domingo, 20 de fevereiro de 2011

22 - MENINA PRECISA-SE...



Como tudo está mudado ! Nunca pensei que volvesse pastelaria ! E tantos anos aqui passados, jamais o tempo me apagará as recordações dessa época. Quase diria terem sido os melhores anos da minha vida. Ali era a minha secretária, acolá a do senhor Justo, coitado, que será feito dele? Olha! Nem de propósito ! A bolsa que trago hoje foi oferta dele ! E que boa tem sido !

Coitado, não aguentou esta crise, e era tão bom homem, sempre carinhoso comigo, se precisava de alguma coisa ou não, e, verdade seja dita, mais nenhum homem reparou, como ele reparava sempre, mas sempre, no baton que trazia, se trazia ou não, e se não trazia porquê ? Que se passava ?

Sempre solícito, se eu estava doente ? Se era desgosto ? Se eram aqueles dias ? Que amor de homem, nada lhe escapava, se eu mudava ou deixava de usar um anel, a mais pequena alteração no rouge, nada lhe escapava, era incrível !

E a megera com quem era casado ? Era e é coitado, nem vale a pena dizer que nunca o mereceu, nem merece, e os olhos que me mandava cada vez que vinha ao escritório, até me arrepiavam ! Que mulher horrível ! Má, ciumenta, desconfiada, nunca vi como aquilo ! O senhor Justo era precisamente o contrário ! Atencioso, carinhoso, merecia melhor, tirando o bafo no meu pescoço, que devido ao tabaco eu detestava, até ao fim nunca tive a apontar-lhe a mais pequena coisa, antes pelo contrário.

“PRECISA-SE MENINA”… precisada ando eu, menina é que ora está bem, há quantos anos isso foi ?

Parece que a minha sorte anda ligada à do senhor Justo, desde que ele adoeceu e fechou o gabinete que não consigo arranjar trabalho, mas servir ? Fosse o senhor Justo o homem que foi se ele alguma vez me deixaria andar a servir ! Era o deixavas !

Recordo tão bem ! Ali era a minha secretária, acolá a do senhor Justo, sempre virados um para o outro, e foram anos, sempre tão meu amigo, confesso que hoje estou arrependida de o ter ofendido, eram outros tempos, se não era uma menina era pouco mais, não devia ter ainda trinta anos, e recusar-lhe o apartamento e o carro que me quis oferecer… hoje acredito que a minha recusa o tenha ofendido, hoje acredito que ele não estava a brincar, que me amava mesmo, jamais o tempo apagará as recordações dessa época, foram os melhores anos da minha vida.

Como o teria feito feliz !

E nem teria sido preciso muito, bastava ter sido diferente da megera com quem é casado, coitado, nem vale a pena dizer que nunca o mereceu, nem merece, nem alguma vez merecerá. Fomos tão felizes, podíamos ter sido tão felizes, amei-o de verdade, tão bom homem, sempre carinhoso comigo, sempre solícito, nada lhe escapava, tão atencioso, tão carinhoso, e eu, feita parva, ainda o ofendi com a minha arrogância, não me perdoo.

Tão felizes fomos aqui !

E já nem há homens como ele, isso não há, não há e há muito tempo ! Ainda lembro aquela vez, era Inverno, já passava das seis, ele estava a vestir-me a gabardina, de repente faltou a luz, e lá fora já noite, e tão escura, os estores descidos, e derrubámos os papéis todos da secretária ! Só no dia seguinte os apanhámos, foi tão bom, foi desde esse dia que vi quanto ele me amava, devia ter deixado o quarto, hoje tinha o apartamento, talvez não estivesse tão mal, tão só, ele sempre quis o melhor para mim, eu é que fui parva.

Olha no que deu a minha mania da independência.

Amei-o, não posso garantir mas acho que a meu modo o amei. Ter-lhe-ia dedicado a vida, mas como, se ele era casado ? Tenho a certeza que a nossa separação, mais que a crise e a falência o prostraram no estado em que está, como teríamos sido felizes ! Foram os melhores anos da minha vida, acabar ao lado daquela megera, que pena, dizer que nunca o mereceu é pouco, nem alguma vez merecerá.

Fomos tão felizes, podíamos ter sido tão felizes.