terça-feira, 30 de dezembro de 2014

219 - NATAL, O POSTAL DA ALDA ……………


Era já crescido quando visitei a Suíça, talvez vinte, ou à volta disso. E visitei-a no verão, pelo que me escaparam os alpes gelados, os chalés cobertos de neve, as coníferas resplandecentes de ramos carregados de cristais de gelo e todo o mistério do Natal que arrasto desde a infância. Valeu-me a irreverência da Luisinha, por aquela época tão irreverente (perdão pela redundância), quanto as cabras monteses, logo ali ao estender da mão, nos prados verdes, e a minha proverbial bonomia de alentejano. O acolhimento da Brigite e do saudoso Quim da Cruz (falecido há um mês) completaram o postal que naquele longínquo verão trouxe de Emmenbruck e de Luzern.

Mas o postal da Alda despoletou em mim recordações muito mais antigas, atrevo-me a dizer que mais vívidas, pelo menos as poucas que de tanto natais ainda guardo, já que somente essas ficaram, como num Natal em que presenteei o meu filhote de 5 ou 6 anos com uma soberba bicicleta de corrida, azul metalizada, de que eu tanto gostara. Leram bem, eu, de que EU gostara. Claro que o miúdo sorriu, um sorriso amarelo, e meteu-a de lado até que mais tarde a trocámos por uma outra de que ele gostou, ele. ELE.

Não nevava na minha infância, quando muito caíam geadas de morte que deixavam no tanque da horta e nas poças uma fina pelicula de gelo, límpida, transparente, nas quais por vezes pegávamos com os dedos nus e comíamos como se fora uma bolacha americana. Não havia geada nem gelo que entrasse connosco, acho que até calções usávamos em pleno inverno.

Não havia neve mas havia lama, muita lama. O autocarro avançando deixava nela sulcos que nos davam até aos joelhos, e poças fundas, largas, de uma água barrenta e suja que contudo formava inexplicável e fina camada de gelo, fina como o vidro, que nos entretínhamos partindo saltando-lhe em cima aos pés juntos.

Num qualquer Natal ficara para mim na chaminé um carro dos bombeiros. Ainda hoje o recordo tal qual era, de um vermelho vivo em plástico, sobreposta ao comprido dele e de um branco mais branco que a neve a enorme escada extensível, puxava-se e de dentro dela saía outra duplicando-lhe o alcance, e que dizer das rodas meu Deus ! Uns pneus vigorosos, de rastros cruzados ! Havia lá lamaçal que prendesse o seu caminho !

Mas que tinha afinal o postal da Alda que tanto me impressionou e tantas memórias avivou ?

Magia.

Somente a magia do Natal.

De todos os natais, da excitação da noite que o antecede, do não adormecer cuidando de ouvir o Pai Natal descer, do acordar de manhãzinha em sobressalto e sumir-me para a chaminé, abrir todos os presentes ao mesmo tempo e encher a boca de rebuçados e chocolates à bruta, esquecer o pequeno-almoço e correr para a rua ignorando o frio, brincar com os demais, admirar o que ganharam, morrer com inveja de uns e provocá-la noutros, até acalmar e regressar a casa e às caixas em folhinha que escondiam os melhores rebuçados bombons e chocolates, as que vinham das tias, e é aí que regressamos ao postal da Alda, gravado nas latas de bombons e chocolates dos meus natais e que guardei durante anos só as abandonando ao sair de casa para me casar.

Estampada nessas caixas de lata estava toda a magia que em criança me habitara, a neve, as montanhas, o céu azul, o amor das tias, a tia Benilde, solteira e tardia, que talvez exorcizasse em mim a maternidade que via fugir-lhe por ter ficado sempre solteira, a tia Tina, que por essa época estava noiva e cujos carinhos me foram sempre caros. Era nessas estampas, nas tampas, que se podiam ver as paisagens que eu mirava e remirava tempo sem fim, abrindo as latas com cuidado, comendo-lhes os chocolates com parcimónia mas que racionava com acrimónia e em cujas palhinhas fofinhas repousavam doces maravilha onde, prolongando o prazer, enterrava os dedos numa gulodice desmedida em busca de cada bombom. Latinhas que depois escondia como sendo o Tesouro do Barba Ruiva, como se não conhecessem os meus pais e irmãos todos os cantos à casa.

Curioso que nada mais lembre do Natal que não esta magia encantada, nem almoços, nem jantares, nem o Ano Novo ou os festejos da sua passagem recordo. Recordo sim estas caixas, estas latas de folha, prenhes de palhinhas de papel e chocolates, as sombrinhas coloridas que me pintavam a boca de castanho e comia à dentada, os coelhinhos de papel de prata arrancada com pressa, os pais natais ocos forrados de papel vermelhinho com estrelinhas, os pequenos bombons multicoloridos do tamanho de cerejas, a geada branca, o gelo transparente, a lama da rua, quilómetros de lama, a ribeira que corria cheia arrastando laranjas do pomar da quinta do Menino de Oiro e cujas águas enfrentávamos de calções arregaçados, num equilíbrio perigosíssimo para as apanharmos.

O Natal pra mim são todas estas recordações, lembro o sempre enfurecido Rim Tim Tim e a Violeta de pelo bronze, o canavial por trás da casa bordejando o quintal, a extensa vereda para o tanque, o limoeiro grande a meio caminho, a vacaria, a cancela do portão onde me balançava para cá e para lá, a vereda acompanhando a rua e por onde caminhávamos, a fim de evitar caír na lama até à paragem do autocarro, onde todos os dias como um relógio descia o Bolas para namoriscar a Ricarda, os homens sentados no murete do Granja, pavões lindos na quinta do Sacramento, o click das latinhas da campanha do gás Mobil e que andavam nas mãos de toda a gente, a mesa cheia de postais da Luzévora que todos ajudávamos a preencher para enviar as Boas Festas à clientela, a mãe trazendo um bolo-rei enorme dos da Pastelaria Violeta, toda a gente de roupas novas, uma vez ganhei umas luvas de lã, vermelhinhas como sangue e que adorei e usei até ficarem rotas, noutro Natal um blusão de cabedal herdado do Nito e que me ficava curto nas mangas, o professor Pulga antes de irmos de férias enfeitara a sala com a ajuda de todos nós, o Proença levara musgo para o presépio, sim esse, reformou-se há meses da UGT, era meu parceiro de carteira, a D. Bia montara ao lado dos Reis Magos uma mesa e repartiu um gigantesco bolo antes de irmos de férias, e pronto já estou emocionado sou um coração de atum.

Pelo que o melhor é aproveitar esta comoção e desejar-vos umas sinceras Boas Festas e em especial um Ano Novo cheio de propriedades e prosperidade, e já agora pedir ao Senhor que proteja a minha família e a Malala, e que descarregue uma maldição e fulmine todos os talibãs e se não for pedir muito, lembra-te Senhor que nada te peço há mais de trinta anos, por isso era só esturricares mais uma dúzia ou duas, nada Te custaria, com o mesmo incómodo podias arrumar o Cavaco, o Marcelo, o Berlusconi, o Coelho, o Soares, a Maria Luís, o Costa, o Marco António, o Portas, o Menezes, o Sócrates, o Schauble, o Barroso, o Juncker. A Merkel, e a Troika ! Não esqueças a Troika Senhor que se esta malta que me lê não vê aqui um pedido pra linchar a Troika apesar dela não ter culpa pela nossa estupidez mata-me, como bons cristãos que são irão crucificar-me, portanto Senhor carrega forte e feio na Troika que Te juro fidelidade até ao fim dos meus dias Senhor !

P.S. – Perdoai-me Senhor a arrogância demonstrada, estava possuído de rancores Senhor, só mais uma cunhazita Senhor, aqui na minha rua poderias abençoar as vizinhas Cândida Cerqueira e Guiomar Batarda que estão em boa idade e é um gosto vê-las Senhor, quanto aos outros faz como entenderes, que só me estorvam e ocupam os lugares de estacionamento, sem nenhum respeito pelo facto de eu morar aqui e até frente à minha porta pararem quando moram a mais de vinte metros de distancia,, e nem os cães me desviam da porta, de tal modo que desconfio virem pô-los a cagar aqui de propósito só para me desatinarem, pelo que fico indiferente às Tuas acções Senhor, mas esperançado que saibas fazer cair sobre eles uma chuva de enxofre que lhes queime as pinturas dos carros e os cegue, e já é pedir pouco porque quando olho para o que fizeste em Sodoma e Gomorra fico meditando e hesitando quanto seria demais pedir-Te isso ou um diluvio…