segunda-feira, 29 de maio de 2017

434 - PETROMAX .......



… Depois de muito me conter julguei eu encostá-la à parede com um decisivo e peremptório:

- Eu sei escrever mas não quero fazê-lo…

- Então porque dizes isso ? Para me aguçares o apetite ?

- Para me travar os apetites. Temos que saber conter-nos.

- Fala de uma vez por todas ou cala-te para sempre.

- Sou incapaz de ficar calado. Está-me na massa do sangue.

- Doido insano.

- Doido ao quadrado, se pudesse amar-te-ia ao cubo, à terça, à tripla, à três composta, à quarta, à quinta, à sexta e ao sábado, domingo descansaria.

- Então fala caraças, decide-te.

- Se eu desatasse a falar seria até entornar o leite todo e partir a cantarinha. Seria té nunca mais me calar. E o respeito a que estou obrigado ?

- Então não fales homem do Diabo.

- Eu sou do Clube do Cupido e não do Diabo.

- Não me fecundes.

- Ta bem minha querida, adeus lindo amor do coração, por quem eu cortaria a cabeça e a daria a comer a um cão.

Fosse eu um Centauro e não falarias assim para mim, agarrar-te-ia p’los cabelos, dar-te-ia montaria e cavalgaria contigo p’los céus como Pégaso, enfrentando as alterosas ondas dum mar sereno onde te levasse e te deitasse até que, quando afogado nas suas profundezas eu finalmente respirasse e explodisse num banho de luz incontido p’lo negrume negro da profundidade do mar oceano que calhasse navegar e de tal modo essa luz me cegasse que eu visse miríades de pirilampos marinhos e grinaldas de coloridas anémonas voando no lugar das nuvens que esta felicidade afastara das alturas e eu, surpreendido pela beleza dos dias, o inusitado da situação e p'la felicidade vivida, abrindo a boca de espanto como peixe a quem faltasse o ar, me aferrasse à tua garupa, às tuas ancas, ao traseiro, aos quartos, colado às tuas coxas, procurando a firmeza de tudo quanto apregoas no lugar e procurando-te a fornalha incandescente, teimando uma e outra vez e cada vez mais fundo, almejando suprir esta avidez esta ânsia, esta fome e numa reviravolta de esperança e redenção, de fé e devoção, pudesse de ti tomar posse e entregar-me como se num rodeo montando um cavalo marinho eu lhe apontasse puxando as rédeas, o caminho da mais brilhante estrela do mar e lhe ordenasse que a buscasse, enquanto nós dois, mergulhando naquele céu de felicidade, por ser no fundo que está a virtude e a verdade, a luz e o clímax que ambos buscamos mas não encontramos, como se só o fizéssemos à luz de um Petromax, ao invés de dispararmos neste mar em que vogamos perdidos, uma pistola de sinais e rebentássemos bem alto na escuridão que nos tolhe um petardo de cor e luz cujo fulgor nos ocultasse, pois se há coisa que não quereria era sermos encontrados precisamente agora que estamos perdidos neste sonho sonhado de desejo consentido e com sentido mas travado, pois não quero que me dê um pandangaio, quero morrer farto mas não de enfarte, quero a fome de ti morta matada devagar e tu degustada devagar devagarinho como manda o Martinho e eu, feliz e contente tenha tempo até para palitar este dente que, como uma dor imaginada, como um espinho doloroso cravado na minha mente, moendo-me a consciência e esgotando-me a paciência que não tenho e se me esvai por não ferrar-te quando o que eu mais queria e tu o sabes, seria fecundar-te, deixar florir em ti a flor deste amor cujo rancor me incita a, de tempos a tempos regar-te o pezinho, alimentar-te o ego o brio o in e o id, de mansinho pois nada mais me resta que desejar-te, cobiçar-te, ambicionar-te, usar-te, ter-te, esclareça-se amar-te, não vás tu pensar julgar-te eu objecto de arte, ou artefacto, handcraft, fait à la main, sim talvez, porque não ?

Deus distraído e alguém te fez, bela e sem senão, não fora esta nossa diferença que desde a nascença nos separa e depois de ao quadrado, ao cubo ou à terça ou tripla ou três composta e depois de te fruir, gozar, ter, depois de me lamber e degustar-te como um doce um docinho que mais poderia acontecer a não ser retribuíres-me em cuidados paliativos, visitar-me uma vez por semana, por quinzena, por mês, por trimestre até que finalmente uma linda coroa de flores, um caixão baratucho e na lápide:

- Aqui jaz o Silvestre, era bom rapaz mas apagou-se…