Obra de Mairek Haiduk
Ao contrário
do que muito boa gente pensa sou ferozmente apartidário, inda que simpatizante,
sim, da razão e de vocábulos compostos, isto é, de sentido não único,
aglutinados, junções de palavrões vários, que, dependendo da intenção ou do
contexto em que se inserem ou os proferimos são ou podem considerar-se ou
julgar-se dúplices, dúbios, metamorfoseados em figuras de estilo, eufemismos,
metáforas, prazer que me ficou desde quando, sentado nos bancos corridos do antigo
Farggi, hoje New Concept Coffee & Shop e jogando com a minha netinha Leonor
à colagem de palavras como a Sandra e o José da Fonseca faziam e fazem com
papel e outros materiais arrebanhados para as suas esculturas, construções ou instalações.
Isto porque ela Leonor se prendera de amores pela obra de Marek Haiduk, cujos
trabalhos versando a infância mui a tinham sensibilizado e, enquanto comíamos
um mil-folhas, fugindo das coca-colas, jogando ao esconder com um velho abre-latas
que em tempos recuados me oferecera um amigo ferroviário, agora reformado e
engordando a pensão com uns biscates no sector rodoviário onde, num ferro velho
da city, se transformara e reciclara em sucateiro, para bem-estar do mundo inteiro.
Eu, não
querendo ser malcriado e fugindo ao ita não ita ita não há quem está livre
livre está que ela teimava impingir-me, tratava-a por senhorita ita ita, e mostrando-lhe o horizonte, procurava distraí-la com essa linha divisória, ora
recta ora inclinada, ora partida ou horizontal, raramente vertical e na maioria
quebrada.
Assim abordámos uma manhã a Cruz-Quebrada, olhando o mar esverdeado,
azul-marinho ou turquesa, do alto da falésia em meia-lua em cuja esplanada eu,
qual mestre-escola, emborcava ou bebia uma sangria num instante, num pisca-pisca,
diria ela, como noutras ocasiões acontecia em que, por um copo de vidro
pernalta eu bebia a aguardente benfazeja que o frio da manhã me punha em falta depois
de cumprida a lida na liça ou horta onde colheria as couve-flor que, osdespois, apuradas e depuradas em
boiões plenos de vinagre, esse vinho acre do qual me socorro p'ra fazer os próprios pickles os tais que, além de me ocuparem salutarmente o tempo e a
mente, me alimentam o amor próprio e apimentam a couve-flor com atum Bom-Petisco
com que adoro regalar-me.
Obra de Mairek Haiduk
Posteriormente
percorremos a pé o planalto sem construções frente ao café onde beija-flores
esvoaçam em redor de meia dúzia de vasos que alguma alma piedosa colocou numa armação em tripé, donde arrancamos pelo pé uma qualquer linda flor
antes de regressarmos ao torpor do banco corrido do café, visto ser até ali que
o nosso raio de acção nos permite ir, ir em busca dos radiosos raios de sol expandidos
pela luz da manhã nas mil cores do arco-íris, um passeiozito enganador para depois lhe dizer meu amor é hora de ires, está
na hora de partires, e, inerentemente de terminar o papel de ama-seca, mestre-escola
ou baby-sitter. Ela vive a menos de cem metros de mim mas nem sempre
almoçamos juntos, digamos que cinquenta em cem será um número injusto e,
quando o Justo passa na sua nova motoreta eléctrica sabemos ser meio-dia certo, exacto, pois se
podem acertar por ele todos os relógios.
O tipógrafo
que lida com a máquina linotipo ajustando-lhe os ritmos e os humores, o
Canelas, passa apressado, como sempre, vemo-lo quase correndo do outro lado da
vedação de vegetação quando ele, tropeçando numa qualquer coisa, ao invés de cair
sai correndo ainda mais depressa do que viera até ali e foi aqui que nos rimos
a valer, demos duas gargalhadas, apontámos ao destino e regressámos do safari
que dia a dia ou dia sim, dia não fazemos ali, ao planalto florido e que nos
deixa estender a visão entre os prédios da urbanização, do bairro, distendendo as
pernas pelos atalhos cavados nas ervas conducentes ao tal decente tripé atraindo
os beija-flores, com suas flores mais coloridas que coloridos são os namoros e
as paixões de apaixonados embriagados e de aldrabões efeminados que, como nós,
se passeiam por estes campos ou sertões imaginários deixados em herança precisamente
a esse, adivinharam, ao nosso amigo Imaginário.
Bom almoço :)
Obra de Mairek Haiduk