sexta-feira, 13 de março de 2020

638 - UMA ESMOLINHA SÓ, by Maria Luísa Baião *



Rejubilo com pequenas coisas como qualquer de vós, uma flor que se abre, um aroma que apanho no ar, um gesto educado de um jovem. Mas com a mesma facilidade com que rejubilo ou me comovo, também sofro com a dimensão pequenina da terra onde vivo, da sua falta de perspectivas futuras, do desenvolvimento adiado, do marasmo e da rotina em que caiu.

Olho para os jornais e que vejo ? Futilidades, vacuidades, banalidades, guerras de alecrim e manjerona que só servem para nos ocupar o tempo, não o espírito nem as necessidades. Idem para a TV, toda ela cada vez mais espectáculo, cegada por corrida louca de audiências, como se daí viesse algum bem ao mundo. No mundo da política tudo o que se faz parece não resolver um único dos nossos problemas, pelo contrário, tudo é prontamente criticado, alvo de obstrução ou oposição, de tal modo que apenas durante um curto período de verão essas guerras abstrusas por algum momento se quedam.

O Presidente vai ao Porto em 2001? Um escândalo, os jipes vão encarecer  ? Uma afronta ! O ministro tem acções ? Heresia ! O governo vira à esquerda ? Traição ! Vira à direita ? Aberração ! O país vai para baixo ? Acima ! Vai para cima ? Abaixo ! A tal GALP é dos Italianos ? Pois sim ! Pois não ! A nossa EDP vai para os Espanhóis ? Errado ! Certo ! O despesismo é nosso ? Só pode ser bom, é teu ? Só pode ser mau ! O silêncio é de ouro, o sigilo é a alma do negócio. 

Sinceramente que opiniões esperam que este povo tenha do (s) momento (s) político (s) que atravessamos ? Que sabe ele de dividendos ? De acções ? De participações ? De SGPS ? De solvibilidade ? De manipulação de preços ? De cotações ? De fusões, de aquisições ? De OPV, de OPA’s ? de CMVM ? De Bolsas ? De controle de custos ? Do NASDAQ ? Do Dow Jones, do Niquei ? De deslocalizações , do Brent ? De imparidades e tantas outras situações que eu mesma não domino convenientemente mas que sei mexerem comigo e com a situação do país ?

Por que não se cingem os políticos mais à situação local e real do país ? Por que não nos resolvem os comezinhos problemas que temos à porta? Por quê milhões em submarinos para o Atlântico se nos faz falta aqui um hospital ? Por quê um aeroporto na Ota e não em Rio Frio ? Por que não vai o TGV passar na minha rua ? Por que se investe em Sines e não no meu Bairro ?

Por que muda a hora, quando há tanta coisa mais urgente a mudar ? É por ser mais fácil ? Por quê tantos milhões para a zona dos mármores e para o norte alentejano e nada para nós ? Por que se guardam seiscentos mil no banco se os juros até andam pela hora da morte ? Por que perdemos em Madrid ? Por que não ganhamos em coisa nenhuma ? Em lado nenhum ? Por que nada nos calha ? Será por que não pedimos ? Ou não precisamos ? Ou não nos lembramos ? É incapacidade nossa ou vergonha de pedir ? De exigir? Ou esquecemos que temos direitos mas também obrigações ?

Vamos esperar reste qualquer coisita do tal 2001 ? Ou do 2004 ? Vamos pedir, esperar ou agradecer uma esmolinha ? Ou vamos ficar caladinhos para não levarmos no focinho ?

Vamos perder a vergonha e rogar o favor de uma esmolinha só ?   


 *  by Maria Luísa Baião, criado segunda-feira, ‎30‎ de ‎Outubro‎ de ‎2000, ‏‎pelas 22:40h e publicado no Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER nos dias seguintes.