sábado, 18 de novembro de 2017

474 - CARNE DE PEIXE E MAÇÃ OFERECIDAS ...

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Tu falas pouco,
nunca dizes nada,
pouco ou nada dizes,
mesmo assim sonhei contigo,
eras uma fada,
e eu, acabrunhado,
tive porém ainda tacto para,
mesmo envergonhado,
te soprar os cabelos da testa quadrada,
e nela depositar um beijo matreiro,
depois nos olhos,
roçando na tua face a minha face,
os lábios nos teus lábios,
e,
ruborescendo, qual aventureiro,
tocar c’a ponta da língua a tua língua,
o que despertando aberto o apetite,
viu despertar também um seio,
a descoberto,
oferecido,
como uma maçã do paraíso,
coroada por doce auréola,
então,
toldada a minha mente,
 endoidecida p’la névoa,
desatou-se-me a língua enlouquecida,
que passeando-se nele,
tornada anónima pelo denso nevoeiro,
ousou poisar com estilo no mamilo,
sugado com maternal ternura sim,
com candura, mas,
abruptamente arrependida,
recolhi a língua ao palato, atrapalhada,
quando,
gizando a mente uma guinada,
me levou a genuflexão acalorada,
persignando-me e,
abraçando as tuas coxas,
roliças, quentes,
olhando-te a pele branca,
qual carne do melhor peixe,
beijando-te paternalmente os pelinhos,
chamando-te filha, filhinha,
chamando-te minha,
e sinceramente acanhado,
aflito,
embaraçado,
mergulhei em ti desvairado,
ébrio p'lo olor mentolado,
p'lo sabor acidulado,
tendo sido então que,
receoso do Senhor,
arrependido acordei desse sonho lindo,
que tudo daria para não dar por terminado.

Christina Camphausen's in book Yoni Portraits

473 - LEONOR AO CONTRÁRIO DO IMAGINÁRIO

                                    Obra de  Mairek Haiduk

Ao contrário do que muito boa gente pensa sou ferozmente apartidário, inda que simpatizante, sim, da razão e de vocábulos compostos, isto é, de sentido não único, aglutinados, junções de palavrões vários, que, dependendo da intenção ou do contexto em que se inserem ou os proferimos são ou podem considerar-se ou julgar-se dúplices, dúbios, metamorfoseados em figuras de estilo, eufemismos, metáforas, prazer que me ficou desde quando, sentado nos bancos corridos do antigo Farggi, hoje New Concept Coffee & Shop e jogando com a minha netinha Leonor à colagem de palavras como a Sandra e o José da Fonseca faziam e fazem com papel e outros materiais arrebanhados para as suas esculturas, construções ou instalações.

             Isto porque ela Leonor se prendera de amores pela obra de Marek Haiduk, cujos trabalhos versando a infância mui a tinham sensibilizado e, enquanto comíamos um mil-folhas, fugindo das coca-colas, jogando ao esconder com um velho abre-latas que em tempos recuados me oferecera um amigo ferroviário, agora reformado e engordando a pensão com uns biscates no sector rodoviário onde, num ferro velho da city, se transformara e reciclara em sucateiro, para bem-estar do mundo inteiro.

Eu, não querendo ser malcriado e fugindo ao ita não ita ita não há quem está livre livre está que ela teimava impingir-me, tratava-a por senhorita ita ita, e mostrando-lhe o horizonte, procurava distraí-la com essa linha divisória, ora recta ora inclinada, ora partida ou horizontal, raramente vertical e na maioria quebrada. 

               Assim abordámos uma manhã a Cruz-Quebrada, olhando o mar esverdeado, azul-marinho ou turquesa, do alto da falésia em meia-lua em cuja esplanada eu, qual mestre-escola, emborcava ou bebia uma sangria num instante, num pisca-pisca, diria ela, como noutras ocasiões acontecia em que, por um copo de vidro pernalta eu bebia a aguardente benfazeja que o frio da manhã me punha em falta depois de cumprida a lida na liça ou horta onde colheria as couve-flor que, osdespois, apuradas e depuradas em boiões plenos de vinagre, esse vinho acre do qual me socorro p'ra fazer os próprios pickles os tais que, além de me ocuparem salutarmente o tempo e a mente, me alimentam o amor próprio e apimentam a couve-flor com atum Bom-Petisco com que adoro regalar-me. 
Obra de  Mairek Haiduk

Posteriormente percorremos a pé o planalto sem construções frente ao café onde beija-flores esvoaçam em redor de meia dúzia de vasos que alguma alma piedosa colocou numa armação em tripé, donde arrancamos pelo pé uma qualquer linda flor antes de regressarmos ao torpor do banco corrido do café, visto ser até ali que o nosso raio de acção nos permite ir, ir em busca dos radiosos raios de sol expandidos pela luz da manhã nas mil cores do arco-íris, um passeiozito enganador para depois lhe dizer meu amor é hora de ires, está na hora de partires, e, inerentemente de terminar o papel de ama-seca, mestre-escola ou baby-sitter. Ela vive a menos de cem metros de mim mas nem sempre almoçamos juntos, digamos que cinquenta em cem será um número injusto e, quando o Justo passa na sua nova motoreta eléctrica sabemos ser meio-dia certo, exacto, pois se podem acertar por ele todos os relógios.

O tipógrafo que lida com a máquina linotipo ajustando-lhe os ritmos e os humores, o Canelas, passa apressado, como sempre, vemo-lo quase correndo do outro lado da vedação de vegetação quando ele, tropeçando numa qualquer coisa, ao invés de cair sai correndo ainda mais depressa do que viera até ali e foi aqui que nos rimos a valer, demos duas gargalhadas, apontámos ao destino e regressámos do safari que dia a dia ou dia sim, dia não fazemos ali, ao planalto florido e que nos deixa estender a visão entre os prédios da urbanização, do bairro, distendendo as pernas pelos atalhos cavados nas ervas conducentes ao tal decente tripé atraindo os beija-flores, com suas flores mais coloridas que coloridos são os namoros e as paixões de apaixonados embriagados e de aldrabões efeminados que, como nós, se passeiam por estes campos ou sertões imaginários deixados em herança precisamente a esse, adivinharam, ao nosso amigo Imaginário.

Bom almoço :)

Obra de  Mairek Haiduk