terça-feira, 20 de outubro de 2015

281 - VAI FAZER SOL ??????????? .............................


A maravilha que a internet pode ser, constituir, sensibilizou-me esta semana com a publicação de um vídeo inédito dos Quatro de Liverpool, cujo link não poderia deixar de vos disponibilizar no fim da página. É verdade que foram excepcionais, um ainda o é, e salvo erro dois são ainda vivos, o baterista Ringo Starr e o vocalista Paul McCartney.

Naturalmente vi o vídeo do princípio ao fim, mas não foram as musiquinhas, que estou fartito de ouvir desde que era gaiato, que me despertaram a atenção e me quebraram a inércia aos neurónios que de imediato se puseram aos pulos não parando a tarde inteira e até me ter agarrado ao pc a desbobinar a arenga que aqui vos deixo hoje.

O que me deixou os ditos verdadeiramente aos pulos foram antes o tempo e as circunstancias em que o fenómeno ocorreu, já Garcia Lorca nunca desapossava do homem as circunstâncias em que se movia, foi portanto o contexto em que o fenomenal fenómeno ocorreu e teve lugar que me ocupou as meninges, terão sido aquelas quatro personagens únicas ?

Evidentemente que o não foram, mas tiveram a sorte, que lhes atirou para o colo o proveito e o mérito de uma carrada de circunstâncias sem as quais jamais teriam ultrapassado o anonimato. Verdade que eram naturalmente muito bons no que faziam, até porque as circunstâncias e em especial a sorte, só bafejam quem esteja preparado para as ou a receber. Um pouco como a coragem, ou a heroicidade, que somente protege e beneficia os audazes. (Ao contrário deles, Portugal desperdiça oportunidades há quarenta anos).

Aqueles quatro pacifistas, ironia das ironias o destino fez com que um deles tivesse morrido com um tiro no peito, foram os primeiros grandes beneficiados do facto de a GB ter vencido a II Grande Guerra. O esforço tecnológico colocado pela ilha para vencer o conflito mundial, em especial a invenção do RADAR, o tal tubo de raios catódicos que desaguaria na televisão, e os desenvolvimentos propiciados pelas ondas hertzianas, vulgo rádio, com as válvulas a serem substituídas por transístores, seriam fulcrais como trampolins do seu merecido e reconhecido sucesso.

É certo ter havido grande disponibilidade e muitíssima gente disposta a vê-los e a morrer por ouvi-los, ao contrário do que acontece comigo, que canto muito bem mas pareço não alegrar ninguém, os milhares que enchiam os estádios eram jovens a quem a fúria de viver animava e almejavam vestir a irreverência que os quatro corporizavam, esquecidos que estavam os serviços fúnebres das gerações anteriores.

A ilha, ou melhor a GB, já durante a I Guerra Mundial perdera os jovens de duas gerações, e, quando ser recompunha, a II Grande Guerra rouba-lhe ingloriamente outras duas gerações, pelo que a seguir ao conflito a ilha, a par dos EUA, foi um dos dois pontos do mundo onde outras e vantajosas condições se aliaram causando o fenómeno posteriormente conhecido entre nós como baby boom. Democracia e desenvolvimento económico dominaram a variável que hoje conhecemos como “confiança do consumidor” e foram pais de milhões de bebés encantadores por toda a Europa e USA, um pouco do que inversamente acontece agora entre nós, cuja democracia e economia de sucesso ditaram o gelado inverno demográfico em que nos atolámos e que nem a maravilha do último ajustamento ajudou a derreter.

Ora após o baby boom havia uma catrefa de jovens sedentos por que lhes ocupassem os tempos livres e lhes segredassem coisinhas românticas ao ouvido, e, não casualmente, existiam já prenhes de êxito e disseminados por todos os lares, rádios, nessa época designados por “galenas”, coisa que tinha que ver com a antena e o ajustamento das frequências emitidas. Mas, ainda que a preto e branco, já pontificava a televisão, que havia de preencher a toda esta gentinha a tal avidez nada comezinha quando não uma surpreendente histeria. Milagrosamente violas e guitarras eléctricas, tal como amplificadores, sintetizadores e “distorcedores” de som ampliariam de modo inaudito a valência dos espectáculos ao vivo, levando a juventude ao delírio. A invenção do fonógrafo, então já desenvolvidíssima para o suporte em disco mais ajudou à festa.

Diria que se conjugaram as condições ideais, fulcrais, necessárias e fundamentais para que o anonimato ou o mero conhecimento limitado e localizado da música daqueles quatro, tivesse sido ultrapassado e as suas melodias difundidas pelo mundo com maior sucesso e rapidez que os bips do Sputnik. Toda a causa tem efeito, e todos os condicionalismos ou circunstancialismos ditam e moldam os nossos gostos usos e costumes, tudo é fruto de algum determinismo.

Sherlock Holmes, Agatha Christie, Poirot, Fantomas, e outros grandes autores e personagens literários tiveram a sua época num período em que as massas não chafurdavam na vacuidade da Tv a cores ou das rádios FM. Esses quatro sortudos tiveram a sua época no tempo das preciosidades, e não no do consumismo desenfreado de CD’s a pontapé ou da miséria dos mídia actuais cuja função mais parece ser a de embrutecer-nos. Emílio Salgari ou Júlio Verne não teriam sucesso hoje que o pessoal pensa que sabe tudo, já viu tudo e acredita que sim, que assim é. Os quatro do bando, não confundir com o bando dos quatro, tiveram a sua época, tal como Ágata Christie Sherlock Holmes e outros tantos tiveram a sua época no mundo da leitura, da imprensa, dos livros, quando a imprensa e a edição eram rainhas e sinónimo de verdade, confiança e cultura. Depois passou-se para a época em que sabemos tudo e todos somos cultos, letrados, instruídos e aperaltados pelas estatísticas, pela normalizadora, Orwelliana e mistificadora varinha de condão das estatísticas. Está para mim mais que visto ter a escola pública falhado, o ministério, a escola e bué de professores que nelas pontificam, ganhando demasiado para o bem pouco que sabem. 

Mas esses foram tempos atrasados, sem progresso, tempos da conquista dos pólos, de Roald Amudsen e Robert Falcon Scott, de Herman Melville e da caça à baleia branca, Moby Dick, foram os tempos das descobertas de novos mundos e espécies, de Charles Darwin, de Jean Baptiste Lamarck, de Mendel, dos bandeirantes, dos Mapas Cor-de-rosa, de Angola à contracosta, do pioneirismo na aviação, na electricidade, de Mr. Hyde e Mr. Jekill, de Frankenstein, do cinema mudo que nos havia de gritar a plenos pulmões, das Neves do Kilimanjaro, das Vinhas da Ira, de Doutor Jivago, foram os tempos do Expresso do Oriente, das 20.000 Léguas Submarinas e da Viagem ao Centro da Terra. Nem séculos mais tarde a conquista da Lua arrebanharia tantos curiosos.

Já então se sabia tudo, sabíamos tudo, Freud e Einstein haviam mostrado tudo, e a volta ao mundo depois do Titanic fazia-se em muito menos de oitenta dias.

Mas os quatro de Liverpool beneficiariam também da Revolução Russa de 1917, das influências de Marx e do Manifesto Comunista, do advento das correntes socialistas e sociais-democratas (não confundir com as nossas), dos debates à volta de Pierre Joseph Proudhom e do que É a Propriedade, do bom selvagem de Rousseau e do seu Contrato Social. À época destes quatro cavaleiros do apocalipse o lazer estava instituído bem como a jorna de oito horas diárias, os tempos de esclavagismo da Revolução Industrial estavam enterrados, o lazer exigia novas respostas, criando novas oportunidades, novos hábitos, novas indústrias, novos empregos, novas necessidades, novos nichos de mercado como se diz agora, e de todas estas circunstâncias os quatro beneficiaram em cheio pois estavam à hora certa no local certo, tivessem estado na Africa do Sul ou em Portugal e teriam morrido incógnitos, por cá temos até o mau hábito de foder a maioria das poucas oportunidades que milagrosamente nos aparecem.

Paulatinamente o som e a imagem foram destronando dos jornais os folhetins diários que gente séria escrevia e outras gentes igualmente circunspectas liam religiosamente pois eram publicados e avidamente devorados apaixonadamente dia a dia. Relatando, quando não inventando histórias, a imaginação e a ficção não tinham limites, descreviam odisseias, sagas, aventuras, epopeias, descobertas, avanços científicos, apresentando-nos o presente enquanto simultaneamente nos preparavam para o futuro.

Paradoxalmente hoje, tanta cultura ameaça remeter-nos de novo para as cavernas, endeusámos a ligeireza do vácuo, da vacuidade, até na música estamos muito longe das miríficas letras e acordes dos quatro de Liverpool, e, por este andar, temo que não demore que recolhamos de novo às grutas de Lascaux, Altamira e de Matera, aos saltos, aos grunhidos, aos monossílabos, gesticulando em redor de uma qualquer fogueira e arrastando-as de novo pelos cabelos.

Aquele vídeo, este vídeo, fez-me pensar, deu-me conta da enorme incompetência e estupidez que nos rodeiam, nunca imaginara tal gigantismo. Brutos, incongruentes, inconsequentes, incultos, pouco menos que analfabetos, selvagens... Nem no tempo da  outra  senhora eu vira tamanha desgraça.

           Vai fazer sol ? Não sei, só sei que quer à esquerda quer à direita a ignorância a estupidez e a boçalidade tudo carregam de cores negras...

            Ob-la-di, ob-la-di, ob-la-dá……………………………..