quinta-feira, 26 de março de 2015

231 - IMPONDERÁVEIS................................................

                             
A crescente proximidade da Páscoa alegrava-o, as perspectivas meteorológicas prometiam bom tempo e o sorriso de Heidi, de quem pedira a mão, tornava-lhe ansiosa a passagem dos dias até essas férias.

Como sempre fizera desde rapaz, com tanto empenho quanto orgulho, escalaria o Maciço dos 3 Bispos, desta vez Heidi acompanhá-lo-ia, o que tornava essa escalada ainda mais desafiadora que todas as outras.

Assoberbava-o a ideia feliz dessa conquista, tinha sido dificílimo mas conseguira impor-se a si mesmo e dominá-la mau grado todos os escolhos da escalada, de si para si diria que se superara. Frequentava as montanhas desde a infância e do tempo dos escuteiros, a aposta em Heidi era mais recente, remontava apenas ao tempo dos estudos secundários.

Escalar aquele monte pela primeira vez custara-lhe menos que conquistar Heidi, além disso contara com a experiencia do pai, velho alpinista de moral prussiana que colocava empenho e cumprimento de objectivos acima da honra.

Várias vezes esse pai austero o repudiara pendendo de cordas, ganchos e mosquetões a cem metros de altura numa qualquer escarpa com vozes de incentivo e encorajamento:

- Agora desenrasca-te meu maricas e aprende que só contigo podes contar, “dos fracos não reza a história”.

Fizera-se homem, conquistara todas as escarpas que se lhe atravessaram no caminho, conquistara o respeito e a admiração do pai, conquistara Heidi, sentia-se extrema e invulgarmente confiante e realizado.

Ultimamente (não andava bem) recordava a mãezinha com uma frequência regular. Não eram saudades mas a sua perda estava difícil de aceitar. Era linda a mãezinha. Há muito esquecera os castigos em que o metera encerrado na cave tardes inteiras, às vezes dias inteiros, sem almoço sem lanche sem brinquedos, por vezes devido a coisas tão simples como não saber a tabuada dos noves, ou hesitar na identificação de Hanna Reitsch ou Amelia Earhart, ou não saber na ponta da língua quanto devemos ao chanceler  Otto Von Bismarck.

Muito lhe custara mas tudo perdoara à mãezinha, era impossível não lhe ter perdoado, era a sua mãezinha linda, até os castigos com orelhas de burro, que ela trazia da escola com o argumento de ele não ser mais (ou menos?) que as outras crianças lhe desculpara. Sorte a daqueles meninos terem a mãezinha como professora. Jurara-lhe mesmo ambicionar ser de aço como o chanceler e voar como Amelia e Hanna quando fosse grande.

Jurara mesmo nunca aceitar que quem quer que fosse se lhe atravessasse na frente ou o dobrasse, a mãezinha teria tanto orgulho nele como o paizinho, prezava ser ariano e honraria a sua ascendência, só por cima do seu cadáver o contrariariam e, conhecendo-o, a mãezinha decorou-lhe o quartinho com aviões e modelos primeiro e anos mais tarde inscreveu-o num clube de voo planado.  

Foi o céu na terra, nada contrariava o seu destino, pais e padrinhos conjugavam esforços para que ao menino Andreas nada atrapalhasse o devir até ao êxito, até ao sucesso absoluto, o céu era o limite, e como que caindo do céu tudo lhe ia parar às mãos.

Adorava planar, sobretudo se com nuvens. Ultimamente refugiava-se nelas tanto tempo quanto quaisquer térmicas favoráveis lhe permitissem, para o que aproveitava a oportunidade do mais pequeno voo de colina e até que atingisse uma onda estacionária. Ali se refugiava da intransigência independentista de Heidi, uma independência que cada vez mais lhe parecia insolência, coisa inaudita numa mulher, jamais vira ou sequer pressentira ou notara tal traço de rebeldia na mãezinha, aquilo contrariava-o, e atormentava-o, o exigente treino de voo dinâmico poupava-o a estes pensamentos.

A ser verdade o que dizem, e ela ter ido embora para Espanha, abandonando-o sem sequer lhe ter dado uma satisfação é causa para explicar muita coisa. Andreas é o tipo de pessoa que lida muito mal com a rejeição.

Olhe lá tem isso ligado ? Importa-se de colocar em OF ?

Em record nada mais tenho dizer. OK está bem, adianto-lhe que Andreas foi meu aluno até aos dezassete dezoito anos, um dos melhores, não falhava uma, e quando falhava temia a reprimenda do pai ou o afastamento da mãe e penalizava-se a ele mesmo, quantas pessoas assim opiniosas ante um falhanço, por mínimo que seja você encontra ? Uma em mil ! Ou em cem mil ! São alunos que vão parar inpreterívelmente a medicina, casualmente a engenharias, a gestão, a economia, e irrevogavelmente à politica, são casos anormais, são almas anormais, quer que lhe diga mais ? 
Não me admira nada disto.  

Como ouvi a alguém «a procura de seres perfeitos para qualquer lugar só pode levar a eleger os mais treinados na representação dessa perfeição» …