quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

107 - UM POLICIA COM OLHO DE LINCE...


É bem conhecido de todos aquele ditado que nos diz que “há que estar com um olho na mula e outro no cigano”, o que eu nunca pensei foi que tal se me viesse a aplicar, de um modo que nem tempo tive para perceber se era eu o cigano. 
Rodava um destes dias na periferia da cidade quando ouvi zunir o telemóvel, não estive com meias medidas, fiz o que todos, ou quase todos fazemos, puxei do dito e atendi a chamada. Apercebi-me de repente que em sentido contrário, se aproximava de mim um polícia em potente moto, o que me levou a gritar alterado; 
- Albertina ! Vou desligar que vem aí a polícia ! E, acto contínuo, desliguei o telemóvel e joguei-o para debaixo do banco do carro. Mas o maldito polícia, que tinha olho de lince ! A mais de cem metros de distância já se tinha apercebido que eu ia falando ao telemóvel ! Ainda não se tinha cruzado comigo e já me mandava encostar, o que fiz, e foi só o tempo dele virar a mota, colocar-se ao meu lado, cumprimentar-me cortês e cordialmente, e com a mesma presteza afirmar peremptório; - O senhor estava falando ao telemóvel ! - Quem ? Eu senhor guarda ? Mas se eu nem tenho telemóvel ! Eu ia era coçando a orelha porquanto uma dor de ouvidos não para de me afligir senhor guarda, razão pela qual me teria visto com a mão no dito cujo. E estávamos nisto, ele sem acreditar em mim, eu pensando nas insondáveis razões que me levavam a querer aldrabar um polícia, logo eu que por muitas razões não o deveria fazer. Há quem trema só de um polícia lhe chegar ao pé, ou ao ouvir uma sirene troando, a verdade é que ainda hoje me interrogo sobre aquele meu inusitado procedimento. Contudo a história não acabou aqui, o melhor estava para vir, já que enquanto dirimíamos argumentos, o maldito telemóvel recomeçou a tocar lá do fundo para onde o tinha atirado ! Imaginem a minha atrapalhação ! Tentei dar-lhe um pontapé, calá-lo pela violência ! Mas nada, o maldito objecto teimava em comprometer-me ! O polícia ria, disfarçadamente mas ria, devia pensar para com ele que se apanha mais depressa um mentiroso que um coxo, o que não deixava de ser verdade. Até que às tantas me disse; 


- Vamos lá ! Atenda homem ! Pode ser uma coisa urgente ! Agora está parado, não há problema ! 
Atrapalhado engoli em seco, acabei por admitir o delito, pedir-lhe desculpa, envergonhado, dizer-lhe não compreender a minha reacção instintiva, que tão grosseiramente me levara a mentir, o que ia contra os meus próprios princípios. 
- Passe lá a multa senhor guarda, o senhor tem toda a razão, e muita sorte tenho eu, porque se fosse multado cada vez que ao volante pego no telemóvel, não haveria dinheiro que me valesse. Eu fui (então) sincero, e ele até foi simpático, numa multa que podia ir a mil euros, jogou pelo valor mais baixo, acreditou no meu sentido arrependimento. Ali ficámos depois falando um pouco disto e daquilo, ficámos até amigos, creio, rimos mesmo do sucedido, indo depois, cada um à sua vida, embora eu ainda hoje me interrogue das razões inconscientes, freudianas, que me levaram a tal atitude. 
O certo é que por mais introspecção que faça não encontro resposta para a minha esperteza saloia. Que me ajudem as almas das psicólogas que, curiosas mas mudas e caladas, nunca deixam de espreitar estes meus ditos. Passados poucos minutos, estacionado numa estação de serviço, liguei à Albertina a quem contei a história, e a quem apresentei a conta pela chamada comprometedora que me veio a custar cinquenta euros... 
- Foi simpática, como o polícia, mas nada feito, e de igual modo acabámos os dois rindo do ocorrido. 
Que mais havia a fazer ? Pagar a multa e seguir em frente. 
E agora que me perdoem, mas esta crónica fica por aqui, mais curta que o habitual, pois tenho o telemóvel de novo a tocar, estou cheiinho de pressa, desculpai-me se o tempo é escasso, mas as amizades são tantas !...