quarta-feira, 14 de setembro de 2016

379 - DO HUMOR E DA IRONIA, A CLEMENTINA

                    

Ouvindo os meus lamentos a Clementina, que nem é tão azeda como a julgam, nem casca grossa, antes docinha como um pêssego, um alperce, acercou-se da mesa e procurou inteirar-se do motivo da controvérsia do dia e, naturalmente e como é próprio da sua doçura, deixar um qualquer lamiré apaziguador, quiçá uma prova da sua ternura, simpatia e empatia.

Cousas que ao Arlindo em nada sensibilizaram, ou molestaram, dado ele ser daqueles tais, dos diferentes, dos todos diferentes mas todos iguais e contra quem a mesa toda se virara, pois acabara de criticar asperamente a disciplina militar, primeiro a respeito das mortes nos treinos dos comandos e depois acerca da nem tão recente polémica com os rapazinhos do colégio militar dos pupilos do exército. Logo calhou que o Zé Antero lhe tivesse feito uma cena que nos deixou todos rindo ao encenar esta piada:

- Parece que estou a vê-los todos ó Arlindo ! De baioneta em riste e preparando-se para abandonar as trincheiras em direcção ao inimigo

- Vamos a eles meus amores ! À carga !

Foi risota geral. Humor e ironia é a sorte daquela mesa, quero dizer desta, pois é nela que vos estou dando conta do ocorrido agora que todos desandaram cada qual arvorando uma desculpa diferente, o Arlindo meneando-se com todo o ar de dama ofendida, o Zé rindo à gargalhada, a Clementina como quem caminha aspergindo água na fervura e o resto gargalhando a bandeiras despregadas.

  
Sobrei eu, fiquei eu pra pagar a conta como sempre calha ao mais parvo, nem sei como a coisa calha para me calhar a mim vezes demais. Fiquei entalado mas também rindo do sucedido e de como em poucos minutos um ambiente se pode modificar completamente. É certo que fiquei a rir, não me fiquei rindo mas fiquei a rir o que parecendo igual não o é, é uma coisa completamente diferente, o riso descomprime, o riso é saudável, a falta dele provoca desde embaraços a incompreensões, a desconfianças, complexos e traumas vários e até males sezões, desaconselhando eu vivamente a amizade e o convívio com quem não partilhe o gosto pelo humor e pelo afiado gume da ironia. Sendo para casar então o melhor é nem sequer pensar em tal, pois irá ser aventura de curta duração com divórcio garantido a breve trecho. Rir é hoje em dia uma questão de sanidade pública e privada. 

Realmente perante determinadas situações rir é mesmo o melhor remédio, se não o único, pois que, em especial neste nosso caricato e peculiar país, a maior parte do acontecido somente pode ser avaliado à luz da ironia e do mais fino ou mais negro humor, tal o absurdo em que se inscreve.

Saber rir daquilo que nenhuma ponta tem mais por onde possamos pegar-lhe, e saber rir de nós mesmos, é condição “sine qua non” para sobreviver neste autêntico vale de lágrimas ou estúpido reino da Dinamarca onde todos, ou quase todos andam enganados e enganando-se vai para quarenta anos. Há essencialmente duas coisas que o português contesta e detesta, uma é saber, saber o que quer que seja a respeito de… saber, aprender, ler, informar-se, perguntar, entender, compreender, enfim, saber por saber, para não ser estúpido. A segunda é meditar, analisar, extraír conclusão, comparar, examinar, intuir, deduzir, generalizando e em simultâneo especificando, ou seja pensar, tão simples como isto, pensar.

Daí os dogmas e as ortodoxias de esquerda e de direita em que tropeça há quatro décadas, sem que lhe ocorra no mínimo baixar-se e arrancar a pedra do caminho ficando menos uma em que tropeçar da próxima vez. Todavia larga opiniões a toda a hora, como quem caga bacoradas, e nem tão pouco se dá conta da montanha de asneiradas que ao longo de dias, semanas, meses e anos vai acumulando. Se fosse como o Jóquer do Totoloto era o menos, mas sucede que não é, caindo alguns no extremo oposto, ficarem calados, escondendo dos demais a sua ignorância, o que até consubstanciaria uma virtude não fosse a sabedoria desconfiar da marofa. Entre ser preso por ter cão e preso por o não ter é acreditar na Clementina que garante ser no meio que se encontra a virtude.

E é, e está, é precisamente no meio que ela é mais docinha, e ainda que com um ligeiro travo e um muito leve sabor a maçã verdinha é lá que está a virtude, bem no meio, bem escondidinha. Vai uma apostinha ?

A propósito, foram 17,30€ a conta, vou ter que me vingar destes cabrões sabiam ? Sabiam ou pertencem àquele número dos que não sabem, nem querem saber e têm raiva a quem saiba ?