sexta-feira, 27 de maio de 2011

52 - VERDADE OU CONSEQUÊNCIA?


Em abono da verdade o meu casamento não terminou agora.

Terá acabado algures em finais da década de oitenta quando, na véspera de uma viagem que a afastaria de casa por uns dias, colocava-mos a “escrita em dia” e ela, compenetrada da solenidade e importância do momento, olhos fixos no tecto enquanto eu numa arrancada final me esforçava por atingir as cem elevações por minuto e num sussurro extasiante vindo dela, um murmúrio, me alertava para o facto de não poder esquecer os saldos do StockMarket …

Jamais tive duvidas de que terá sido esse o exacto momento em que a rotina se instalou insidiosa, e aquele em que a partir do qual aleatoriamente fui aceitando o que se me oferecia, e descobrindo que a riqueza da diversidade era infinita como Darwin apostrofara séculos atrás, momento a partir do qual por mais que mo jurassem não acreditaria haver duas mulheres iguais.

E não há, como posteriormente tive oportunidade de confirmar.

Mesmo estiolado o rotineiro casamento aguentou-se por mais uma década, responsabilidades para com filhos e sua formação e emancipação, outras dificuldades logísticas e práticas, o meu comodismo quanto a cama mesa e roupa lavada, só entendi então quanto todos somos comodistas e conservadores, até nos hábitos mais comezinhos… mas também o meu sentido ético diga-se… se um homem se mete nelas é para as aguentar até ao fim, a honra assim o exige !

Mesmo que não tenha casado por igreja nem pronunciado alguma vez o fatídico “até que a morte nos separe”.

Uma ou outra vez fui apanhado em falso, sublinho em falso, com pretensas conquistas, não o eram, e como tal nada houve que o provasse. Tratara-se apenas de amizades que nem convenceram nem floresceram mas causaram agitação na família, eu diria que uma pitada de pimenta no nariz de um defunto que, descontados os espirros do momento, logo voltaria à sua rotineira letargia.

Mas com isso aprendi, aprendi quanto fui e ainda hoje sou torto, já que irritado pelas carecas descobertas, jurei a mim mesmo que se eu não me podia gozar das prebendas da natureza, também ninguém se gozaria das minhas, tendo dado início a uma exemplar vida de eremita e abstinente que nem o melhor padre vez alguma cumpriria…

Armado em paternalista (sempre o fui, sempre me fodi com isso e nem mesmo assim aprendi a lição) fiz varias tentativas para sair de casa e deixar todo o espólio material dos anos partilhados.

Quanto menos tivermos mais fácil se tornará a mobilidade e jamais voltarei a cair no erro de juntar mais que meia dúzia de livros, de CD’s, pares de meias cuecas camisas e calças.

Tudo que não caiba na bagageira de um carro é excesso, e cada vez mais me convenço disso, pelo que com o tempo fui abandonando um natural cariz materialista que a todos mais ou menos domina e me fui tornando tão espartano de hábitos e exigências, quão estóico na capacidade de sobreviver com meios limitados e em condições adversas.

Sair de casa era portanto a solução…

Procurei saídas, mas uma delas, num segundo andar da periferia e sem elevador não augurava nada de bom para mim, já ultrapassados os quarentas, ainda se ela fosse enfermeira... mas não era.

Outra não tive a menor duvida quanto a uma boa localização e centralidade, contudo a inexistência de uma garagem deitou por terra todas as minhas aspirações, não podia dar-me ao luxo de deixar a moto na rua, e onde guardar os capacetes e os fatos de cabedal ?

Uma terceira era, ou teria sido o paraíso, uma quinta no campo, espaços verdes, ambiente natural, ar puro, comunhão com a natureza, enfim, o único senão era o acesso, que obrigava a percorrer perto de dois ou três quilómetros numa estrada de terra recheada de covas e buracos, terríveis para mim que não tenho um jeep 4x4 mas sim um baixíssimo convertível, tão baixo como qualquer outro desportivo.

Ela recusou-se a dar trato à estrada e eu recusei juntar os trapinhos, um homem tem que acautelar determinadas situações, à primeira cai qualquer um, à segunda só cai quem quer né ?

Posto isto ainda estou com o dilema por resolver, e, como dizem, passando por um mau bocado, e precisando de um tempo… Uma situação complicada... 

                     Percebem não percebem ? …