sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

298 - A MESA DOS MACAMBÚZIOS ........................

      
                          

É manhã de Natal, ter cagado o pé na merda de cão da vizinha ao descer as escadas para a garagem deve dar-me sorte. Alegre que ia nem reparei, só posteriormente notei, no carro, o cheiro acudindo-me às narinas e o pé escorregando no pedal do travão como em manteiga.

É sorte, depois limpo, por agora o que interessa é a bica, ou morro.  A Bileta fechada, o Sr. Paulo idem, a padaria aspas aspas, pois é, estarão na ressaca como eu se calhar, melhor nem me queixar e buscar já outras paragens.

Natal, brinquedos, crianças, e seguindo este raciocínio rumo ao Parque Infantil que tem quiosque e esplanada. Ao passar nas Portas/ Rua de Raimundo reparo estarem fechados os portões da Mata do Jardim mas não desvaneço e sigo confiante, na 1º de Maio* o jardim está aberto, o quiosque funciona embora tenha a esplanada vazia, talvez o parque também, mais duas centenas de metros e estarei lá.

Saio do carro, no rebordo do lancil raspo a merda do sapato, entro e esfrego o pé na relva molhada para tirar o restante, dirijo-me à fonte e ali, nas pedras que a contêm e circundam raspo o que resta, imerjo o sapato ligeiramente na água do lago para o lavar, olho então o quiosque, fechado, as cadeiras encavalitadas na esplanada feita um viveiro de folhas de outono, varro o parque com o olhar, nem um brinquedo, nem uma criança, nem um adulto, ninguém, somente o sol fazendo evaporar da relva um nevoeiro ténue.

Agarro um pequeno galho para com ele raspar a merda metida nos sulcos da sola do sapato e procuro com o olhar varrendo o parque, um banco onde me sentar e népia, nem um, num parque enorme nem um único banco, alguém na junta de freguesia também cagou o pé todo, aliás na realidade e para ser franco há por ali dois ou três blocos de mármore disformes querendo ser bancos, mas estão gelados e molhados, caguei o pé e molhei o cu, há dias de sorte…

Está visto que não me querem ali, avanço e faço o carro repetir a volta novamente até à praça 28 de Maio*. Estaciono, entro no jardim e sento-me na esplanada solarenga, finalmente uma bica, estava desfalecer.

Também aqui nem brinquedos nem crianças, nem adultos. Um bando de chineses ou japoneses fotografando tudo passa rindo, rindo sempre, rindo de tudo, sorrindo com cara de idiotas. Cisnes, patinhos, peixinhos. Pombinhos e um bando de pardais esvoaçam por ali sem medo de mim, um pavão lindo abre o leque ao sol olhando-me. Os pombos, como os pardais, ou com fome ou sem vergonha vêem comer as migalhas quase a meus pés. Compro um queque e desfarelo-o, dou-lho e tragam-no num ápice como um bando ávido, e por avidez lembro-me do Banif, do BES, do BPP, do BPN, dos Swaps, do fisco, da TAP, da Carris do Metro da Transtejo e deste país onde para engolir são todos como os pombos, nem mastigam, ávidos dos tachos, das sinecuras, das nomeações, de boys.

É dia de Natal, hoje a nossa comuna de café, a nossa tertúlia não reunirá em volta de uma mesa quadrada, nem redonda, aliás para ser franco tem vindo a reunir cada vez menos, noto neles um medo de falar como sentia há quarenta anos. Primeiro o fio da conversa partindo-se ou desaparecendo, depois as próprias conversas, soltam-se e, ao invés delas umas frases soltas, e mesmo a essas banalidades a maioria teme responder calando-se, ou refugiando-se no pois, no é a vida, no isto não tem melhoras, no isto não tem conserto, no são todos iguais…. 
         O Teles masca as respostas temendo que o ouçam e ninguém ouve o que diz, a Ofélia fala cada vez mais baixo e já ninguém lhe liga, aliás acho que se não fosse pelas mamas que tem nem o lugar lhe guardariam em torno da mesa. Talvez por isso já ninguém lhe liga, já nem perdem tempo a responder-lhe e também ela se vai aos poucos calando. Com receio que o ouçam e metam no cu do chefe da repartição o Grenho imita-a, o Gomes teme que sussurrem o que lhe ouçam aos ouvidos do vereador e passou a falar entre dentes, a Andreia teme o general da messe onde trabalha, o Barrenho o patrão, o Silva o sindicato, o Quintas o partido, o José Fonseca a mulher, a Joana o senhorio com quem anda desaguisada, o Marmelada nem aparece, a Justa apagou-se temendo serem vistos connosco e , um a um todos se vão calando ou afastando, o mesmo noto no jornal da terra e que costuma estar na mesa, meias noticias ou nem sequer noticias, que é como quem diz só noticias de merda.

Os dos partidos de direita pasmam com as asneiradas que os seus próprios partidos cometem, os dos partidos de esquerda também, e todos pasmam com a situação de miséria a que chegámos, com tanto expert mandando postas de pescada e mesmo assim nos atolámos, tanto sábio, tanta sabedoria e toma lá que é para aprenderes a culpa é toda da Maçonaria diz o Maia, a Ofélia teria dado conta do recado cem vezes melhor gargalha o Cesário em defesa dela (andam enrolados) e logo um outro:

- E com aqueles atributos a camarada contentaria mais que uma tendência…

- Tendência ou classe, atira um outro, cada facção sua sentença e cada sentença sua cabeça e cada cabeça uma cagada debita um outro rindo-se enquanto fala.

- Lá classe tem ela, rosna o Cesário baixinho rindo-se sarcástico.

- Dezanove milhões estourados em ajudas a bancos falidos e queriam vocês melhor jorna, melhores pensões e ordenado mínimo, pois sim pois sim tá bem, isto não me lembra senão o tempo do Carmona, do Sidónio Pais, só já falta um Salazar para o filme se repetir aventa irritado o professor Macário ajeitando o saco e a algália pois é incontinente, e incontinente verbal também, já o conhecemos e bem.

E assim vamos, os dos partidos de direita pasmam com as asneiradas dos partidos de esquerda e estes com as que os partidos de direita cometem, no entretanto cada um define-se cada vez menos e hoje quem de fora nos observe não será capaz de dizer quem é quem, quem é de direita ou de esquerda, e nem cada um deles mesmos já sabe, tal as arestas que a si próprios têm limado, a tal ponto que, os únicos a manter a coerência são precisamente os que desde a primeira hora nunca a tiveram e que continuam tal e qual, os gelatinosos bandeirinhas que tanto trabalho davam a afastar da mesa.

Mas enfim, é a vida, e é Natal, e como alguém disse; “vai dar banho ao cão, toda a gente quer ficar em casa no Natal”, acrescentando que se eu não fosse galdério ter-me-ia certamente poupado a algumas chatices como cagar o pé todo em merda do dito cujo, todavia, mas porém, outros dizem contudo ser sinal de sorte pelo que amanhã irei jogar logo de manhãzinha no Euro milhões ! !


 Cést la vie, cada um é para o que nasce, saí da esplanada e procurei, ávido, a casita de banho por baixo da arcada do palácio mas só havia para senhoras, no problem, desandei por ali abaixo em direcção à capoeira dos pavões, encostei-me bem à sebe, olhei em redor, deparei nas minhas costas com as ruínas fingidas e os portões de ferro que dali davam acesso à mata fechados, mirei em frente o imponente Palácio de El-Rei D. Manuel, em especial as janelas cimeiras e então e só então, e enquanto pensava que a cidade já viveu melhores dias, pena que tenham sido há perto de quinhentos anos, aliviei-me com desembaraço e desenvoltura pois embora não seja incontinente tenho problemas de bexiga e rins pelo que me soube mesmo bem aquele desabafo visto estar mesmo apertadinho e a junta de freguesia por vistos nem dessas coisas se lembrar.   

E assim acabou a minha manhã de Natal, rumei ainda ao Palácio do Barrocal onde pensava procurar uma lente de contacto perdida mas quer o Palácio quer a Exposição Duplos X 2 Sandra / José da Fonseca* estavam fechados pelo que lá fui andando, ou desandando em direcção a casa e ao almoço como Camões, vesgo de um olho mas já sem o pé cagado.

Quanto à mesa dos ma·cam·bú·zi·os, expressivo adjectivo e/ou substantivo masculino significando quem não mostre alegria ou tenha tendência para se isolar, ou seres sorumbáticos, taciturnos, tristes, tristonhos, meditabundos, está para durar, ou agravar-se-lhe o mal que é como quem diz estará para acabar. Bom Natal e vejam onde metem as patas.