sexta-feira, 22 de abril de 2016

338 - MARCELO E O ALENTEJO ESQUECIDO .......


O nosso homem está no Alentejo, quero dizer o PR de todos nós, e é bem-vindo, não temos muita gente à sua espera porque somos poucos, aliás somos cada vez menos, um terço do país para um vigésimo da população, mas temos muito espaço onde ele poderá alegremente cabriolar e gastar as energias que parecem atingi-lo como a sarna.

Disse o senhor presidente, em quem não votei mas teria votado numa segunda volta, pois nem lá fui, aliás a uma mesa eleitoral nem vou há bué da time, mas como ia dizendo, disse ele não sei já onde que o Alentejo tem sido esquecido, por mim ter-lhe-ia respondido olhe que não senhor presidente, olhe que não, somos precisamente cada vez menos porque quando um alentejano se deita a cismar a sério faz as malas e abala, parte, vai-se embora, precisamente por se lembrar bem onde e com quem está metido, ou entalado.

Contava-se na minha infância, passada em S. Miguel de Machede, que se semeassem carapaus de cabeça para baixo se colheriam sardinhas de cabeça para cima, o Alentejo vive um pouco nessa esperança, nesse desígnio, vive-o há tempo demais, vive-o há quarenta anos. O problema nem são as suas gentes, que aliás cada vez são menos e cada vez são menos “gente”, gentes que têm sido menorizadas, tratadas abaixo de cão por tudo que é barão. Só no Alentejo acontecem fenómenos anormais, como aconteceu na terra do Endovélico, uma terra onde quase ninguém sabe ler mas alguém se lembrou de construir uma biblioteca como a de Alexandria, onde muito mais de meio milhão de euros foram gastos e as obras estão a meio, paradas, deteriorando-se, nem para manter o edificado há dinheiro. Não faço ideia quem teria sido o imaginativo expert, mas merecia decerto uma medalha, uma medalha de merda claro.

Não estando enfeitiçado por um qualquer determinismo, o Alentejo não deve ao acaso ser a região mais pobre da Europa e do país, porque também está fadado, isto é possui condições impares para fazerem dele uma região mais dinâmica e mais rica, o seu mal têm sido as suas elites, ignorantes que nem uma tabua rasa, o Alentejo só pode portanto queixar-se de si mesmo, pois tem ficado à espera que os de fora façam o que ele próprio não faz, e quando alguém aparece a querer fazer deitam-no abaixo, lembrem-se ser esta a terra onde já se experimentou cavar deitado, ou esqueceram isso ? O Alentejo acabou com os latifundiários, mas não acabou com a fome, desta vez fome de oportunidades, fome de realização, fome de emprego, fome de solidariedade, fome de igualdade, de fraternidade. E deve tudo isto à ignorância larvar de elites, autarcas e dirigentes, é preciso não ter medo de o dizer, e se tiverem dúvidas olhem para ele, ele Alentejo, está aqui a sua obra, a obra deles, no Alentejo a desfaçatez tem a dimensão da planície.

A história que vos vou contar, verdadeira, embora lhe desconheça os pormenores, ilustra bem a anedota que somos ou que mentes ilustradas fizeram do Alentejo. Era uma vez uma barragem que deu origem ao maior lago artificial da Europa, coisa grande, grandiosa, e a que era necessário regulamentar o perímetro evitando-se a construção clandestina ou o aproveitamento selvagem das margens. Alguém criou um rascunho de regulamentação que antes de ser vertido em lei foi colocado sob apreciação de todos os autarcas ribeirinhos. Deram o seu parecer e opinião tendo a lei avançado para publicação.

Poucos anos mais tarde os mesmos autarcas desataram a criticar vivamente a mesma lei que tinham escrutinado, desta vez com a acusação de que o regulamentado era demasiado restritivo, nada permitindo fazer na orla da barragem, tendo a lei sido de novo mudada, não sem antes obter de novo o seu escrutínio e aprovação. Resultado, qualquer dia para fruirmos da barragem teremos que ir à margem espanhola, por cá continua a não se permitir que alguém faça o que quer que seja, ficámos com uma marina e um restaurante sobranceiro a esta e agora, agora, para dinamizar a coisa, e sendo a esperança a última a morrer, deparei há dias num jornal da terra com o maior investimento alguma vez efectuado nas margens de Alqueva, o maior e certamente o único, na página principal desse diário e com desenvolvimento nas interiores, anunciava-se ter sido sinalizado “o início de um percurso pedestre” ligando as aldeias ribeirinhas, tendo sido inaugurado o momento com pompa e circunstância. Embora não passe de um projecto, segundo percebi, ligará todos os concelhos dos 14 municípios ribeirinhos, existindo para o BTT idêntica intenção. Haja pois esperança, o Turismo do Alentejo estava solenemente representado dando ar de seriedade à coisa, estamos salvos, vão chegar via aeroporto de Beja resmas de caminheiros ou caminhantes, e paletes de ciclistas ou ciclo-alpinistas do BTT amantes. Se o ridículo matasse e a parvoíce em vez de fazer rir desse dinheiro, a esta hora estaríamos todos mortos de riso ou no mínimo ricos…

E entretanto o que foi ou é feito desses excelsos autarcas ? Eu digo-vos, foram promovidos apesar de nunca terem sabido governar um concelho, qualquer dia arriscamo-nos a ter um deles como Primeiro-ministro… Há mais histórias destas do baú donde esta veio, mas não quero maçar-vos. Não me ocorre onde foi que li, ou ouvi, ser Évora ou o Alentejo a zona do país com a maior densidade de associações culturais e associações de desenvolvimento, aliás basta ir ao Google, são à volta de vinte páginas das primeiras e outras tantas das segundas, o que ilustra bem a contradição que se vive no Alentejo onde, com tanta gente empurrando para cima e para a frente, se torna inexplicável este retrocesso de décadas direitinho ao fundo e caminhando para trás. Por isso afirmo que o Alentejo, como o país, só pode queixar-se de si mesmo e das suas vanguardas. A atribulação mor do Alentejo é o amor, é tão amado que o afobam, há dias nasceu mais uma paixão, a AMAlentejo, mais uma a juntar a tantas outras…

O problema das nossas gentes não é diferente do problema das gentes do resto do país, uma ignorância pomposa campeando à solta pelas vastas planícies, sem um desígnio, sem uma estratégia, sem um plano anual, bianual, quinquenal ou qualquer outro e, quando há ou existe, esconde-se, para esconder com ele o clamor do seu falhanço. Nem a jóia da coroa está isenta de nódoa, a Barragem de Alqueva, acerca da qual o Tribunal de Contas (TC), afirmou taxativamente que no contrato de subconcessão entre a EDIA e a EDP para a exploração hidroeléctrica das barragens de Alqueva e Pedrogão “o interesse público não foi devidamente salvaguardado”, (sic). Quanto a mim o TC foi peremptório em condenar a inépcia ou a forma abusiva como as negociações foram travadas, tendo daí resultado que a exploração da queda de água foi parcialmente “dada” à EDP. 

Nem é cível nem criminal o TC, nem cita nomes, não cita personas, cita empresas e administrações, cita culpas, mas deveria ter personalizado o problema, para que as populações soubessem como dirigir a sua desaprovação à forma imoral e pouco ética como o assunto foi conduzido, para que as populações ao menos pudessem ser criticas, ainda que à moda da revolução cultural chinesa de 1966… É inacreditável que todos se calem, se calhar merecemos o esquecimento a que o senhor PR aludiu e a que somos votados. Há uns meses a Universidade Católica em parceria com a Zaask deu à luz um estudo negríssimo para o Alentejo, porém não me consta que alguém se tivesse incomodado com isso, ficou tudo como dantes, quartel general em Abrantes.

Uma cega autofagia politica grassa como uma praga há muitos anos no Alentejo e enquanto esse surto epidémico não for erradicado como o foi a peste negra na Idade Média o Alentejo definhará, morto ou quase morto já ele está, uma região linda, a mais linda do mundo, como a classificou há dias um jornal inglês, é contudo e incompreensivelmente, com tão extensas planícies em que tudo está a descoberto, um lugar submetido a profundas e pródigas divisões, onde inexplicavelmente não se constroem pontes, antes se cavam e mantêm velhas irredutibilidades. É caso para dizer que, tal qual o mal de Portugal são os portugueses, o mal do Alentejo serão os alentejanos….   

Sua excelência abalará feliz, Deus permitiu-lhe visitar o Alentejo no auge da sua beleza, a Primavera, temo, e os alentejanos compreenderão o meu temor, que a exemplo de outras situações e mantendo o hábito e a tradição, terminadas as visitas e as loas tudo fique na mesma, como a lesma…