazem parte do teu feitio, nem do meu, como tu interrogo-me, quem, quem irá depois cuidar de mim ?

Irei perder a barriguinha como tantas vezes e a brincar provocadoramente me atiras ?

E quem irá cheirar-me atrás da orelha, ou endireitar-me a gola da camisa na hora de sair ?
Desdobrar-me a gola do casaco ou do blusão quando inadvertidamente enroladas ?
Ou sacudir de mim os pelos da gatinha ?
Sim, quem ?
Se não tu quem que não tu, afinal quem há mais de trinta anos ao ouvires de meus pais:

- Luisinha você conseguiu fazer do Berto um homem !

levando a coisa muito a sério assumiste com empenho esse papel a que me encostei, a que me abandonei,

- Berto olha os cotovelos, tem modos
- Berto não rias mostrando a comida que tens na boca apruma-te
- Berto fecha a boca não te babes olha que estão a olhar-te
- Berto não fales alto nem te desfaças a rir olha as pessoas

maternal e ternamente recusando perceber que, se contigo, um almoço de amigos deixa de ser um almoço para passar a uma festa, uma festa onde transgrido os limites da mamã e despreocupadamente me excedo, precisamente por isso, por estares lá.

Naturalmente preocupas-me. E preocupo-me bastante, por isso nunca te falo de mim, nunca te conto de mim, nem de mim nem dos meus receios.

Perturbado apressei o pequeno almoço, desculpei-me com uma qualquer coisa entalada nos dentes e sumi-me na casa de banho. Expeli enraivecido a pasta da bisnaga forçando-me a esconder de ti estes olhos, gotejando lágrimas.