quinta-feira, 21 de abril de 2016

337 - O QUE É UMA BERLIET TRAMAGAL ? .........


O que era uma berliete, perguntou o Júlia, rapaz bem-humorado e espigadote, voluntarioso, vinte e nove anos acabados de fazer e já com mais estágios que um sargento lateiro teria conseguido durante as guerras coloniais. Tudo por também se querer rir da piada largada na tertúlia amesendada em redor da mesa do café e que ele não entendera.

- Uma traseira linda como a frente de uma Berliet !

dissera o Armindo referindo-se à Maria Júlia, a nova funcionária da pizzaria da rua, nova quer dizer, já iria nos trinta e tal ou quarenta, contudo não perdera a beleza, acumulara até, segundo algumas opiniões, uma traseira ou um traseiro considerável, o que a não desfearia de todo, outros rebatiam essa opinião, afinando pelo diapasão contrário, terceiros alegavam ainda que nova não seria decerto, pois nem nova era a pizzaria, teria já perto de um ano, e ela viera com a abertura da casa. 

Enfim, gerou-se uma daquelas confusões em que acabaram por ser trazidas à colação a Micas do Quiosque Primavera, a Célia da Padaria Pão Da Terra, a Serafina das análises, a Cândida da farmácia, por isso nem me admirou que, a páginas tantas o nosso bom Júlia tivesse abandonado a sua postura de incredulidade e desabafado como desabafou;

- Mas afinal o que é uma berliete ?

uma vez que a idade e a inerente inexperiência de vida não o autorizavam a saber o que seria tal coisa, uma Chaimite enfim, qualquer um sabe, mas uma Berliet chia mais fino não será ? E o bom do Júlia nem trinta aninhos terá portanto…   

Deste modo a malta agora queima muitos cartuchos, quer dizer queima o tempo, com futilidades, com vacuidades, porque a não ser que algo verdadeiramente novo force a coisa todos na tertúlia fogem de discutir politica, como se a politica tivesse lepra, a verdade é que há algum tempo se vinha sentindo a aversão a isso, um receio ou recusa mais pressentida que sentida, mais subtil e difusa que nos velhos tempos, falo dos tempos anteriores ao bambúrrio do 25 de Abril, pelo menos é o que o Neutel também garante, e ele dessas coisas sabe, fora chofer da pide, estivera preso em Alcoentre e só se safara porque no dia em que os deixaram fugir a todos ele se recusou a dar às de Vila Diogo, bateu o pé que era um mero chofer e, segundo ele afirma, foi o próprio Otelo quem lhe deu uma palmada nas costas, lhe perdoou tudo e o mandou embora em paz. Que anos mais tarde o Hermes do Notícias de Évora lhe tenha partido uma cadeira de café em cima é episódio que já nem lembra ao diabo, sobretudo depois do Hermes ter sido enterrado, e já lá vão uns bons anos… Vermelho mas bom tipo o Hermes. 

Portanto o que se nota no ar, ou no pessoal, não é um receio de ser escutado pelo bufo, ou por um delator, antes um receio do colega, do camarada, do amigo, do companheiro, da concelhia, da distrital, da federação, do partido, criando um ambiente doentio e envenenando amizades e relações, difundindo suspeitas, levantando constrangimentos, enterrando a espontaneidade, sufocando a liberdade, levando a que à mínima coisa todos se fechem como um bicho de contas, uma lagarta num casulo, um doente em casa, um psicótico dentro de si mesmo, tal qual um melancólico se encerra na sua poética melancolia. 

É esta a herança do 25 de Abril, efeméride que estamos a dias de comemorar 42 anos e onde já ninguém grita liberdade, pão, paz, habitação, tudo coisas hoje a conta gotas, primeiro para a família, depois para padrinhos e afilhados, seguidamente os boys do partido, no fim os enteados e os bastardos e só depois a malta do povinho, uma catrefa de desgraçados filhos desta puta de democracia e por quem se distribui a última gota. É esta a herança de 500 mil desempregados, 500 mil emigrados, 500 mil mal empregados, 500 mil arruinados... Enfim, tudo gente sem escrúpulos dirão alguns, mas que vai gritar de novo este ano 25 de Abril nunca mais... E gritarão NUNCA com maiúsculas...

Tudo isto me cria na boca um certo amargo no preciso momento em que na Tv o PM promete não haver mais aumentos de impostos, quando os aumentou todos até aqui e até ao limite do admissível, mais parecendo ser a única coisa que sabe fazer, ele e os outros, os que estiveram antes e os que estarão depois, taxar, taxar, taxar, este hoje com esta, e ainda ontem o da economia, e o gasóleo, e Espanha e Badajoz e bla bla bla. Senhor ministro tenha mas é vergonha e demita-se ! Um ministro que só sabe taxar e dividir os portugueses em gente de primeira e gentinha de segunda não está a puxar pela economia ! Está a discriminar ! Está a trair-nos as expectativas ! E é isto a que estamos condenados, pode ser que seja somente até um dia em que, com a ajuda de Deus, alguém lhes enfie um balázio nos cornos e grite de novo liberdade pão paz habitação ! Sei que é um sonho mas sonhar ainda não paga impostos, por enquanto né ?

Foi por isto que nem devia ter ficado admirado quando o bom do Júlia, após receber a explicação sobre o que era e para que servia uma Berliet se ter saído com esta;

- Era metê-los todos numa Berliet, levá-los para a Carregueira*, abrir uma vala e despejar os carregadores !

Fiquei banzado ! Quem lhe teria ensinado o que é a Carregueira ? Esta malta nova afinal não é tão fósforo amorfo como eu pensava, existe por baixo daquela resignação aparente um último laivo de esperança, um último grito de revolta, talvez não esteja tudo perdido, talvez não.

- Claro que não está tudo perdido ó parvalhão !

- Olha-me esta Mitsubishi Canter ó meu artolas, há lá camioneta mais linda que esta ! Aquilo nem poluição faz, nem grainhas tem !

Era o alarve do Esteves reinando comigo, com a bronca levantada pela Mitsubishi no Japão e com a criação das uvas sem grainhas em Ferreira do Alentejo, mas tinha razão, passando na nossa frente com uma caixa de morangos a Lourdes da frutaria era uma camioneta linda, um rodado admirável, os pára-choques no sitio, dois airbags de primeira, até eu que sou ateu juraria tirar mais depressa a carta de pesados que renovaria o cartão do cidadão por causa da parvoíce do Bloco de Esquerda. A nossa vida política é cheia de alarvidades parvoíces e ironia, só os idiotas do BE são capazes de em 5 minutos deitar por terra o trabalho de seis meses... ou de seis anos ... Alguém lhes devia explicar o que é o bom senso, pois a mim nem precisam explicar-me que o Esteves tem os gostos estragados, cá para mim a Lourdes tem o cu descaído, quer dizer tem as pernas curtas e o tronco comprido, já outras são ao contrário, parece terem o cu debaixo dos braços, as pernas longas a perder de vista (adoro olhá-las numa perspectiva ascendente) e o tronco curtíssimo.

Enfim, gostos não se discutem, até porque veio logo o Mário com as preferências dele pelo chantilly, a que o Arnelas contrapõe a mousse de chocolate. Deixei-os a falar sozinhos, sou mais do género pragmático, um prático, um moranguinho bastar-me-ia, não sou homem para me perder em divagações.